segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Ser cristão no Egito

No Egito, país muçulmano com uma pequena maioria cristã, a convivência harmônica é frequentemente normal; porém, a vida dos seus católicos não é fácil, segundo explica o patriarca Antonios Naguib, da Igreja copto-católica do país.
O patriarca é o pastor da principal comunidade católica do Egito. Além dos copto-católicos, existe também o grupo de ortodoxos católicos e comunidades copto-evangélicas e protestantes.
A comunidade católica copta é uma igreja minoritária no país. Como é a vida diária dos coptos ou cristãos católicos no Egito?
Patriarca Naguib: Do ponto de vista religioso, cada igreja tem seus próprios membros, que têm liberdade de culto e de participação em atividades sem restrições, problemas ou conflitos. Todos os cristãos estão muito integrados na sociedade. Não há áreas especiais para os cristãos. Existem apenas algumas aldeias nas quais os cristãos são maioria. Muitos deles estão bem integrados na sociedade, na qual os conflitos são esporádicos, mas isso acontece entre vizinhos em todos os lugares. Quando se é minoria, afloram dificuldades no trato com a maioria. Vivemos em harmonia e por parte dos muçulmanos encontramos a mesma abertura e a mesma atitude, ainda que, como acontece em todo lugar, alguns grupos sejam um pouco agressivos.
Ainda que geralmente a situação dos cristãos no Egito não seja fácil, a Constituição reconhece a liberdade religiosa. No entanto, o Egito é um estado islâmico e, se não me engano, a sharia (lei islâmica) é a fonte de toda legislação, o que significa que, em muitos aspectos, os cristãos encontram inúmeros obstáculos para viver sua fé. Que tipo de desafios eles enfrentam no Egito, especialmente nesse ambiente?
Patriarca Naguib: Como já comentei, depende da conduta e da mentalidade da pessoa. Quando me encontro com uma pessoa de mente e coração abertos aos demais, a relação é fácil e boa. Às vezes encontro outros que têm uma atitude de oposição e a relação pode ser difícil. Isso também pode acontecer no que concerne a temas administrativos com o governo, mas frequentemente os problemas se resolvem facilmente, devido à nossa cultura oriental, não só egípcia. Em geral, depende das relações pessoais e sempre se encontra alguém com quem se tem uma amizade pessoal e que pode ajudar a resolver o problema.
No entanto, há alguns obstáculos. Por exemplo, não é difícil construir novas igrejas?Patriarca Naguib: Sim, é difícil. Isso se deve a uma lei muito antiga.
Como é essa lei?Patriarca Naguib: Esta lei foi [estabelecida] no final do século XVIII, durante o Império Otomano. Há diferentes interpretações desta lei. Alguns dizem que seu principal objetivo era proteger os cristãos de qualquer agressão. Outros dizem que era para dificultar aos cristãos a possibilidade de ter seus próprios lugares de culto. Você pode escolher uma ou outra, e nós em geral dizemos às autoridades - que sempre afirmam que é para a nossa proteção - que nos são colocadas dificuldades. Nós, nesta área, enfrentamos dificuldades e é preciso muito tempo, mas no final sempre somos capazes de resolver o assunto.
E com relação à vida política? Um cristão não pode ser presidente. Só há dois cristãos no governo. Os cristãos não podem ser prefeitos de cidades. Como eles conseguem uma representação justa?Patriarca Naguib: Isso se deve a diferentes fatores. Antes de tudo, no cenário político, quando há eleições, levando em consideração que de cada 10 egípcios, só 1 é cristão, você acha que os cristãos têm influência suficiente para ser eleitos como membros da assembleia? Esta é a razão pela qual o presidente sempre nomeia de 4 a 7 cristãos como membros da assembleia, para que tenham uma voz nela. No setor administrativo do governo, a equipe não é eleita, mas nomeada; por conseguinte, também são dados lugares aos cristãos, ainda que simbolicamente. Nas administrações locais, em postos como os de sheriffs, chefes ou governadores das aldeias, não há cristãos; normalmente é por tradição.
A Igreja não está lutando por uma maior representação política?
Patriarca Naguib: A verdade é que os jornais cristãos escrevem sobre isso e há alguns intelectuais muçulmanos que escrevem e defendem uma melhor representação dos cristãos. Os grupos de direitos humanos no Egito também estão tornando públicas suas preocupações sobre isso. Portanto, existem vozes e apelos que o reivindicam. Também há pressão social e religiosa.
No Egito, é obrigatório carregar uma carteira de identidade, na qual se indica a afiliação religiosa. Isso é um instrumento para a discriminação, por exemplo, se um cristão está solicitando um emprego?Patriarca Naguib: Este assunto também é objeto de debate público. Nos últimos anos, houve muitos artigos nos jornais locais, tanto de cristãos como de muçulmanos, com relação ao tema. Isso pode ser interpretado de duas formas. Uma afirma que é discriminatório, enquanto outra diz que é necessário no meio social, dando como exemplo os tribunais que tratam de assuntos familiares como o casamento, divórcio etc.; dizem que, se não se indica a religião da pessoa, como o juiz pode dar uma sentença justa, de acordo com a lei que obriga os indivíduos? Então teriam de julgar somente baseando-se nas leis islâmicas.
A lei egípcia permite que cada indivíduo seja julgado segundo as leis que obrigam esse indivíduo, segundo sua afiliação religiosa. Assim - dizem - a lei é justa. Por exemplo, o divórcio não é permitido aos católicos porque sua lei religiosa não o permite. Os ortodoxos têm regras muito específicas com relação ao divórcio e o juiz, que em geral é muçulmano, baseia seu julgamento em tais leis. Muitos, no entanto, afirmam que é melhor basear a identidade somente na cidadania e deixar todos os assuntos referentes à família e ao casamento nas mãos das diferentes comunidades religiosas.
Há pessoas que alegam ou sugerem que algumas conversões do cristianismo ao islã se baseiam em motivos econômicos ou em interesses pessoais. Falamos disso antes, que os cristãos às vezes têm dificuldades para garantir um bom emprego porque seu documento de identidade indica sua afiliação religiosa. O desemprego no Egito é elevado, cerca de 10%. É vantajoso para um cristão converter-se ao islamismo para beneficiar-se de oportunidades de emprego? É este o caso?
Patriarca Naguib: Há alguns casos, mas não seria correto afirmar que esta é a principal razão. Existe, penso eu, dois motivos principais. Um está baseado no casamento. A melhor forma de livrar-se de um casamento para um cristão, seja ele homem ou mulher, é tornar-se muçulmano; para eles, é fácil divorciar-se e ter o benefício de plenos direitos frente ao outro cônjuge e a plena guarda dos filhos. A segunda razão é a fraqueza da própria fé. Isso se deve à falta de boa formação na própria fé. Existem algumas regiões, aldeias e alguns bairros da cidade onde não há suficiente cuidado pastoral. A atração islâmica e a mídia leiga influenciam muito e contribuem facilmente para esta falta de adesão incondicional à própria fé, devido à ausência de um sólido fundamento da fé.
Uma área na qual a Igreja Católica está trabalhando especialmente bem é a escolar. Como o senhor vê a importância da educação para o futuro do cristianismo no Egito?
Patriarca Naguib: Temos 186 escolas católicas no país, com mais de 150 mil estudantes, dos mais pelo menso 50% são muçulmanos. Assim, você pode compreender a importância da educação. Em primeiro lugar, ela oferece ao nosso povo uma boa formação religiosa e moral e um nível alto de educação. Em segundo lugar, dá oportunidades tanto a cristãos como a muçulmanos, desde a primeira infância, de socializar juntos. Crescem juntos, fazem amizades e os pais se familiarizam e valorizam a Igreja Católica, o cristianismo em geral. Estes estudantes, tanto meninos quanto meninas, que cresceram juntos em nossas escolas católicas, depois serão membros responsáveis da sociedade; e aqueles que não são da nossa fé, serão capazes de ser abertos e compreender-nos melhor, não só a nossa fé, mas nós como pessoas; e serão capazes de ajudar-nos quando temos problemas.

Fonte: Zenit.

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