quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Católicos e Ortodoxos



Numa surpreendente entrevista ao Corriere della Sera, anteontem, Dom Paolo Pezzi disse que a união com os ortodoxos poderia ser alcançada “dentro de poucos meses”, pois o “milagre da reunificação nunca esteve tão próximo”.
Dom Paolo Pezzi, 49 anos, é o arcebispo católico de Moscou. Sua diocese tem pouco mais de 1 milhão e meio de católicos, menos de 2.5% da população. A maioria dos 59 milhões de habitantes do território é nominalmente ortodoxa.
A entrevista revela o entusiasmo do jovem arcebispo com o estreitamento das relações entre a Igreja Católica e as Igrejas ortodoxas, em especial, com a Igreja Ortodoxa Russa. Desde a eleição de Bento XVI e do Patriarca Kyrill, os contatos e estima recíproca têm progredido significativamente. De todas as Igrejas ortodoxas, a Russa foi a que mais criou obstáculos a uma reaproximação com os católicos. É compreensível, portanto, o otimismo de Dom Pezzi.
Segundo o arcebispo “não existem mais obstáculos reais no caminho para a plena comunhão”, e acrescenta que as posições das Igrejas são as mesmas sobre as questões morais atuais, e que “inclusive a doutrina é substancialmente a mesma”.
Menos, Dom Pezzi, bem menos...
Infelizmente o cisma que se consumou em 1054 atravessou quase mil anos de história do cristianismo sem dar sinais de que chegaria ao fim. No século passado, depois da histórica visita de Paulo VI ao Fanar, sede do Patriarcado de Constantinopla, as relações se tornaram mais amistosas. No pontificado de João Paulo II multiplicaram-se as iniciativas de reaproximação com os ortodoxos e, sob Bento XVI ela têm se tornado mais intensas, mas não se apagam tão simplesmente dez séculos de distanciamento com boa-vontade ou se dependesse tudo, para usar as palavras do arcebispo, “de um desejo real pela comunhão”.
As Igrejas ortodoxas mantiveram a substância da fé católica. Seus bispos e sacerdotes administram sacramentos válidos, conservam com zelo sua bimilenar liturgia, superam os católicos nas demonstrações de devoção à Mãe de Deus e se mantêm distantes das heresias protestantes que assolam o ocidente desde o século XVI. Mas não podemos reduzir os problemas, nem mesmo os teológicos, a três dogmas – Imaculada Conceição, Assunção da Santíssima Virgem Maria e Infalibilidade do Papa – como fez Dom Pezzi.
Os problemas políticos têm um papel destacado na vida destas Igrejas. Os interesses nacionais não raro se sobrepõem ao sentir universal, como se pode perceber nas polêmicas envolvendo as várias jurisdições ortodoxas na Ucrânia. Triste exemplo de divisão no interior da própria ortodoxia em virtude de nacionalismos, tanto russo quanto ucraniano.
Não se pode falar em uma Igreja ortodoxa como se fala de uma Igreja Católica. As Igrejas ortodoxas são, em geral, meras igrejas nacionais. Por isso, o diálogo com os ortodoxos será sempre bilateral, mesmo quando ocorre em reuniões multilaterais. Não há entre os ortodoxos uma autoridade superior a do chefe de cada Igreja autocéfala.
Ao Patriarca de Constantinopla, que pretende falar em nome de todos, não é reconhecido este papel pelos demais. Tem-se a impressão que só Roma dá algum sentido prático a seu título pomposo de Patriarca Ecumênico; os outros não lhe atribuem qualquer autoridade além das fronteiras de seu território canônico – e estão cobertos de razão. Ele é tão ecumênico – universal – quanto o açaí amazônico.
A questão crucial é, todavia, o sentido teológico do Magistério da Igreja e seu lugar na interpretação autêntica do depositum fidei, Escrituras e Tradição. Daí decorrem os problemas relativos aos dogmas e ao exercício da jurisdição universal do Bispo de Roma.
Só mesmo um “milagre da reunificação” traria de volta ao redil universal os ortodoxos dispersos. E não me consta que um bispo, mesmo um excelente bispo como Dom Pezzi, receba avisos divinos sobre a iminência de uma intervenção desta natureza.
O realismo, entretanto, não seja desculpa para abandonar a obra de reintegração dos ortodoxos. É possível que não venham todos ao mesmo tempo, mas ao longo dos séculos alguns voltaram e, estejamos certos, outros voltarão à comunhão com a Igreja Universal.

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