quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Para uma formação à imagem da humanidade de Cristo

O reconhecimento, também por parte do Magistério Pontifício, do fenômeno amplo e perturbador de uma profunda crise da formação humana no caminho sacerdotal e da vida consagrada torna cada vez mais fascinante e urgente a proposta de um curso que permita o aprofundamento da dignidade humana e dos caminhos a seguir para trazer para fora os extraordinários recursos da pessoa, a fim de ajudar a identificar as melhores respostas para a "emergência educativa" atual e reconhecer a natureza multidimensional da existência humana em uma perspectiva clara, tanto pessoal como pastoral.

A iniciativa tomada pela Fundação "Ut vitam habeant", cujo presidente é o cardeal Elio Sgreccia, e ativada em colaboração com o Instituto Internacional de Teologia Pastoral da Saúde "Camillianum", começou segunda-feira, 21 de novembro, com uma lectio magistralis do Cardeal Mauro Piacenza, Prefeito da Congregação para o Clero, que reconheceu que "o deficit de formação humana não se trata obviamente só da realidade eclesial; e mais, que para ser sinceros, esse é muito mais amplo, enraizado, promovido no mundo, e os seus efeitos, visíveis a todos, que têm e terão graves consequências antropológicas, sociais, e até mesmo teológicas, de importância considerável".

São diversas as raízes históricas e filosóficas de uma tal crise de formação humana: um primeiro elemento foi identificado pelo Cardeal Piacenza no "movimento iluminista, que determinou uma hipertrofia da razão, em conseqüência da qual o homem e a sua capacidade de conhecimento se transformaram de "contempladores, conhecedores e cantores” da realidade à "limitados medidores" do real".

E não diversamente deve ser enfatizado o idealismo segundo o qual, “se o homem não conhece mais a realidade por aquilo que ela é, mas tenta medí-la (racionalismo) ou só pensá-la (idealismo), ele se auto limita em uma objetiva possibilidade de relacionar-se com outro além de si mesmo e tal atitude têm evidentes consequências antropológicas”. E como se isso não bastasse, também devemos reconhecer que "a crise do positivismo do século XIX, determinada pelas duas guerras mundiais do século passado, levou a uma espécie de ‘rendição da razão’, fazendo o homem passar do mito infundado do super homem para a situação atual, também infundada, do mais radical relativismo".

A conseqüência de uma "errada e injustificada desconfiança na capacidade real de cada um de conhecer a si mesmo, o mundo e a Deus" é vista pelo Cardeal Piacenza como uma tradução da “explosão do hedonismo, narcisismo, pansexualismo, nos quais se perdem os homens do nosso tempo e dos quais é necessário, com todos os meios, ajudá-los a escapar" para evitar que se reforce a terrível fuga da humana espiritualidade e da fé cristã.

Eis porque se evidenciou no homem em quanto tal e no Homem-Deus Jesus de Nazaré os dois pólos, os protagonistas e os lugares teológicos que devem ser individualizados e aprofundados para encontrar a justa resposta à crise existencial que caracteriza a formação humana contemporânea.

"Todo homem, qualquer que seja seu status e independentemente da época em que vive, se auto-percebe e é percebido pelos outros como "necessidade" e como "questão". E se toda a cultura dominante conjura para abafar as questões fundamentais que compõem o homem, não é porque eles não estão prenhes de significado e não requerem uma resposta, mas simplesmente porque, incapazes de fornecer respostas humanamente perceptíveis e satisfatórias, a cultura dominante não tem outra opção, não tem outra "rota de fuga", mais do que aquela de abafar as perguntas".

Isto significa reconhecer que a justiça, a verdade, a beleza, a razão e a liberdade "são valores humanos universais, e não-confessionais, porque são anteriormente, seja do ponto de vista ontológico que pedagógico, exigências fundamentais do homem". Assim como é indispensável aceitar que o sentido religioso humano é “uma característica antropológica universal e insuperável”, que permite à pessoa individualizar o senso último da totalidade, portanto de si mesma e do real. E porque na atividade pastoral os sacerdotes e os religiosos se encontram continuamente em contato com homens e mulheres que advertem vibrantemente o sentido da vida, é necessário que nos seus caminhos de formação aprofundem a modalidade existêncial para compartilhá-la plenamente e para ajudar a individualizar uma resposta que, ainda que caracterizada pelo horizonte teológico, seja sobretudo “revitalizada, reforçada e atuada por uma autêntica paixão pelo homem".

Aprofundando como segundo pólo da formação humana o Evento-Cristo na sua própria e irredutível dimensão histórica, o Cardeal Piacenza reiterou que "a fidelidade ao dado histórico exclui qualquer auto-referencialidade subjetiva, intimística ou auto-projetiva na relação com Cristo e se torna radicalmente incompatível com toda concepção idealista e relativista, que afirme a impossibilidade do homem de conhecer a realidade”, pelo qual pode-se “afirmar que a resposta ao que o homem é, que não esteja dentro dele, fez-se alcancável, veio-nos ao encontro, revelou-se naquilo que era o âmbito mais próximo do homem: o mesmo homem”.

Especificamente, isso significa reconhecer e afirmar, por um lado, que o senso religioso autenticamente vivido representa e constitui um fator fundamental de formação humana e, por outro, que o encontro com Cristo, determinando o despertar da humanidade, torna-se “o primeiro fator educativo do humano, justo porque o educa a estar naquela posição de agradecida admiração, típica do senso religioso, que constitui a essência do homem diante de Deus”.

E porque tal percepção consente reconhecer como original e autêntica a vocação de ser imagem e semelhança de Deus, para o Card. Piacenza aqueles que são “chamados a viver o carisma da castidade pelo Reino dos Céus, seja na vida consagrada, seja no ministério sacerdotal, precisam colocar-se, de maneira autêntica, à escuta do que o carisma recebido diz ao caminho pessoal de formação humana”, o que quer dizer que “a distinção entre formação humana, profissão de fé e vida sacerdotal e religiosa, ainda que didaticamente fundada, é existencialmente algo sempre integrável”.

A recepção do carisma do celibato é colocada, portanto, na ótica da viva questão existencial e da vivificante resposta encontrada em Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo e traz consigo o testemunho, também em vista de uma renovada ação evangelizadora e de uma autêntica pastoral vocacional, que, “junto com o dom da vocação, o Senhor doa uma renovada humanidade, nos chama, nos molda, nos torna capazes de acolher um novo dom. Trabalhar para a própria formação humana, então, não é uma premissa para depois poder trabalhar sobre a fé, sobre a vocação e sobre a fidelidade à ela, (também na dimensão do celibato e da castidade consagrada), mas é obra de Deus, feita pela seu graça, na nossa humanidade, que gradualmente se expande, na medida em que a liberdade acolhe o dom da chamada e vive na presença do Mistério.

E lendo uma citação de Santo Tomás de Aquino, segundo à qual "quando de duas coisas uma é a razão da outra, a atenção da alma por uma não impede e nem reduz a sua atenção pela outra. [...] E porque Deus é contemplado pelo Santos como a razão de tudo o que eles fazem e conhecem, o seu interesse pelas coisas sensíveis ou pelas outras coisas que se devem considerar ou levar a cabo, de modo nenhum lhes impede a contemplação de Deus, nem vice-versa". O Cardeal Piacenza convidou os participantes para o curso bienal, que é distribuído em três semanas intensivas durante o ano, de 50 horas cada uma, e assim apreciar a contribuição que é oferecida para eles, de tal forma que interiorizem e amadureçam um sadio e permanente equilíbrio graças ao qual reconhecer “a verdadeira relação entre formação humana e formação ao Sacerdócio e à Vida consagrada”, na plena e realísta consciência de que “a formação humana não impede e nem reduz a atenção à Cristo, que de fato, é a causa dessa formação!”

[Tradução aos cuidados de Thácio Siqueira]
Fonte: Zenit.

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