segunda-feira, 28 de março de 2011

Conversão entre os antigos caçadores de cabeças na Índia

Quando George Palliparampil, hoje bispo de Miao, começou seu ministério no nordeste da Índia, seu trabalho missionário era ilegal e ele foi obrigado a passar por interrogatórios na polícia.

Apesar dos obstáculos atuais, o lar missionário de Dom Palliparampil é o lugar onde a Igreja católica mais cresceu nos últimos 30 anos, com mais de 10 mil batismos de adultos por ano, apesar da proibição das conversões.

Hoje, cerca de 40% dos aproximadamente 900 mil habitantes de Arunachal Pradesh são católicos e seu número cresce com rapidez. Nesta entrevista, o bispo Palliparampil, de 56 anos, revela os desafios da evangelização entre as populações tribais indianas.

- Excelência, falamos do nordeste da Índia, uma região muito montanhosa, com tribos que há 60 anos eram caçadoras de cabeças com uma cultura pagã. Quantas tribos vivem hoje nessa área?

Dom Palliparampil: Há 26 grandes tribos, que podem se dividir, se não me engano, em mais de 120 subtribos, e cada uma delas tem seu próprio dialeto e cultura. Gostaria de esclarecer a palavra ‘pagão', dizendo que se trata de gente que não tem uma religião organizada. Adoram os poderes da natureza. A palavra ‘animismo' os descreveria muito bem. Tudo tem a ver com os espíritos, tanto bons como maus. Se ocorre algo bom, é porque há um espírito bom. Se acontece algo mau, é que há um espírito mau. Tem-se de fazer um sacrifício propiciatório para apaziguar este espírito mau.

- Existe o conceito de um Deus?

Dom Palliparampil: Sim. Por exemplo, o povo Tani crê em um ancestral comum. Estudei sua cultura e é muito similar ao que lemos no livro do Gênesis. Crêem em um só Deus. O sol e a lua são os dois olhos de Deus, através dos quais Deus nos vê. O Abotani - o primeiro pai - teve só dois filhos, como Cain e Abel, e assim continua o relato.

- Quando o cristianismo chegou havia uma abertura para ele?

Dom Palliparampil: Havia e há. De fato, eles consideram que estão encontrando o cumprimento de algo que eles possuíam de modo parcial. Os grupos Tani se dão conta que de são parte de uma religião mundial. Os Tangsa descobrem um cumprimento de seus relatos. Temos a famosa cruz Mishmi. Há alguns grupos de Mishmis que se tatuam uma cruz nos corpos, mas ninguém sabe algo sobre a origem desta tatuagem.

- A aceitação do cristianismo nesta região está carregada de desafios. Há obstáculos impostos não só pela cultura pagã, mas também pelas restrições colocadas pelo governo indiano, que, até há pouco tempo, não permitia aos cristãos o exercício de seu ministério nesta região de Arunachal Pradesh. Quando foi a primeira vez que foi a Arunachal Pradesh?

Dom Palliparampil: Minha primeira visita foi a uma aldeia chamada Pappu nala, onde 400 pessoas se reuniram para celebrar o Natal. Quando chegamos ao lugar, encontramos a aldeia cercada pela polícia, e tivemos de ir embora. No caminho, fui detido. Fiquei preso até a madrugada. Interrogaram-nos, mas, em vez disso me assustar, deu-me determinação para fazer algo ali, onde encontramos pessoas famintas de fé, de ter culto - tudo o que não podiam ter.

- Os políticos não queriam que os cristãos entrassem, não queriam que os cristãos evangelizassem, e os prenderiam e deportariam. Qual foi a reação das pessoas?

Dom Palliparampil: Querem alguém que as ame - esta é minha experiência. Encontrei uma aceitação de 100% e para que veja que estou certo, no momento em que as pessoas da aldeia de Pappu nala souberam que tínhamos sido detidos, 300 foram à delegacia, com facas, espadas e tochas, e a cercaram. Não iam se mover até que nos soltassem. Às 23h30, o oficial de polícia nos pediu: "por favor, peçam às pessoas que vão embora. Vocês ficarão aqui esta noite e depois os levaremos para casa". Eu insisti: "não, não pediremos". E o chefe da aldeia disse: "não vamos sair daqui".

Finalmente, às 0h30, conseguiram um caminhão do exército para nos levar a Assam, mas as pessoas insistiam: "não vamos sair daqui porque não confiamos no governo". Todos que puderam subiram no caminhão e nos escoltaram de volta à missão. Só depois disso se foram. Esta é a reação das pessoas. Tenho estado ali todos os anos, primeiro de passagem e depois, desde 1992, permanecendo ali, e diria que sou um deles.

- De fato, agora o governo pensa cada vez mais na Igreja como protetora da cultura local. Como tentam proteger a cultura local e como conseguem, frente à globalização e à secularização?

Dom Palliparampil: Exatamente. É a primeira coisa que temos de ter em mente: a compreensão errônea que muitos têm da cultura. Alguns pensam que a cultura é algo muito estático - uma forma tradicional de vestir e viver, em locais rústicos. Isso separadamente não é cultura. A cultura é o que um homem faz; é o que lhe dá sua identidade, sua forma de pensar, seu sistema de valores. Ao se converter em cristão ou viver uma vida cristã em uma sociedade moderna globalizada, um membro de uma tribo não deixa por isso de pertencer menos a sua tribo.

- Em sua diocese há 70.000 católicos e seu número cresce com rapidez. Qual tem sido o melhor instrumento de evangelização, que animou o crescimento da fé em Arunachal Pradesh?

Dom Palliparampil: Creio que o maior êxito, se se pode chamar assim, é que as pessoas sentiram que encontravam na Igreja algo que ia com elas. Não é algo que vem e que lhes dá alguns planos e projetos e lhes diz: "façam isso e crescerão" ou "temos somas disponíveis para que possam fazer o que quiserem com elas" ou "rezem e assim serão salvos". Não. O que as pessoas têm visto é alguém que se implica em cada aspecto de suas vidas, e elas aceitam isso.

Posso citar o oficial de polícia que nos deteve em 1980. Ele dizia claramente: "não há aldeia onde não tenham chegado os missionários cristãos. Dormiram nas casas tribais. Comeram com os membros das tribos. E eles podem entrar em suas casas em qualquer momento. Eles vão às suas escolas por toda a Índia. Acolhem os enfermos, para lhes dar tratamento - não só nos hospitais do nordeste, mas até Chennai, Apollo e Velur, e não para convertê-los, mas por razões meramente humanitárias. Quando esta gente (os missionários cristãos) chega, tenho de aceitar que os membros das tribos queiram formar parte do cristianismo". E isso é o que está ocorrendo de verdade. Não é uma conversão imposta, como alguns tentam dizer. Eles simplesmente aceitam.

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Esta entrevista foi realizada por Marie-Pauline Meyer para ‘Deus chora na terra', um programa rádio-televisivo semanal produzido por ‘Catholic Radio and Television Network' (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.

Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.

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