terça-feira, 3 de maio de 2011

A santidade de João Paulo II nasce em Auschwitz

“Auschwitz foi a escola de santidade de João Paulo II: eu tenho a certeza de que Wojtyla entendeu neste lugar a verdade sobre o homem, porque as perguntas que todos se fazem aqui são as fundamentais sobre o sentido da vida”.

Quem fala é o padre Manfred Deselaers, responsável pelo programa do Centro de Diálogo e de Oração de Oświęcim, nome original da cidade polonesa que o mundo veio a conhecer pelo nome alemão de Auschwitz. O centro foi criado em 1992, próximo ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, por vontade do cardeal Franciszek Macharski, em concordância com os bispos de toda a Europa e com os representantes das instituições judaicas. Nos últimos sete anos de funcionamento, mais de 34.000 pessoas o visitaram, muitas para participar em seminários e exercícios espirituais, principalmente alemães, noruegueses e norte-americanos.

O local se chama “Centro de Diálogo e de Oração” apesar da impressão de que num lugar assim não possam surgir nem oração nem diálogo, observa o folheto informativo. “Quem visita o centro”, afirma Deselaers, “deve vir com a intenção de escutar. Na visita ao campo de concentração, no encontro com os ex-prisioneiros, no estudo dos documentos”.

Mas não se trata só de visitar um museu e de olhar as vitrines com a impressionante quantidade de óculos, malas e até cabelos dos prisioneiros. “Na Polônia”, explica ele, “existe a profunda convicção de que o sangue dos mortos fala: é necessário escutar as vozes da terra de Auschwitz e ter tempo para refletir sobre a pergunta: o que significa tudo isso para mim?”. E a resposta é diferente para “poloneses ou italianos, judeus ou católicos, ou para um padre alemão como eu”. “O respeito recíproco pelas diferentes sensibilidades”, prossegue Deselaers, “é a primeira resposta ao campo de concentração onde reinava uma absoluta negação do outro”.

Auschwitz. Escolas inteiras atravessam o pórtico de entrada, passam debaixo do letreiro gravado de forma indelével na memória coletiva pelos filmes e pelos memoriais (“Arbeit macht frei”: o trabalho liberta) e percorrem as avenidas do campo, que acompanham as fileiras de edifícios de tijolos vermelhos. Muitos têm os olhos também vermelhos, à lembrança de pelo menos um milhão e meio de homens, mulheres e crianças que ali perderam a vida no ápice da crueldade.

Birkenau evidencia a sistemática da vontade do extermínio, traduzida em filas ordenadas de barracas, uma extensão dupla de cercas de arame farpado que separavam as covas abertas pelos próprios prisioneiros. Só os blocos de cimento dos fornos crematórios, que os nazistas explodiram antes de abandonar o campo, numa tentativa de esconder seus próprios crimes, se mostram destruídos, derrubados uns sobre os outros como um castelo de cartas.

Tudo sugere o horror, e custa à mente aceitar que tenha sido possível conceber tamanho horror. Como é que pessoas puderam fazer isso com os seus semelhantes? “Muitos perguntam”, conta Deselaers, “onde estava Deus”. É a mesma pergunta que se fazia o prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel quando afirmou: “Antes que Deus me pergunte 'onde tu estavas?', eu é que pergunto a ele 'onde é que estavas tu enquanto assassinavam o meu irmão, a minha irmã, a minha nação?'”.

“Não há respostas fáceis”, afirma Deselaers, “só oração e silêncio: na teologia posterior a Auschwitz, afirma-se que não pode haver oração autêntica que prescinda deste lugar”.

De acordo com o responsável pelo Centro de Diálogo e de Oração, que estudou todos os documentos de João Paulo II relacionados com esse tema, “o papa Wojtyla tem um papel essencial neste sentido”. Wojtyla, como bispo de Cracóvia, também era bispo de Auschwitz, e “pode-se dizer que ele concebia o seu sacerdócio como resposta a tudo o que aconteceu durante a II Guerra Mundial, os imensos sofrimentos que os outros viveram no lugar dele”.

“É justamente durante a guerra que Wojtyla decide ser padre e entra no seminário clandestino, mantido pelo cardeal Adam Sapieha”. “Para ele”, acrescenta Deselaers, “que na infância teve amigos judeus, Auschwitz não foi uma tragédia abstrata, mas uma parte da sua vida”. Deselaers afirma que o firme compromisso de João Paulo II com a dignidade e os direitos do homem, a promoção do diálogo entre os cristãos e os judeus, o encontro em Assis com os responsáveis pelas religiões para todas cooperarem na civilização do amor, as raízes das suas tensões pela unidade do gênero humano, tudo, tudo isso, nasce da experiência de Auschwitz.

“Em 1965, como jovem bispo”, conta Deselaers, “Wojtyla veio até Oświęcim para a festa de Todos os Santos. Na homilia, ele disse que era possível olhar para este lugar com os olhos da fé”. Se por um lado Auschwitz é o lugar “que nos mostra até que ponto o homem pode ser ou se tornar mau”, disse ele, por outro “não podemos ficar esmagados embaixo dessa terrível impressão: temos que olhar para os sinais da fé, como fez Maximiliano Kolbe”.

Seu exemplo “nos mostra como Auschwitz evidencia também toda a grandeza do homem, tudo o que o homem 'pode' ser, vencendo a morte em nome do amor, como Cristo”. E quando ele veio até Auschwitz pela primeira vez como papa, “afirmou que a vitória sobre o ódio em nome do amor não pertence só aos crentes, e que toda a vitória da humanidade sobre um sistema anti-humano deve ser um símbolo para nós”.

Talvez seja também por isso que Edith Stein, ou Santa Teresa Benedita da Cruz, que une a confissão da fé cristã com a tragédia da shoah, foi transformada em padroeira da Europa: “Wojtyla quis dizer que se a Europa procura a sua identidade na era moderna, ela não pode se esquecer de Auschwitz”. Auschwitz foi a escola que firmou a santidade de João Paulo II, que foi imediatamente percebida pelas pessoas: “Porque aqui”, conclui Deselaers, “Wojtyla entendeu totalmente o que a 'fé' significa para o homem de hoje. O mundo inteiro o entendia, porque ele entendia todos eles”.


Fonte: Zenit.

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