segunda-feira, 6 de julho de 2009

Novas formas de escravidão



As atenções se voltam às vítimas do tráfico sexual

Por pe. John Flynn, LC

O Vaticano e diferentes organizações religiosas têm trabalhado ativamente há muito tempo no combate ao tráfico de pessoas. Uma mensagem de apoio recente enviada por Bento XVI em uma reunião sobre o tema, realizada em Roma em junho, reiterou que esta é uma prioridade da Igreja.
O pontífice disse que é importante conduzir a "uma consciência renovada do valor inestimável da vida e a um empenho cada vez mais corajoso na defesa dos direitos humanos e à superação de todo o tipo de abuso”.
A questão também está sendo debatida na Inglaterra. Em junho, o Instituto Cristão advertiu sobre alterações significativas à legislação em matéria de prostituição na Inglaterra e no País de Gales. As mudanças são especialmente realizadas para lidar com o problema do tráfico sexual.
As propostas, que ainda vão ser votadas pelo Parlamento, contemplam que a compra de serviços sexuais seria como cometer um delito, se o sexo for comprado de uma prostituta que foi submetida à força, fraude ou ameaça.
O conceito de força poderia incluir a coerção por meios psicológicos, implicando alguém que explora determinada vulnerabilidade. O Instituto Cristão disse que se trataria de um delito de responsabilidade, o que significa que o cliente poderia ser culpado, independentemente de saber se a prostituta fora submetida a força ou não.
O Instituto afirma que é impossível saber exatamente quantas são as prostitutas que trabalham no Reino Unido. No entanto, muitos apontam o número de 80 mil. Entre as estimativas, uma de 2008 assinala que cerca de 18 mil mulheres, incluindo meninas de até 14 anos, foram traficadas para bordéis do Reino Unido.
Problema mundial
Em 16 de junho, o Departamento de Estado dos Estados Unidos publicou seu relatório anual "Trafficking in Persons Report" para 2009. O relatório concluiu que o tráfico sexual inclui uma parcela significativa do total de tráfico de seres humanos.
Há uma variedade de maneiras pelas quais as mulheres são obrigadas a participar do comércio sexual, o relatório observou. Pode acontecer através de coação, engano, dívida ou servidão. Muitas vezes, as mulheres e meninas são obrigadas a continuar na prostituição através da pressão por uma suposta "dívida", contraída através do seu transporte para um país ocidental.
O relatório citou dados do UNICEF que apontam que dois milhões de crianças são submetidas à prostituição no comércio sexual mundial.
O Departamento de Estado observou que o tráfico sexual tem consequências devastadoras para as menores, incluindo doenças de longa duração, tanto físicas quanto psicológicas. Infecções por doenças sexuais, dependência de drogas e a exclusão social também são comuns.
Crime hediondo
Um livro recente, publicado no início deste ano, analisou a questão do tráfico de seres humanos a partir de um ponto de vista econômico. O livro é "Tráfico sexual: Dentro do negócio da escravatura moderna" (Columbia University Press), de Siddharth Kara. O autor foi um investidor bancário antes de colocar de lado sua carreira empresarial para se envolver nos esforços para abolir a escravidão humana.
Embora desapaixonado em sua análise econômica no comércio de pessoas, Kara é claro em seu julgamento ético sobre o tema: "tráfico sexual é um crime hediondo contra a humanidade", declara no início de seu livro.
Kara descreve como a aquisição de escravas sexuais se dá através de uma variedade de maneiras. Algumas são enganadas por falsas promessas, outras são vendidas por seus pais. A sedução é outro método, e algumas delas são recrutadas por antigas escravas.
Em alguns países, casamentos falsos oferecem uma maneira comum para atrair jovens mulheres que procuram uma forma de obter os direitos legais e aceitação social. Os traficantes também tiram vantagem das multidões que se encontram confinadas em campos de refugiados, onde qualquer oferta de fuga parece uma alternativa atraente.
Kara apresenta testemunhos, muitas vezes gráficos, que mostram como o processo de conversão de mulheres em escravas sexuais envolve métodos como estupros, tortura, humilhações e uso de drogas. A intenção é fazer com que as mulheres sejam completamente submissas e, portanto, atraentes para os potenciais compradores.
A indústria do tráfico sexual, conclui Kara, envolve a violação sistemática, a tortura, a escravidão e o assassinato de milhões de mulheres e crianças, quer seja através de homicídio, doenças sexualmente transmissíveis ou drogas.
Análise econômica
Kara calcula que o número anual total de pessoas traficadas para exploração sexual comercial é entre 500 mil e 600 mil. Os números exatos, ele admite, são difíceis de estabelecer. O Departamento de Estado dos Estados Unidos estima que o número total de pessoas traficadas internacionalmente é entre 600 mil e 800 mil. Este número não inclui os milhões de pessoas que são traficadas internamente.
Em relação aos lucros obtidos com todas as formas de escravidão humana, não apenas sexual, Kara assinala o valor apontado pelo Departamento de Estado dos EUA, de 9,5 bilhões de dólares por ano. A Organização Internacional do Trabalho estima que seja em torno de 31,7 bilhões.
Kara analisa estatísticas e calcula que em 2007 a venda no tráfico de escravas sexuais para proprietários de bordéis e cafetões gerou receitas de cerca de 1 bilhão de dólares, o que representa cerca de 1.895 dólares por escravo. Descontados os custos, essas vendas geraram aproximadamente 600 milhões de dólares em lucros, ele calcula.
Em uma base global ele estima que, em 2007, a receita total gerada por todas as formas de tráfico de seres humanos atingiu nada menos que 152 bilhões de dólares, com lucros de 91 bilhões. A forma mais rentável de tráfico de seres humanos foi a relacionada com a indústria do sexo. Enquanto esse setor representava apenas 4,2% do consumo mundial de escravos, gerou 39% dos lucros.
Os lucros de tal atividade têm atraído grupos criminosos desde o nível local até organizações internacionais, ele explicou. As máfias internacionais que operam na África, Ásia e na Europa Oriental têm a cooperação de organizações criminosas nacionais para a exploração das vítimas.
Como podemos explicar tal comércio de vidas humanas, Kara pergunta. Do lado da oferta, podemos olhar para fatores que vão desde a pobreza, anarquia, conflitos militares e problemas econômicos. A transição pós-1989 e a integração global também desempenharam um papel na facilitação do comércio de seres humanas.
Do lado da demanda, Kara salientou que a maioria dos homens não tolera a vulgaridade associada com o comércio sexual. Mas a redução dos preços de sexo comercial, devido a uma maior oferta, aumentou a procura: "a escravidão sexual é atingir o máximo lucro da prostituição", argumentou.
Vizinhos
A “Gaudium et Spes”, do Concílio Vaticano II, menciona o problema do tráfico de seres humanos. O Concílio lembra nossa obrigação de ser próximos de cada pessoa e pedir a todos ajuda para aqueles que são abandonados ou sofredores.
Abusos, como os da escravidão humana e da prostituição, foram descritos como uma violação da dignidade humana. Tratar os seres humanos como "como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis” é uma infâmia, e isso envenena a sociedade humana (n º 27).
Mais recentemente, o arcebispo Agostino Marchetto, secretário do Conselho Pontifício de Pastoral para os Migrantes e Itinerantes, falou durante um fórum realizado em Viena, em fevereiro de 2008, sobre o tema do tráfico de seres humanos.
Não existem soluções fáceis, ele admitiu. Lidar com estes abusos dos direitos humanos exige uma abordagem que não só leva em conta os melhores interesses da vítima, mas também a punição justa para aqueles que dela se beneficiam.
Ele também recomendou a introdução de medidas preventivas, tais como a sensibilização do público para o problema. Também é necessário lidar com as causas do fenômeno, incluindo os fatores econômicos envolvidos, concluiu. Não é um assunto fácil, de fato, mas as respostas corretas podem afetar positivamente milhões de vidas que estão em jogo.

Fonte: Zenit.

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