sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O padre milagreiro



A história começa no dia 1º de março de 1889, em Juazeiro do Norte. Numa sexta-feira da quaresma, a beata Maria de Araújo, a Maria Preta, lavadeira, costureira e doceira, estava na frente do Padre Cícero para receber a hóstia sagrada. No entanto, quando esta tocou-lhe a língua, aconteceu o inacreditável: a hóstia havia virado sangue na boca da beata. O fato ainda viria se repetir várias vezes durante as próximas semanas. Diante do inexplicável, não tardou para que se espalhasse a notícia de que aquele seria o sangue de Jesus Cristo que havia sido derramado pela salvação dos homens. E, assim, o ``milagre de Juazeiro`` passou a ser conhecido em todo o Interior e capitais, tomou conta da imprensa e atraiu todo tipo de gente, de camponeses a representantes das camadas dominantes da sociedade para conhecer e pedir ajuda ao ``Padre Milagreiro``. O que aconteceu daí em diante mudou os rumos da história do Ceará e está contado na biografia Padre Cícero, Poder, fé e guerra no sertão, do cearense Lira Neto, lançado hoje em São Paulo e com previsão de chegada ao Ceará na próxima semana. ``Durante a leitura, penso eu, os leitores serão apresentados ao Cícero Romão Batista de carne e osso. Procurei retratar as nuances, as idiossincrasias e a vida cotidiana do padre, sempre contextualizando sua riquíssima e mirabolante trajetória pessoal com a história do Ceará, do Nordeste e do Brasil à época``, conta o autor que já negociou ao direitos do livro para a realização de filme dirigido por Sérgio Machado (Cidade Baixa) com previsão de estreia para o início de 2011. Único filho homem do comerciante Joaquim Romão Batista e de Joaquina Vicência Romana, Cícero Romão Batista nasceu no Crato em 24 de março de 1844 (há quem diga, sem comprovação, que o dia correto seria 23; a alteração seria para vincular seu nascimento à data litúrgica da Anunciação). Aos 12 anos, conheceu o livro Filoteia ou Introdução à vida devota e atribuía a ele sua opção pelo sacerdócio. Também havia sido influenciado pelo padre José Antônio de Maria Ibiapina, advogado criminalista que largou a lei dos homens para cruzar o sertão nordestino pregando a lei divina e construir casas, açudes e escolas, sempre em regime de mutirão. Após o fenômeno ocorrido com a beata Maria de Araújo, Cícero viu crescer seu prestígio e sua influência na vida social, política e religiosa da região, assumindo, inclusive, o cargo de prefeito de Juazeiro e vice-governador do Ceará. ``Atribuir a popularidade de Cícero apenas a uma suposta -alienação do povo-, com certeza, não será o melhor caminho para compreender o personagem. Além do mais, a hipótese de que apenas o -fanatismo- deu origem a toda essa história é carregada de uma forte carga ideológica e de um tosco preconceito conceitual. O visitante que chega pela primeira vez a Juazeiro do Norte talvez tenha a impressão de que, realmente, está apenas testemunhando um fenômeno massivo de mercantilização da fé``, analisa Lira Neto, que baseou sua pesquisa em documentos fornecidos pelo Departamento Histórico da Diocese do Crato, entre elas cerca de 900 cartas trocadas pelos principais protagonistas da história, outros do Arquivo Secreto do Vaticano (``ao qual tive acesso por meio de fontes construídas com afinco durante todo o trabalho de apuração``), além das colaborações de Renato Casimiro, professor da Universidade Federal do Ceará e do pesquisador Daniel Walker, de Juazeiro. Passados 120 anos do ``milagre``, a figura de Padre Cícero ainda leva milhares de romeiros todos os anos à cidade onde o episódio aconteceu. Mesmo tendo ele sofrido forte censura de vários setores da sociedade, inclusive da própria igreja que iniciou um processo para a sua reabilitação. ``A cada dia, torna-se mais evidente que o processo caminha para uma resolução favorável a Cícero. Os indícios são evidentes. O atual bispo do Crato, o italiano Fernando Panico, parece ter sido nomeado com a missão específica de pavimentar o caminho para a reabilitação. Ele não esconde de ninguém que é um ardoroso defensor da causa e já disse, em entrevista ao The New York Times, uma frase emblemática: -Padre Cícero é um antivírus contra os evangélicos-``, diz o escritor. Quanto à polêmica que resiste sobre o que de fato aconteceu em Juazeiro em 1889, Lira Neto alerta: ``Não sou um homem religioso e não sou dado a acreditar em milagres. Mas, francamente, nenhum historiador sério atribui os fenômenos ocorridos com a beata Maria de Araújo à tuberculose. Tal tese é risível, à luz da documentação produzida durante todas as fases do inquérito eclesiástico instaurado à época. Os bispos e cardeais que condenaram Cícero e retiraram-lhe as prerrogativas sacerdotais acreditavam que a devoção em torno de seu nome cessaria com sua morte. Seus inimigos políticos, idem. Hoje, 75 anos depois (de sua morte), nota-se que Cícero arrasta multidões cada vez maiores``. EMAIS - Padre Cícero, Poder, Fé e Guerra no sertão é a quinta biografia escrita pelo jornalista Lira Neto. Antes, ele lançou O poder e a peste: A vida de Rodolfo Teófilo (1999), Castello: A marcha para a ditadura (2004), O inimigo do Rei: uma biografia de José de Alencar (2006) e Maysa, só numa multidão de amores (2007). Também é autor de A herança de Sísifo (2000), sobre sua experiência como ombudsman do O POVO. - O livro se encontra em pré-venda em algumas lojas virtuais (Preço médio: R$ 49) e está programado para chegar às livrarias do Ceará na próxima semana. O autor tem programado dois eventos de lançamento: o primeiro no dia 2 de dezembro, no Centro Cultural Banco do Nordeste de Juazeiro e no dia 8 de dezembro, no Centro Dragão do Mar.

Um comentário:

  1. Veja documentário que fiz sobre Padre Cícero, após dois anos de filmagens. Intitulado: PADIM CIÇO, SANTOU OU CORONEL? Se gostar, comente, avalie e divulgue. Pode acessar através do meu blog:

    www.valdecyalves.blogspot.com

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