segunda-feira, 21 de março de 2011

Gana: A Igreja diante do animismo e da corrupção

A Igreja em Gana enfrenta dois sérios problemas: o animismo das religiões tradicionais e a luta contra a corrupção. Mas o bispo de Jasikan conta que a Igreja local tem duas qualidades a oferecer: a resistência e a alegria.

"Nós rimos, dançamos, cantamos", diz Dom Gabriel Akwasi Abiabo Mante, 63, nascido no país africano. "Não é para negar a existência dos momentos difíceis. É que, quando cantamos, dançamos e rimos, sempre pensamos nas soluções para os nossos problemas". Nesta entrevista, ele conta como vive a Igreja nesse país de 25 milhões de habitantes, dos quais 15% são católicos.

--Os missionários dizem que a África tem que ser evangelizada pelos africanos. Gana progrediu neste aspecto?

--Dom Mante: Eu acho que a Igreja em Gana avançou muito. A hierarquia ganesa, os bispos, são na maioria de Gana mesmo, e a maioria dos padres também: 80% ou mais são de Gana. Mas isso não quer dizer que não precisamos de missionários em Gana. Precisamos ainda, sim. Eu inclusive os convido a vir, porque a minha diocese é jovem.

--Os missionários influenciaram a sua vocação?

--Dom Mante: Influenciaram. Muitos missionários nos inspiraram pela forma de trabalhar. Eles eram entusiastas, centrados e muito decididos, e abertos à nossa gente. Quando visitavam uma aldeia típica, eles visitavam as pessoas de casa em casa. O trabalho era inspirador e sacrificado. Se você pensa, comparando até com a situação de hoje, eles abandonaram os lares deles, tão distantes, para vir dormir nas nossas sacristias, nas nossas choças de teto de palha. Isso era muito inspirador. A maioria comia a nossa comida. Eles se identificavam conosco. A vida de oração deles se inspirava muito em nós. Eu me lembro que, antes da missa, o pároco rezava o breviário ou o terço em volta da igreja. Tudo isso inspirou alguns de nós e contribuiu na nossa decisão de ser padres, mesmo sendo crianças. Eu me envolvi na Igreja porque o meu irmão era catequista e, bem novinho, me ensinou a dirigir os serviços religiosos quando ele ou um padre não estivessem. Eu acho que isso também inspirou a minha vocação.

--Seus pais eram católicos?

--Dom Mante: A minha mãe foi a primeira a ser batizada, e depois o meu pai. Eu quase nem conheci o meu pai, ele morreu quando eu era pequeno. Então, a fé católica na família eu recebi da nossa mãe. Ela foi a primeira que se batizou, nos criou e nunca nos obrigou a ir à igreja, mas nos inspirava para ir. Agora nós estamos na quarta geração que conserva a fé que recebemos dela.

--Vamos falar das religiões tradicionais africanas. A Igreja Católica valoriza de que forma essas tradições?

--Dom Mante: Eu colocaria assim: eles têm alguns valores, por exemplo, o respeito pelos pais, o respeito pelos idosos, o respeito pela autoridade, o trabalho duro, a humildade, enfim, que eu diria que são uma espécie de temor de Deus. Sim, as religiões tradicionais têm e conservam esses valores, mas a grande diferença é que eles são inspirados mais pelo medo de ser castigados pelos espíritos do que pelo amor a Deus, que inspira esses valores na Igreja Católica e nas Igrejas cristãs. Esta é a grande diferença.

--A Igreja Católica incorporou tradições dessas?

--Dom Mante: Incorporou. A mais importante, que não é só da cultura de Gana, mas de todo o continente, é a maneira de dar culto a Deus. Nós somos muito expressivos no nosso culto e na expressão de nós mesmos. Fazemos muitos gestos, cantamos, dançamos, mas também tem momentos em que observamos o silêncio. Essa é uma das grandes coisas que foram incorporadas. A outra é o uso da língua local. Tem gente que fala: agora podemos aproveitar a liturgia, porque cantamos e rezamos na nossa própria língua.

--Qual é a posição das mulheres na sociedade? Elas têm acesso à educação?

--Dom Mante: A situação mudou completamente nos últimos 30 anos. Agora tem mais meninas na escola. As mulheres conseguiram espaço nos níveis mais altos da nação. Muitos estudantes nas universidades e nas instituições de ensino superior são mulheres. De certa forma, Gana está ganhando a corrida para elevar a imagem das mulheres. No vértice dos juízes tem uma mulher, a porta-voz do parlamento é uma mulher, também é mulher a presidente da Comissão de Direitos Humanos e a fiscal-chefe. Temos um novo governo desde 2009 e o presidente nomeou umas 10 mulheres como ministras. Mas, apesar disso, a situação das mulheres na zona rural é difícil.

--Em que sentido?

--Dom Mante: A carga mais pesada em casa é delas. Elas são as primeiras que levantam, normalmente às 4h da manhã, e as últimas que se deitam, às 9 da noite. Elas cozinham, com a ajuda dos filhos; lavam a roupa, e outras tarefas do lar. A produção dos alimentos da casa fica inteiramente na mão das mulheres. Os homens se encarregam de cultivos comerciais, como o coco, e outros, mas nada ligado à produção de alimentos; as mulheres é que são as responsáveis disso.

--O que essas mulheres lhe falam sobre estas situações quando o encontram?

--Dom Mante: Às vezes, quando tem algum mal-entendido em casa e não é eficaz encará-lo dentro da família, elas recorrem a mim. Algumas se queixam de problemas conjugais; o homem não ajuda com a parte dele nas responsabilidades. São alguns dos problemas que eu encontro e nós tentamos reduzi-los. Temos programas para as associações de mulheres católicas. Damos capacitação para elas lidarem com essas situações. Chamamos de Projetos de Mulheres e Desenvolvimento, e as mulheres podem ir, ou nós as convidamos, para educá-las não só para a vida diária, mas também para trabalhos produtivos.

--O senhor falou contra a corrupção. Continua frequente?

--Dom Mante: Não creio que houve mudanças desde que publicamos nossa principal declaração sobre a corrupção, em 1998. Está muito estendida do cume à base. A corrupção continua sendo um problema grave na sociedade de Gana. Tem tomado formas diferentes quanto aos métodos e se faz mais profunda.

--Que a Igreja católica pode fazer?

--Dom Mante: Há 10 anos, elaboramos uma oração na Igreja católica contra o suborno e a corrupção no país, a qual animamos a rezá-la na Igreja. Sinto dizer que não demos seguimento a isso e hoje só se recita em alguns lugares. À parte disso, não creio que nós, como Igreja, tenhamos tomado medidas concretas e definidas contra a corrupção. Falamos sobre ela. Nós a condenamos, mas, em termo de ações concretas, creio que a Igreja fez muito pouco, ou nada. Assumo a responsabilidade da declaração e estou disposto a apoiá-la.

--Como a Igreja universal pode contribuir com a Igreja em Gana?

--Dom Mante: Deixe-me dizer que nós contribuímos para a Igreja universal com nosso sentido do sofrimento. Não é que nos perseguiram no passado, mas Gana, em seu conjunto, passou por momentos muito difíceis e, em todos eles, a Igreja se colocou sempre ao lado do povo de Gana. Creio que é uma das contribuições para a Igreja e, além disso, pode ser também a alegria. Na costa ocidental da África, Gana é um dos poucos países que não sofreu graves distúrbios civis até o ponto de chegar a uma divisão de uns contra os outros e à luta, como ocorreu na porta ao lado, na Libéria e Serra Leoa, etc. Tivemos situações similares às da Libéria e Serra Leoa que teria podido degenerar em um enfrentamento civil, mas creio que o povo de Gana, como sempre digo, sabe lutar com seus lábios mais que com instrumentos de guerra. Por isso, penso em nosso senso de mansidão frente a situações graves, reais, provocadores e conflitivas, mas ao mesmo tempo, em meios a tudo isso, somos capazes de sorrir, dançar, cantar; não negamos a existência das situações más, mas enquanto catamos, dançamos e sorrimos, sempre pensamos nas soluções para nossos problemas.

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Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Onde Deus chora", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.

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