segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A explosão do cristianismo na África

Frequentemente, a África foi chamada de "o continente esquecido". No entanto, com as visitas do Papa João Paulo II e Bento XVI, os fiéis sabem mais sobre a África como o lar de uma das populações católicas de mais rápido crescimento no mundo.

Para a Sociedade das Missões Africanas, a África é tudo menos um continente esquecido. Esta instituição religiosa tem trabalhado no continente por mais de 150 anos.

Para conhecer estes missionários e seu trabalho na África, entrevistamos Dom Kieran O'Reilly, consagrado bispo de Killaloe, Irlanda, em agosto passado. Antes desta nomeação, ele ocupou por quase dez anos o cargo de superior geral da Sociedade das Missões Africanas.

A África tem experimentado uma explosão de fiéis católicos: de 1,2 milhão em 1900, a mais de 140 milhões hoje. A que o senhor atribui essa explosão de fé em África?

Dom O'Reilly: Muitos dos meus amigos bispos na África diriam que é "especialmente uma bênção de Deus e uma grande graça" - ver os números do batismo, tanto de adultos como de crianças, ver o número de pessoas que procuram outros sacramentos.

Mas eu acho que a realidade da África é que, desde a sua independência, há 40 ou 50 anos, temos visto um enorme crescimento da urbanização na África. Com o crescimento das cidades, muitas pessoas se mudaram das áreas rurais para estar nas cidades, que são em grande parte estranhas, até que possam integrar as comunidades que estão nelas. Muitas vezes, essas comunidades estão associadas às igrejas, pelo que há, como tem acontecido, pessoas que, quando se deslocam das áreas rurais, acabam de imediato no tecido da vida da Igreja nas áreas urbanas.

E provavelmente procuravam isso por ser uma realidade conhecida nesse ambiente estranho?

Dom O'Reilly: Sim, mas na África há também um forte sentimento de unidade entre as aldeias e as pessoas que são de aldeias já estabelecidas nas cidades: assim, elas se unem imediatamente. Você pode se mover geograficamente, mas vai estar ligado à sua região e às suas próprias raízes.

A obra missionária mudou devido à urbanização?

Dom O'Reilly: Se falo por nós, por nosso instituto missionário - já que uma das nossas principais tarefas é a evangelização -, mudou. Está em constante evolução, dado o número crescente de pessoas atualmente. E quando se trata da questão dos números, é preciso encaixá-los bem dentro no crescimento da população africana, porque, especialmente na África Subsaariana, a população cresceu enormemente nos últimos 30 anos e continuará crescendo: boa saúde, água potável, há muitos fatores que contribuíram para isso. A realidade do crescimento da Igreja está intimamente ligada ao crescimento da África.

De fato, diz-se que 90% da população está abaixo dos 24 anos. Isso também é um desafio para a Igreja. Como se pretende atender os jovens agora?

Dom O'Reilly: É um enorme desafio. Uma das coisas que me impressionou ao viajar às grandes cidades, como Kinshasa, Lagos, Abidjan, qualquer uma das cidades da África, foi o enorme número de jovens - especialmente da população do Ensino Médio - e, consequentemente, o número de pessoas preparadas para a universidade, mas que estão sem trabalho. É um movimento enorme a cada dia. Basta ir a Lagos para ver o número de pessoas e também o desafio do governo na hora de fornecer serviços básicos para uma população que está crescendo tão rapidamente.

A infraestrutura necessária é grande; então para nós, como igreja, considerando isso, uma das principais coisas que tivemos de fazer foi estabelecer escolas. Construímos a igreja e a seguinte coisa que você tem em uma escola na porta ao lado - ou, como costumava acontecer nas primeiras missões - a igreja era a escola. Mas agora, com o número de crianças que querem ir às escolas, a igreja já não é capaz de fazer tudo sozinha e o Estado tem poucos recursos. Precisamos contribuir de uma maneira especial, porque a educação é a esperança.

Qual é a resposta?

Dom O'Reilly: A resposta é não perder a esperança. A resposta é comprometer-se. A resposta é continuar trabalhando com a igreja local, com os grupos locais, solicitar a assistência oportuna de Ajuda à Igreja que Sofre e de organizações similares, pessoas generosas do exterior. As pessoas podem dizer: "Ó, estamos cansados de dar". Não, você nunca se cansa de dar, é para as crianças, é para o seu futuro, é para a esperança. Você nunca pode se cansar com isso. O desafio é enorme porque a população continua crescendo.

Dizem que, em 2050, três países africanos estarão entre os 10 países com o maior número de católicos do mundo: Uganda, Congo e Nigéria. Está na África o futuro do catolicismo?

Dom O'Reilly: É uma pergunta difícil. Eu diria, como resposta, que grande parte do futuro do catolicismo está na África, mas nem tudo nela e, como resultado, acho que deve haver mais consciência da realidade africana na nossa Igreja. Não está muito longe da cidade de Roma. Basta atravessar o Mediterrâneo, mas às vezes pode parecer muito distante. Assim, será a realidade demográfica - isto é, será desta forma. Então, acho que em todos os níveis, dentro da Igreja, deve haver uma consciência real disso e uma abordagem dinâmica desta realidade.

Qual é a força da fé africana?

Dom O'Reilly: Suponho que o poder da fé africana vem do próprio povo, da maneira como se relacionam com a existência de Deus, com a realidade de Jesus Cristo em suas vidas e com a forma como o cristianismo pode entrar no rico contexto de suas culturas de ajuda mútua. Há um grande sentido de poder compartilhar, enquanto em outras culturas podemos ser mais egocêntricos. O lugar onde se pode ver melhor isso é à mesa. Há sempre comida, não importa, sempre há arroz suficiente. Ninguém vai passar fome. Eles têm esse sentido, que é o coração da hospitalidade e do acolhimento cristãos. É inspirador quando você vai para diferentes lugares da África. Sempre se vê isso.

Qual é a fraqueza da fé católica na África?

Dom O'Reilly: Uma fraqueza, acho, é a incapacidade de resolver mais rapidamente algumas das realidades do ambiente.

Por exemplo?

Dom O'Reilly: Um dos grandes temas, que sempre apresentará desafios, é toda a questão da corrupção: corrupção na sociedade, que é realmente uma doença terrível e faz um tremendo estrago a tudo. Pessoas boas, bem capacitadas, não podem conseguir um emprego porque não pagar o suborno. Toda a infraestrutura de poder pode se concentrar em práticas e pagamentos corruptos. A Igreja tenta, mas é muito difícil, porque é algo que está enraizado em muitas culturas hoje, e devo dizer que isso se deve muitas vezes aos líderes e aos estrangeiros, que vieram para tirar proveito com qualquer propósito, talvez para extrair recursos. Para obter um trato melhor, não hesitam em pagar e, depois, se no interior do país não há nenhum controle ou prestação de contas, tudo desaba.

Aqui está outra questão. Nós temos falado sobre o crescimento do catolicismo, mas também vimos um forte crescimento do Islã. Um em cada três africanos se considera muçulmano. Que desafios esta realidade apresenta para a Igreja Católica na África?

Dom O'Reilly: O mais importante desafio que se apresenta é poder trabalhar com os nossos irmãos e irmãs. Vivem na porta ao lado. Nossa igreja está construída ao lado da mesquita. Trabalham nos mesmos campos. Andam nos mesmos ônibus. Portanto, uma das coisas mais importantes é o respeito mútuo, que deve ser desenvolvido e deve vir de uma compreensão da nossa parte - e da deles - dos valores que temos e, claro, quando isso acontece, você começa a descobrir que os nossos valores são comuns, que há uma busca comum do bem.

Há existe o risco - e tem estado presente na África, com estas duas grandes religiões mencionadas - de elementos extremistas dentro delas, que querem tirar proveito com finalidades específicas, sejam elas políticas, sociais ou econômicas, para tentar desestabilizar uma região, um governo ou um ministério. Mas eu acho que uma das coisas mais importantes que aconteceu nos últimos 30 anos foi a grande aproximação que houve e como trabalhamos uns com os outros em vários níveis do governo. Conheço a Nigéria, com os recentes confrontos em Bauchi: o líder da Igreja Católica e o imame imediatamente se reuniram para conversar sobre o que estava acontecendo e tentar resolver. Por isso, é verdade que houve um grande passo para uma melhor compreensão e respeito das posturas alheias, das suas formas e das nossas formas de viver e trabalhar juntos.

Até o Papa Bento XVI tem falado com força sobre a questão do diálogo com o Islã como uma solução para muitos conflitos que parecem estar aumentando.

Dom O'Reilly: Isso mesmo. Infelizmente, muitos deles são "manipulados" para benefício de alguns políticos ou algumas pessoas e, então, o bom trabalho realizado se desfaz muito rapidamente e é preciso voltar a construir. Tentamos construir uma sociedade justa e os valores do Islã, neste respeito, são os mesmos que os nossos, então trabalhamos juntos, com essa finalidade.

Tanto os cristãos e os muçulmanos apreenderam muitas crenças tradicionais africanas. Estamos falando aqui de sincretismo? Há também um renascimento de crenças tradicionais africanas. Como o senhor vê essa questão?

Dom O'Reilly: Há um renascimento. É possível que esteja ligado ao Brasil e aos vários cultos desenvolvidos lá. Também está ligado, acredito, à mídia. Existe um enorme mercado de representações e relatos em que a bruxaria é uma parte importante da história. Isso está atualmente muito generalizado na África. Eu já vi em toda parte. Portanto, é um grande desafio. Em muitos casos, pode vir de uma situação em que há muita pobreza e desemprego. Mesmo as melhores pessoas, devido aos seus filhos, procurarão em qualquer direção. Irão a qualquer lugar se o seu filho não estiver bem. Quem não faria isso?

Portanto, a resposta deve ser, novamente, a educação, uma compreensão adequada do que a Igreja Católica faz. Estamos conscientes de seus vários aspectos - uma preparação cuidadosa dos nossos próprios ministros, religiosos e leigos - para que esta situação não nos conduza novamente a uma época de medo ou a uma época em que essas forças acabavam com a vida das pessoas. Este não seria o caso. Há sempre um risco em sociedades dominadas pela pobreza, miséria e desemprego.

O documento de João Paulo II, "Ecclesia in África ", diz que chegou a hora da África. O senhor acha que é assim mesmo?

Dom O'Reilly: Sim, em alguns níveis. Quero dizer que dentro da Igreja é verdade que chegou, devido às estatísticas que você citou e ao fato de que essas estatísticas vão subir nos próximos 10, 20, 30 anos. A África, infelizmente, no âmbito econômico, é deixada de lado cada vez mais e está sendo usada cada vez mais somente por seus recursos, como vemos no caso das grandes potências que estão fazendo isso. Mas, quanto à Igreja, eu diria que o momento chegou, e acho que João Paulo II percebeu que, no futuro, será um continente central, talvez não seja o dominante, mas será central na vida da Igreja e em sua missão.

Como isso vai mudar a Igreja universal?

Dom O'Reilly: Para melhor, porque suponho que a riqueza de todas as nossas igrejas, sejam elas quais forem, é a riqueza de alguém como Paulo, que tem raízes quase greco-judaicas, leva-as para Roma e introduz o Evangelho. Então, podemos, sim, inculturar o Evangelho integralmente na África; a África devolverá uma riqueza para a Igreja universal, que não podemos sequer imaginar. E se podemos ver o rosto de Cristo do jeito que se manifesta em suas culturas, teremos a riqueza que o Espírito quer que tenhamos.

O que a África lhe deu?

Dom O'Reilly: Deu-me o sentido de que o espírito está sempre presente em suas comunidades. As comunidades que eu encontrei são as mais inspiradoras e humildes. É possível para as pessoas sirvam umas às outros como elas fazem, independentemente do custo. Elas se entregarão generosamente ao serviço da igreja. São incríveis. Amam a Igreja.

* * *

Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Deus chora na terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network, (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.

Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.

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