segunda-feira, 11 de julho de 2011

O aborto, sinal de coisa pior?

O aborto é um sinal de alarme que indica um perigo onipresente na sociedade: a perda de identidade humana.

É uma observação do padre Robert Gahl, professor adjunto de Ética na Universidade Pontifícia da Santa Cruz.

O padre Gahl falou com o programa de televisão “Deus chora na Terra”, da Catholic Radio and Television Network (CRTN) em colaboração com Ajuda à Igreja que Sofre.

- O aborto é um sofrimento universal: 53 milhões de abortos no mundo. Em alguns países, mais de 70% das mulheres já abortaram. Por que essas questões ficaram tão presentes hoje: aborto, eutanásia?

- Padre Gahl: Bom, é um paradoxo, triste, que evoca o pecado original. Adão e Eva tentaram ficar no lugar de Deus, ser deuses no lugar dele. Os seres humanos tentam dominar o poder divino, o poder sobre a origem da vida, e controlar o começo da vida de um jeito que é contrário ao desígnio de Deus, e, por isso mesmo, contrário ao desígnio do amor. E eles se sentem poderosos durante um instante. Pode ser até que eles achem que conseguiram. Mas logo depois eles sentem a frustração e a negação da sua própria identidade, porque essa identidade é a identidade do amor, porque eles foram feitos para o amor. O nosso coração foi feito para o amor. Mas em vez de ser pessoas apaixonadas, em vez de apertar os nossos laços familiares, nós viramos meros construtores, gente que controla produtos. Se o nosso poder de dar vida é simplesmente produzir elementos que se encaixam no “fui produzido”, ou no “sou só o final da linha de um sistema de produção mecanizado”, isso é só a negação da minha própria dignidade como filho de Deus. E como filho dos meus pais.

- Olhando para trás, qual foi o momento em que surgiu no horizonte essa aceitação do aborto, da pesquisa com células-tronco, da eutanásia?

- Padre Gahl: O aborto, infelizmente, é tão estendido por tantas partes do mundo que, hoje, muita gente, até os documentos da ONU, acham que ele é um direito reprodutivo. A origem disso é a revolução sexual, que não foi uma revolução de libertação, mas uma revolução do narcisismo, do desespero, de cortar laços, afeto, amizade e amor pelos outros. E no centro dessa revolução sexual nós tínhamos o desenvolvimento dos anticoncepcionais químicos, que permitiram o sexo sem bebês, ou seja, as pessoas podiam ter o prazer da sexualidade só como uma busca egoísta. E eles desconectaram a ordem intrínseca, orientada ao dom da vida; desconectaram a sexualidade dos compromissos sérios de amor, de formar uma família, e, claro, de ser pais e mães. É uma diminuição da dignidade humana. Eu considero que o problema do aborto é que é um sinal de alerta. É uma luz vermelha que está arrancando vidas, mas que indica uma coisa que é mais onipresente ainda, e que está mais profundamente enraizada na nossa sociedade do que você possa imaginar.

- E o que é?

- Padre Gahl: É a perda da própria identidade. Da nossa identidade que participa do poder criador de Deus, e que chama a pessoa a ser mãe e pai.

- O aborto é justificado quase sempre como o direito de escolha. Mas também como um apelo ao amor. Por exemplo, algumas pessoas dizem que acham melhor abortar do que criar um filho sem amá-lo. Como é que nós chegamos a esta situação invertida, em que a morte é justificada por amor?

- Padre Gahl: O verdadeiro amor humano é incondicional. Quando você ama alguém, não interessa o que acontece. Não interessa, você vai cuidar. Se ele fica doente, se ele fica paralisado por causa de um acidente de carro, você vai cuidar dele pelo resto da vida. Naquele outro tipo de amor, que é uma forma de amor egoísta, você só se entrega a alguém enquanto quer. O aborto, nesse tipo de amor manipulado, vira um meio de saída. Nós temos que mudar completamente e dizer que precisamos aceitar a todos, toda vida humana. Como dizia a Madre Teresa: não existem filhos não desejados; se existe uma criança que alguém diz que não é desejada, tragam para mim, eu vou cuidar dela, porque eu desejo essa criança. E essa é a verdade. Se alguém foi capaz de dizer que o aborto nos permite agir com um cuidado altruísta, porque evita dificuldades, esta lógica nos leva de um modo trágico, eu até diria de um modo assassino, a afirmar que os deficientes não deveriam existir. Isso é a negação de toda dignidade humana.

- Nós passamos da vida como algo intrinsecamente importante a enfatizar a qualidade de vida. A mudança para a qualidade de vida coloca a pergunta: Qual é a minha qualidade de vida? Eu estou tendo qualidade de vida? Isto aponta para os deficientes: eles estão tendo a qualidade de vida que deveriam ter? Isso não coloca em questão a própria vida deles?

- Padre Gahl: Claro. Uma parte dessa lógica aberrante leva também a julgar cada um de nós com base no nosso rendimento. O meu valor se baseia no que eu posso fazer pela sociedade. Se num dado momento os meus resultados são decepcionantes, por doença, por um erro, por estar num setor da economia que o consumidor não deseja mais, então eu não seria mais necessário, e, aí, deixaria de ser importante.

- O maior dom de Deus à humanidade foi o dom de co-criar a vida com Ele. O que faz o aborto ao quebrar esta relação entre o homem e Deus?

- Padre Gahl: Nos esquecemos às vezes, devido ao “cientificismo” – que reduz tudo ao fato científico – que o começo de uma nova vida humana não só vem de um homem e uma mulher, mas também de Deus. Exige a participação de três pessoas, porque a alma humana é imaterial. É a alma espiritual que é criada direta e imediatamente por Deus. Por isso, quando um homem e uma mulher unem-se para ter um filho, é também – tanto ou mais – filho de Deus. Daí que, se quisermos recuperar este respeito pela vida, será porque teremos voltado a tomar consciência do papel de Deus ao dar a vida e, pelo mesmo, deste poder que temos dentro de nós, que é na realidade um poder divino e transcendente. Trata-se de um poder criador pelo qual quase temos Deus na palma da mão, porque podemos dizer-lhe, em certo sentido, quando criar uma nova alma humana. Portanto, se renovarmos esse respeito pela intervenção de Deus, Ele nos ajudará também a nos respeitarmos uns aos outros como imagens de Deus, como outros Cristos.

- Em países como a Rússia, mais de 70% das mulheres abortaram. A proporção de abortos em algumas províncias russas pode alcançar os oito ou dez abortos por mulher, porque o utilizam como um meio de controle de natalidade. Na China, a política de um só filho obriga as mulheres a abortar. Que impacto espiritual e psicológico tem isso na sociedade?

- Padre Gahl: No leste europeu, onde vemos índices tão altos de abortos, que frequentemente se associam a altos índices de suicídios, alcoolismo e depressões graves, há uma sensação de niilismo, de perda total do sentido da vida. Isso ocorre em uma sociedade que não se baseia no amor a seus filhos. É necessário que isso mude. Graças a Deus, em alguns desses países está-se notando uma tendência na direção correta. Na Federação Russa, por exemplo, tem havido ultimamente um aumento na taxa de natalidade. A proporção de abortos continua muito alta, mas fica a esperança de que este aumento da taxa de natalidade continue, de modo que o índice de abortos caia.

- Que mais a Igreja pode fazer neste tema?

- Padre Gahl: Em primeiro lugar, quando pensamos na “Igreja”, tendemos a pensar na hierarquia – em nós, sacerdotes, bispos, o Papa –, mas na realidade a Igreja é o conjunto de todos os cristãos batizados. A Igreja é uma família, por isso precisamos que todos – todos os cristãos batizados – aceitem a vida com amor. Precisamos também de ajuda nos centros para mulheres grávidas. A Igreja magisterial, a Igreja hierárquica, evidentemente, tem de ser também coerente com os princípios da teologia moral católica sobre o tema.

A Igreja há de continuar seguindo o exemplo de Karol Wojtyla, que, como arcebispo de Cracóvia, abriu centros de ajuda para mulheres em situações de crise. Mas na realidade tudo se reduz a isso: Deus é amor. Sou filho de Deus. Sou feito à imagem de Deus, por isso tenho de fazer presente entre os demais seres humanos o rosto de Deus, que é o rosto do amor. Se fizermos isso em todas as nossas relações humanas, se mostrarmos de verdade respeito pela dignidade humana, se mostrarmos respeito e amor pelas pessoas que sofrem, então podemos começar a recuperar os princípios que são necessários para que toda vida humana seja aceita. A vida então não será jamais considerada só um produto, como os bebês que são feitos num tubo de ensaio segundo os desejos de algum fabricante.

Voltando atrás, gostaria de acrescentar que precisamos recuperar nossa sexualidade, assim como a consciência de que a sexualidade é sagrada, e precisamos, portanto, viver a modéstia e o respeito pela nossa sexualidade e nossos desejos sexuais com castidade e fortaleza, de modo que nos preparem para dar vida dentro da estrutura da família.

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Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Deus chora na terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por ‘Catholic Radio and Television Network', (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.

Fonte: Zenit.

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