Bento XVI entregou pela primeira vez, nesta quinta-feira, o Prêmio Ratzinger de teologia, na Sala Clementina do Palácio Apostólico.
O Papa destacou, durante o ato, “a grandeza do desafio intrínseco à natureza da teologia”, um desafio de que “o homem precisa, porque nos conduz a abrir nossa razão, interrogando-nos sobre a própria verdade, sobre o rosto de Deus”.
E convidou a – sem refugiar-se na história, na sociologia ou na psicologia – chegar ao ponto central: “É verdade aquilo em que acreditamos ou não? Na teologia está em jogo a questão da verdade; esta é seu fundamento último e essencial”.
O prêmio, instituído pela Fundação Joseph Ratzinger-Bento XVI, em sua primeira edição, foi entregue ao espanhol Olegario González de Cardedal, sacerdote e professor de Teologia Sistemática; ao italiano Manlio Simonetti, especialista em Literatura Cristã Antiga e Patrologia; e ao religioso cisterciense alemão Maximilian Heim, abade do mosteiro de Heiligenkreuz, na Áustria, e docente de Teologia Fundamental e Dogmática.
Para o cardeal Ruini, presidente do comitê científico desta fundação vaticana e membro do júri do prêmio, este reconhecimento é “uma contribuição para a promoção da consciência e do estudo da teologia em uma época na qual – como Sua Santidade sublinhou repetidamente – a prioridade que está sobre todas as demais é fazer Deus presente neste mundo e abrir aos homens o acesso a Deus”.
Neste ato da quinta-feira, o presidente da fundação, o teólogo Dom Giuseppe A. Scotti, dirigiu umas palavras de saudação ao Papa. Ele destacou que “Deus não é um perigo para a sociedade” e que “não deve estar ausente dos grandes interrogantes da nossa época”.
O teólogo citou um pensamento do Pontífice: “Assistimos a duas tendências opostas, dois extremos, ambos negativos: por um lado, o laicismo, que, de maneira escondida, margina a religião para confiná-la na esfera privada; e, por outro, o fundamentalismo, que, ao contrário, busca impô-la pela força”.
Em nome dos premiados, falou o mais jovem deles, o abade Maximilian Hein.
Recordou que hoje existe uma grande oportunidade: “Como teólogos, podemos buscar a verdade sem temor, desde o momento em que o teólogo não forma a verdade, e sim a verdade é que forma o teólogo”.
“Não poderíamos, portanto, buscar a verdade se não a tivéssemos já encontrado”, acrescentou, e por isso é necessário “o apoio dos grandes teólogos da história da Igreja, especialmente dos Padres e Doutores da Igreja”.
Em seu discurso, Bento XVI expressou gratidão pela entrega que “a fundação que leva meu nome” dá “à obra conduzida no lapso de uma vida por dois teólogos e à de um de uma geração mais jovem”.
O Bispo de Roma recordou sua amizade com o professor González de Cardedal, “um caminho comum de muitas décadas”, que “ambos iniciamos com São Boaventura e dele nos deixamos indicar a direção”.
“Em uma longa vida como estudioso, o professor González tratou todos os grandes temas da teologia”, afirmou o Papa, não falando em abstrato, mas “sempre enfrentando o drama da nossa época, vivendo e também sofrendo de maneira totalmente pessoal as grandes questões da fé e, com isso, as problemáticas do homem de hoje”.
Sobre o segundo premiado, Bento XVI afirmou que “o professor Simonetti nos abriu, de maneira nova, o mundo dos Padres”.
“Justamente mostrando-nos, do ponto de vista histórico, com precisão e atenção, tudo o que os Padres dizem, estes se tornam pessoas contemporâneas a nós, que falam conosco”, disse.
A seguir, citou o terceiro premiado, o Pe. Maximiliam Heim, recentemente eleito abade do mosteiro de Heiligenkreuz de Viena, e convidou a “desenvolver posteriormente a teologia monástica, que sempre acompanhou a universitária, formando com esta o conjunto da teologia ocidental”.
O Papa se interrogou sobre o que é verdadeiramente a teologia e, ainda mais: a ciência da fé é realmente possível ou é uma contradição? Ciência não é o contrário de fé?
Segundo o Pontífice, esta problemática, “com o moderno conceito de ciência, tornou-se ainda mais impelente e, à primeira vista, aparentemente sem solução”.
“Entende-se assim – explicou – por que, na Idade Moderna, a teologia, em vastos âmbitos, se retirou principalmente ao âmbito da história, para demonstrar sua seriedade científica” ou “como passou a concentrar-se na práxis para mostrar que a teologia, em conexão com a psicologia e a sociologia, é uma ciência útil que dá indicações para a vida”.
Estes caminhos, no entanto, não são suficientes e muitas vezes se tornam “refúgios quando não se dá uma resposta à verdadeira pergunta”, advertiu o Pontífice.
Esta pergunta interroga: “É verdade aquilo em que acreditamos ou não? - disse. Na teologia, está em jogo a questão da verdade; esta é seu fundamento último e essencial”.
A grande diferença com as religiões pagãs, recordou o Papa, citando Tertuliano, é que elas eram consuetudinárias: fazia-se o que sempre se fez, ou seja, “observam-se as formas culturais tradicionais e se espera assim estar na justa relação com o âmbito do misterioso e do divino”.
No entanto, “o aspecto revolucionário do cristianismo na Antiguidade foi justamente a ruptura com o 'costume' por amor à verdade”, sublinhou Bento XVI.
Por isso, “a fé cristã, por sua própria natureza, tem que suscitar a teologia, deve interrogar-se sobre tudo o que for razoável para a fé, também quando naturalmente o conceito de razão e de ciência abraçar muitas dimensões, e assim, a natureza concreta do nexo entre fé e razão deverá ser novamente aprofundado”.
Citando São Boaventura, o Papa recordou a existência da viloentia ragionis, o despotismo da razão, que se faz juiz supremo de tudo.
Este tipo de uso da razão é certamente impossível no âmbito da fé; é como querer submeter Deus a um interrogatório, a um procedimento de prova experimental, explicou.
Esta modalidade de uso da razão, típica no âmbito da ciência, aparece hoje “como a única forma de racionalidade declarada e científica”, lamentou.
“E o que cientificamente não pode ser verificado ou falsificado fica fora do âmbito científico”, acrescentou, reconhecendo que, com esta impostação, foram realizadas obras grandiosas “no âmbito do conhecimento da natureza e das suas leis”.
O Papa teólogo precisou que “existe um limite a tal uso da razão: Deus não é um objeto de experimentação humana; Ele é o Sujeito e se manifesta somente na relação de pessoa a pessoa”.
Nesta perspectiva, explicou, Boaventura “indica um segundo uso da razão, que vale no âmbito do 'pessoal', nas grandes questões do ser humano: o amor quer conhecer melhor quem ama, porque o verdadeiro amor não torna cegos, mas videntes”.
A reta fé, portanto, “orienta a razão a abrir-se ao divino, para que ela, guiada pelo amor à verdade, possa conhecer Deus mais de perto”, destacou.
Bento XVI não quis entrar na possibilidade e na tarefa da teologia, e sim iluminar a grandeza do desafio da natureza da teologia.
E isso, confessou, porque “o homem precisa desse desafio, porque nos conduz a abrir nossa razão, interrogando-nos sobre a própria verdade, sobre o rosto de Deus”.
O Papa concluiu recordando que se trata “não de uma razão alienada, mas que responde a uma altíssima vocação”.
Fonte: Zenit - (Sergio Mora)
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