terça-feira, 7 de julho de 2009

De Bento XV a Bento XVI

Entrevista com Mariano Fazio, autor de um livro sobre os dois Papas

Por Miriam Diez i Bosch

Mariano Fazio (Buenos Aires, 1960), historiador e filósofo, acaba de publicar o livro “De Benedicto XV a Benedicto XVI”, editado na Espanha por Rialp (www.rialp.com).
Mariano Fazio, que atualmente vive na Argentina, destaca que Bento XV e Bento XVI são dois Papas que “governam a Igreja em momentos de crise” e explica nesta entrevista a Zenit as semelhanças entre ambos pontífices.
Fazio também se refere à “sã laicidade” que propunha Bento XVI.
Este sacerdote é professor de História das Doutrinas Políticas na Faculdade de Comunicação Social Institucional da Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma. Foi o primeiro decano desta faculdade e Reitor Magnífico desta Universidade.
– Entre Bento XV e Bento XVI há algo mais que um número de diferença. Quais são as semelhanças entre estes dois pontificados?
– Fazio: Os dois Papas governam a Igreja em momentos de crise. Bento XV deve pilotar a tormenta da Primeira Guerra Mundial: o otimismo do fim de século acabava (a chamada Belle Époque) e começava a crise da cultura da Modernidade.
É notável como Bento XV se esforça por centrar todo seu magistério na caridade cristã, e põe todos os meios para sanar as feridas do conflito bélico. Em geral, foi um Papa pouco compreendido, mas agora seu pontificado está se reabilitando.
Bento XVI também enfrenta um momento de mudança cultural (ainda que creio que continuamos na mesma crise cultural que se faz evidente com a Primeira Guerra Mundial) e da mesma forma que Bento XVI põe o primado na caridade. Não esquecemos que sua primeira encíclica é Deus caritas est.
E ante as feridas espirituais que provoca a ditadura do relativismo, Bento XVI propõe uma abertura à verdade, ampliando a confiança na razão humana.
– Como Bento XVI percebe o processo de secularização?
– Fazio: O Papa provém da cultura europeia, e em particular da Europa central, talvez a área mais secularizada do mundo.
Por isso, em seus escritos anteriores a sua eleição como sucessor de Pedro se centrou na análise de uma situação marcada pela ausência de Deus e a ruptura antropológica que leva consigo o fechamento ante a Transcendência.
Creio que atualmente o Papa tem uma visão mais diversificada do mundo de hoje, e em suas viagens fora da área europeia encontrou uma abertura à transcendência muito diferente à das sociedades europeias.
A segunda encíclica é sobre a esperança, e em todo o magistério beneditino esta virtude está presente, talvez não estava tão presente em seus escritos anteriores ao pontificado.
O Papa adverte que nos Estados Unidos, América Latina, África, etc, há sinais evidentes do influxo da secularização como negação de um horizonte transcendente, mas ao mesmo tempo impulsiona a positividade de tantos elementos presentes nessas áreas que manifestam a ação de Deus na história.
E está fazendo tudo que pode para devolver à cultura europeia as energias espirituais que a fizeram tão grande e fecunda nos séculos passados.
– Em que consiste a “sã laicidade” que o Papa defende?
– Fazio: Bento XVI, em plena continuidade com seus antecessores, se apresenta ante o mundo como arauto da verdade sobre o homem.
Sua defesa da dignidade da pessoa e a consequente defesa da vida desde a concepção até a morte natural, da identidade da instituição familiar baseada no matrimônio heterossexual (na realidade não existe outro tipo de matrimônio), o primado da solidariedade, a necessária salvaguarda da liberdade religiosa, etc... não se inscreve em um projeto de retorno ao estado confessional, mas apresenta esses valores como próprios da pessoa humana, sem distinção de raça, credo, nível cultural ou social.
E a essa visão tão rica da pessoa humana podemos chegar através da razão.
Certamente, a revelação lança uma luz muito profunda a respeito da verdade sobre o homem, mas não se trata de verdades confessionais.
A sã laicidade seria a atitude de abertura a estes valores antropológicos, que deveriam estruturar a vida social, que repito, não são valores exclusivamente cristãos.
Laicidade é o reconhecimento da distinção entre Igreja e Estado, religião e política, ordem natural e ordem sobrenatural, mas não consiste na independência de uma ordem moral natural e universal.
O oposto à laicidade é o laicismo, que nega toda presença pública da religião, e que proclama, como única atitude moral com carta de cidadania na sociedade democrática, o relativismo; e o clericalismo, que desconhece as distinções mencionadas.
Quando a Igreja defende a dignidade da pessoa humana, não está fazendo política partidarista, nem está promovendo uma cruzada religiosa: simplesmente está ajudando a recordar a todos os homens sua dignidade de pessoas humanas. E isso fortalece a sã laicidade.
– Deixamos a cristandade para trás e estamos em uma época de novo cristianismo?
– Fazio: Se por cristandade entendemos uma sociedade homogênea, regida por princípios cristãos, e com instituições públicas de caráter confessional, é evidente que a deixamos para trás.
Todas as épocas da história da humanidade têm luzes e sombras. Também a época da cristandade, onde a tentação próxima era o clericalismo. Na sociedade ocidental atual, a tentação próxima é o laicismo, tão mal como o clericalismo.
Em meu último livro o que procurei expor é a evolução do Magistério da Igreja, que, em plena continuidade com o Magistério anterior, mas iluminado pelo Espírito Santo e aproveitando a experiência das vicissitudes históricas pelas quais a Igreja atravessa, viu com mais clareza uma série de elementos que estão presentes no Evangelho, mas que o transcurso dos séculos fez que perdessem ênfase na presença pública dos cristãos na sociedade.
Hoje penso que entendemos melhor que nos séculos passados quais são as consequências de dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (sã laicidade, afastada do laicismo e do clericalismo); ou aquela frase do evangelho de São João, que era a preferida de João Paulo II: A verdade vos fará livres.
Uma Verdade, a cristã, que se identifica com a Beleza, a Bondade, que deve ser buscada livremente (liberdade religiosa) e uma vez encontrada, vivê-la em plenitude.

Fonte: Zenit.

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