Diversas podem ser as expressões de religião e religiosidade: o rito, mediante o qual se dirige a Deus a adoração, louvor, ação de graças e súplica; a obediência a Deus, mediante a qual se procura viver conforme a vontade de Deus. Ou ainda o rito mágico, mediante o qual se tenta “capturar” ou apossar-se da potência divina, para sujeitá-la ao desejo e à vontade do homem.
Sem aceitar a magia, por ser considerada desrespeitosa em relação a Deus, nossa fé tem muitas e ricas expressões de vida cristã e eclesial. Não pode a fé ser apenas um “fato intelectual”; ela precisa expressar-se na vida, de muitas maneiras: nos ritos e atitudes de adoração, louvor, agradecimento, súplica e pedido de perdão, na acolhida dos dons de Deus. Não pode faltar a prática das boas obras, como expressão da obediência a Deus; nem podemos deixar de lado o exercício da ascese, para corrigir o que está errado em nossa vida, ou a prática das virtudes, como busca da perfeição evangélica, segundo “aquilo que aprendemos de Cristo”.
Na “Oração do dia”, do 15º Domingo do tempo comum, celebrado no dia 10 passado, pedimos a Deus a graça de “rejeitar o que não convém ao cristão e abraçar tudo o que é digno desse nome”. Essa bela prece indica a dupla dimensão do viver cristão: a superação dos vícios e de tudo aquilo que contradiz a dignidade de filhos de Deus, recebida no Batismo e, por outro lado, o esforço para o viver coerente com a condição nova de cristãos.
São João diz que é preciso “viver como filhos da luz”; e São Paulo recorda, de diversas maneiras, que é preciso abandonar aquilo que é do “homem velho”, para viver como “homens novos”; ou ainda, que devemos viver segundo o Espírito, abandonando as obras da carne”; e que a perfeição do novo modo de viver cristão é a caridade, na qual se expressa a perfeição da vida cristã.
O mesmo São Paulo, na Carta aos Gálatas, enfrenta vários problemas vividos naquela comunidade e os exorta a viverem com coerência a vida cristã. É uma carta franca e vigorosa, marcada pelo zelo do apóstolo, que não quer ver os fiéis desviarem-se do caminho de Cristo. Já perto da conclusão da carta, Paulo convida a “carregar os fardos uns dos outros, para cumprir a lei de Cristo” (cf 6,2); por certo, ele recorda que Jesus carregou na cruz, por amor a nós, nossos pesos... E convida, como a resumir todo o esforço da vida cristã: “não esmoreçamos na prática do bem, pois no devido tempo colheremos os frutos, se não desanimarmos”.
Dom Julio Akamine, novo bispo auxiliar de São Paulo ordenado no sábado, dia 9 de julho, escolheu este expressivo lema episcopal: “bonum facientes infatigabiles” – “sede incansáveis na prática do bem” (Gl 6,9). Em outra passagem, Paulo repete mais uma vez: “não vos canseis de fazer o bem” (2Ts 3,13). O cristão deve ser operoso e incansável na prática do bem, sem nunca ceder à tentação do desânimo. O papa Bento 16, há alguns dias, recordou também outra exortação de São Paulo: “detestai o mal e apegai-vos ao bem” (Rm 12,9). Nada de compactuar com o mal. O próprio Jesus nos ensinou a pedir, no Pai Nosso, que Deus nos livre do mal. O cristão não deve aliar-se jamais ao mal, nem ser agente do mal. Seria trágico!
A Palavra de Deus desse mesmo domingo ainda nos ensinou que Deus espera de nós os frutos da sua Palavra, que veio ao mundo e foi dada a conhecer aos homens, como semeadura abundante: “saiu o semeador a semear” (cf Mt 13). A semente é boa e capaz de produzir; mas o terreno, que somos nós, pode ser duro, cheio de pedras, de pouca profundidade, tomado de espinhos e mato; e pode ser bom, bem preparado e acolhedor para a semente. Somente esse último terreno produz frutos.
No entanto, Deus semeia, esperando que todos os terrenos produzam fruto, como nos recorda o profeta Isaías: “como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam, sem antes ter irrigado a terra, feito germinar a semente e produzir o fruto, assim a palavra que sai de minha boca não voltará vazia para mim, sem ter produzido os efeitos que pretendi, ao enviá-la” (cf Is 55, 10-11).
O viver cristão não é um crer estéril, sem frutos, mas um crer operoso e frutífero. Não bastam boas palavras e intenções que, porém, nunca se traduzem em comportamentos coerentes, em obediência a Deus e vida digna, conforme a altíssima vocação cristã: ser filhos do Pai celeste! Portanto, irmãos, não nos cansemos de praticar o bem!
Publicado em O SÃO PAULO, edição de 12/07/2011
Cardeal Odilo Pedro Scherer é arcebispo de São Paulo
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