É impossível confundir a liturgia com um código de normas ou uma espécie de protocolo sagrado, quando é compreendida e estudada a partir de dentro. Esta é a reflexão feita nesta entrevista pelo novo diretor do Instituto Superior de Liturgia de Barcelona (http://www.cpl.es/ISLB/default.html), o único instituto superior de Liturgia que oferece suas aulas em espanhol – motivo pelo qual desperta grande interesse na América Latina.
Jaume González Padrós (Sabadell, 1960) é um sacerdote doutor em Liturgia (Pontifício Ateneu Sant'Alselmo) que afirma que, ainda que a Liturgia seja “terreno dos crentes”, também é uma magnífica oportunidade para evangelizar.
Padrós é membro do Centro de Pastoral Litúrgica de Barcelona e consultor da Comissão Episcopal de Liturgia da Conferência Episcopal Espanhola.
Cada vez há mais latino-americanos que vêm a Barcelona para estudar Liturgia. O que este instituto tem que o torna tão atraente?
González Padrós: Não há dúvida de que o idioma influencia, dado que, no nosso instituto, temos toda a atividade docente em língua espanhola, e também a proximidade cultural das nações latino-americanas com a Espanha.
Mas, além disso, há outro fator e é a divulgação, ativa há muitos anos, das publicações do Centro de Pastoral Litúrgica de Barcelona nas igrejas da América, junto à presença de alguns dos membros e professores do instituto nestas terras, dando cursos, tanto a sacerdotes e pessoas da vida consagrada como a leigos.
Há outro elemento que influencia: o enfoque pastoral que, nas nossas aulas, damos aos estudos de teologia litúrgica. Tentamos fazer uma tradução eficaz ao momento celebrativo de todos os princípios teológicos e espirituais, assim como do conhecimento histórico dos livros litúrgicos e de suas implicações jurídicas.
Muitos dos nossos alunos – a maioria – são pastores da Igreja, presbíteros, e seu ministério não está orientado somente à docência e à pesquisa: também a guia de comunidades concretas faz parte da sua missão. Por isso, agradecem tanto que tudo o que é estudado seja trabalho em relação com a práxis celebrativa.
Tudo isso faz que, da América Latina, o Instituto Litúrgico de Barcelona seja visto como uma referência próxima. E, para nós, professores, os estudantes daquelas latitudes são vistos e sentidos como muito próximos das nossas expectativas e do nosso trabalho.
Como o instituto enfrenta a reforma litúrgica conciliar e a aplicação do motu proprio do Papa sobre a questão?
González Padrós: O Concílio Vaticano II enfrentou a reforma litúrgica para “fomentar a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições suscetíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo e fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja” (Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 1).
Ou seja, o Concílio quis uma reforma e um fomento da liturgia, ou melhor, uma reforma da liturgia para promover seu fomento, consciente de que ela – a liturgia – é o sujeito mais eficaz para uma verdadeira renovação das mentalidades, segundo o Evangelho, e o estímulo de graça necessário para uma vida cristã verdadeira, como nos recordou recentemente o Santo Padre.
Mas a tarefa proposta não tinha nada de fácil, de tal maneira que os próprios padres conciliares declararam que tudo isso não seria possível sem uma adequada educação, começando pelos pastores de almas, que devem ser os professores de todo o povo de Deus. Eis aqui onde aparece a necessidade de centros especializados no estudo da Liturgia a partir de parâmetros autenticamente teológicos, com seriedade e profundidade. Nosso instituto tem sua razão de ser aqui.
É a tradução histórica dessa vontade da Igreja, movida pelo Espírito Santo, de dar a todos os batizados a oportunidade de entrar em comunhão de vida com a Santa Trindade de Deus.
Por isso, o desafio é constante para nós, professores de Liturgia. E mais ainda: com o passar dos anos, o acontecimento conciliar vai ficando longe das novas gerações, que não só não viveram o antes, mas nem sequer o durante e o pós-concílio mais imediato, com suas luzes e sombras. Para elas, o Vaticano II é algo distante, do qual devem se aproximar acompanhadas de alguém que o conheça bem, dado que continua afetando a vida das Igrejas particulares. Essa companhia somos nós, os docentes. E por isso digo que a tarefa é de enorme responsabilidade; podemos mostrar-lhes toda a beleza teológica e espiritual da reforma litúrgica ou, se não formos competentes e rigorosos em conteúdo e método, podemos mal educar e desviar do centro de compreensão.
Por isso, um professor de liturgia deve, cada dia, invocar o auxílio do Senhor sobre sua tarefa, suplicando a luz do Espírito e seus dons.
Sobre o motu proprio Summorum Pontificum, do Papa Bento XVI, sobre o uso atual dos livros litúrgicos vigentes até 1962, às portas do Vaticano II, escreveu-se e discutiu-se muito. No último dia 13 de maio, a Santa Sé publicou, ao respeito, a instrução Universae Ecclesiae, para regular com precisão o que foi expressado no citado documento papal.
Estamos obrigados a uma leitura atenta destes textos, para não gerar confusão sobre esta liberação do uso dos livros anteriores à reforma conciliar, constituídos como “forma extraordinária” do Rito Romano.
Mais uma vez, também aqui, todos – estudantes, professores, pastores – devem fazer um esforço para não cair no subjetivismo e compreender a vontade do Papa em seu sentido mais concreto, visando ao bem maior da comunhão eclesial e da estreita unidade entre a lei da oração e a lei da fé, entre o que se reza e o que se crê.
[A segunda parte desta entrevista será publicada amanhã]
Fonte: Zenit.
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