quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O caminho dos anglicanos para Roma

Por Paolo Gulisano

Há um século, o escritor Hilaire Belloc publicou um livro cujo título era “The path to Rome”, “O caminho para Roma” (o volume logo foi reeditado na Itália).
Tratava-se de uma narração sobre uma peregrinação a pé efetuada pelo próprio autor, desde Toul, na França, até a Cidade Eterna. Esta viagem era, todavia, também uma transparente metáfora do caminho até o Centro da Igreja, até Roma, que toda a Europa é convidada a fazer, caso não queira perder definitivamente sua alma e sua própria identidade.
Belloc era um católico inglês, filho de uma notável convertida que pertencia ao movimento de renascimento católico na Inglaterra, que teve como protagonistas o cardeal Manning e, sobretudo, o cardeal John Henry.
O caminho em direção a Roma estabelecido há cem anos por Belloc, que foi protagonista da conversão ao catolicismo de um personagem como Gilbert Keith Chesterton, é o que decidiram percorrer agora outros anglicanos, os fiéis da Traditional Anglican Communion, que há tempos tinham pedido ao Vaticano para entrar em comunhão com a Igreja Católica.
Tratava-se de um pedido histórico: durante muito tempo, de Newman a Tony Blair, a conversão do anglicanismo ao catolicismo supunha uma eleição individual, pessoal, frequentemente sofrida porque seguida de tentativas – sempre frustradas – de trabalhar “dentro” da Confissão Anglicana para levá-la à unidade com Roma. Agora, em contrapartida, estamos diante de comunidades anglicanas inteiras à plena comunhão com Roma.
Trata-se de um pedido amadurecido nos últimos anos e que havia quase colocado em dificuldade a própria Igreja Católica na Inglaterra, tanto que foi objeto de um acordo conjunto entre o Primado católico e o anglicano, sob a supervisão da Congregação para a Doutrina da fé, dirigida – como é sabido – por um prelado de cultura anglo-saxã, como é o cardeal americano Willian Levada, e que produzirá uma Constituição Apostólica, um documento ad hoc para consentir a passagem destas comunidades ao catolicismo.
Estamos, portanto, diante de uma fato histórico, pelo qual por parte católica já não existirá o temor de ser acusada de “proselitismo indevido”, e por parte anglicana se aceita que uma parte organizada dos próprios fiéis possa efetuar uma eleição deste tipo. É um ecumenismo “de base”, que representa certamente uma grande novidade a respeito do que durante tanto tempo foi interpretado somente por determinados organismos, às vezes orientados a procurar um ‘mínimo denominador comum’ entre ambas as confissões cristãs, com o efeito de esquecer que o objetivo de um verdadeiro diálogo ecumênico é o reconhecimento da Verdade.
Também é necessário destacar que estes fiéis anglicanos, taxados de tradicionalistas por grande parte da imprensa, ou também como uma espécie de “lefebvrianos anglicanos”, são, na realidade, cristãos que enxergam o catolicismo como a Igreja na qual pretendem não somente adentrar individualmente, como fazer entrar a própria história e a própria tradição, reconciliando-a com a de Roma. De fato, o documento conjunto de ambos os primados afirma: “a Constituição apostólica é um futuro reconhecimento da coincidência substancial na fé, na doutrina e na espiritualidade da Igreja Católica e da tradição anglicana”.
O problema é que nos últimos anos a Igreja Anglicana experimentou uma tal deriva relativista que se afastou não somente da Igreja Católica, como também de sua própria tradição, esta que agora os fiéis desejam reconduzir à plena comunhão com os católicos. Não se trata de um “conservadorismo” ou de divisões entre anglicanos: o problema é que na confissão instaurada há cinco séculos pelo soberano Henrique VIII e confirmada por sua filha Isabel I se converteu num pensamento não-cristão. Poderia parecer um juízo muito severo, mas é fato que na base das decisões superficialmente definidas como “liberais”, como a ordenação sacerdotal das mulheres, o casamento de pessoas homossexuais, as batalhas ecologistas e pacifistas, há uma verdadeira revolução antropológica. Uma revolução que prevê o abandono da concepção do homem como ser dotado de uma natureza específica. Este afastamento trouxe consigo uma série de tentativas de justificação das mudanças no campo da moral.
Descrevendo estas mudanças, o filósofo católico escocês Alastair Macintyre denunciou em suas obras – em particular em After the virtue – antes de tudo a mudança de concepção do homem, porque não há homem sem moral nem moral sem homem.
O afastamento da visão aristotélica nos conduziu a representações parciais da ética, a tentativas fracassadas de juízo moral, interpretações diversas do homem e da humanidade.
Este afastamento teve um lugar impetuoso no anglicanismo, onde existe um desordenado pluralismo, uma mescla sem harmonia de fragmentos ideológicos encabeçados por um subjetivismo absoluto. Semelhante subjetivismo, que é dominante na linguagem moral contemporânea, encontra uma correspondência prática no “emotivismo”, uma doutrina, na qual todos os juízos de valor e, mais especificamente, todos os juízos morais, não são outra coisa além de expressões de uma preferência, expressões de uma atitude ou de um sentimento, e precisamente nisto consiste seu caráter de juízos morais ou de valor.
A fascinação que a Igreja Católica exerceu sobre estes anglicanos decididos a repelir esta deriva antropológica está, portanto, no fato de que esta representa a única realidade em condições de voltar a propor ainda hoje ao mundo estes elementos capazes de restabelecer uma concepção sadia da moral que estava na base da concepção aristotélica: as virtudes, os valores para o homem. A isso se acrescenta a proposta da Igreja Católica de restabelecer uma concepção da razão que não se identifique simplesmente com este elemento capaz de conhecer somente aquilo que se pode examinar de forma experimental, mas com aquilo que permite estabelecer o sentido da vida do homem, seu fim e o modo de alcançá-lo.
Por sua vez, a Igreja Católica na Inglaterra e em todos os países de cultura anglo-saxões, desde o Canadá até a Austrália ou os Estados Unidos, onde o anglicanismo se define como “episcopalismo”, absorverá certamente a riqueza da nova linfa trazida por estas comunidades onde a pertença a Cristo tem sido objeto de uma intensa e apaixonada reflexão. Estes fiéis anglicanos que desejavam a união com a Igreja Católica encontrarão a oportunidade de trazer experiências destas tradições anglicanas que são preciosas para eles e conformes à fé católica. Enquanto que expressam de um modo diferente a fé professada em comunidade, estas tradições são um dom a compartilhar na Igreja universal. A união com a Igreja Católica não requer uniformidade que ignora as diversidades culturais, como demonstra a história do cristianismo, e a Igreja Católica tratará disto seguramente um benefício.
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Paolo Gulisano é um escritor e ensaísta e especialista no mundo britânico. Publicou diversos livros sobre Tolkien, Lewis, Chesterton e Belloc.

Fonte: Zenit.

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