quinta-feira, 31 de março de 2016

A presente crise

Muitos correspondentes perguntam-me como o Brasil poderia livrar-se da atual crise econômica e política.

2. Trata, como em toda crise de sintomas agudos das perdas e da deterioração do organismo (no caso o País).

3. Iludem-se os que cogitam de que ela provém somente da tentativa keynesiana, do governo, na gestão de Mantega na Fazenda, de elevar substancialmente o financiamento público para investimentos produtivos de grandes empresas.

4. A crise foi agravada com o término dessa política anticíclica, ao iniciar-se, em 2012, o segundo mandato da presidente da República, e serem adotadas medidas como a brutal elevação dos juros e cortes orçamentários, realmente muito danosas à economia e ao social, a pretexto de sanar o desequilíbrio financeiro.

5. De fato, as duas coisas convergem para deprimir ainda mais a economia e o emprego. Ao mesmo tempo são contraditórias em relação ao pretenso objetivo, pois a elevação dos juros - na dimensão que teve, e incidindo sobre estoque de dívida interna de R$ 4 trilhões -  causa aumento da despesa pública muito superior ao corte de gastos.

6. Os efeitos disso não poderiam ser mais perversos. Significam violento ataque sobre um organismo fraco, e que já sofreu, ao longo dos anos, crises devidas ao crescimento errado e à  sucessiva tentativa de correção, que gera danos adicionais ainda mais pesados.

7. Por que o organismo ficou fraco? Devido a causas estruturais, que acarretam as crises. A causa fundamental é desnacionalização, que conduz à desindustrialização e à concentração, três coisas que não cessaram de aumentar ao longo dos últimos 62 anos.

8. Essas doenças socioeconômicas têm sido incrementadas pela deterioração das instituições políticas e pela profunda penetração política e cultural (anticultural) não apenas dos carteis transnacionais, mas de entidades internacionais, e também governamentais de potências estrangeiras.

9.  Essas instâncias implantaram no País poder de intervenção, não só através de pressões financeiras, que dizem vir do “mercado financeiro”, mas de pressões políticas, intensificando as causas estruturais da insanidade.

10. A cada momento, surgem mais fatos sobre as consequências desse quadro patológico. O Estadão noticia, em 28 do corrente:
“Só em São Paulo, 4.451 indústrias de transformação fecharam as portas em 2015, número 24% superior ao de 2014, quando foram 3.584 fabricantes, segundo a Junta Comercial.”
“Muitos trabalhadores demitidos não receberam salários e rescisões. De acordo com o IBGE, entre novembro e janeiro, a indústria brasileira fechou 1,131 milhão de vagas, número recorde para um trimestre.”

11. Não se trata somente de pequenas empresas. Em Guarulhos, há pouco, as metalúrgicas Eaton, Maxion e Randon encerraram suas atividades.

12. Nos implementos rodoviários houve retração de 50%. A têxtil Polyenka, de Americana (SP), que já tivera 2.000 empregados, deixou de produzir e fez acordo com os 350 funcionários que restavam, para parcelar as rescisões.

13.  A MABE, linha branca, também com 2.000 empregados, pediu falência em fevereiro e fechou as fábricas de geladeiras Continental em Hortolândia e de fogões Dako em Campinas.

14. A grande empresa de autopeças Delphi fechou duas fábricas em 2015, em Mococa (SP) e Itabirito (MG), e este ano completa a transferência da unidade de Cotia para Piracicaba (SP). 1,7 mil trabalhadores perderam os empregos.

15. Mesmo antes da queda de 8,7%, em 12 meses até janeiro de 2016 (dado do IBGE), a indústria caiu de 35% (anos 80) de participação no PIB, para menos de 10%.

16. Em suma, o País regride, em condições piores que as do início do Século XX, à condição de exportador de bens primários. Agora avultam desastres terríveis, como a lama tóxica da mina de ferro da SAMARCO (Vale desnacionalizada e a transnacional Billiton), que polui indefinidamente vastas regiões e o Rio Doce, e até o mar. Há tragédias potenciais desse tipo.

17. Na agropecuária vê-se desastre permanente de enormes dimensões, determinado pela subordinação da estrutura econômica e da infraestrutura às conveniências dos “mercados” importadores.

18. Veja-se esta informação: “O Brasil consome 20% de todos agrotóxicos”.  De longe, portanto, o maior do mundo no uso desses venenos. Ademais, consome 14 agrotóxicos proibidos em outros países. Ora,  a incidência de câncer é três vezes superior à média em áreas contaminadas por agrotóxicos.

19. Em função do agronegócio, cujo objetivo é produzir para países industrializados, metade da área utilizada pela agricultura no Brasil é para a soja.

20.  Ademais, o cartel transnacional das sementes transgênicas, também forte nos fertilizantes, impingiu a aceitação desse flagelo, que ameaça a sobrevivência desta ou, no mínimo, a existência de alimentos não danosos à saúde.

21. Com isso, a grande maioria dos brasileiros, come alimentos cozinhados com óleo de soja transgênica, faltando-lhe informação  para procurar nos rótulos o microscópico T, e dinheiro para opções cuja oferta é limitada.

22. O poder combinado das transnacionais e dos ruralistas, grandes doadores de recursos de campanha, explica o apoio oficial aos grandes projetos de infraestrutura e às fazendas industrializadas.

23. Esse poder é enorme no Congresso - quase metade dos 594 parlamentares participam da bancada ruralista - a qual tornou inócuas as leis proibitivas de plantas geneticamente modificadas.

24. Respondendo à pergunta inicial: com a permanência da presidente ou sua derrubada, o cenário é péssimo, nada havendo a esperar de honesto nem de salvador por parte dos pretendentes. O moralismo, manchado pela seletividade, tem servido para intensificar a desindustrialização, com a queda da produção e o desmonte da Petrobrás e de empresas de engenharia.

25. Repito: não saída decente sob o atual regime. Tampouco, sob um calcado nos governos de 1964 a 1984.

Adriano BenayonAutor de Globalização versus Desenvolvimento, 2ª edição 2005, Editora Escrituras, São Paulo, e de Economia Política, coletânea de artigos, publicada pela Fundação João Mangabeira, Brasília 2013. Consultor. Doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Alemanha. Bacharel em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Diplomado no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, Itamaraty. Diplomata de carreira, postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos e México. Delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas áreas econômica e tecnológica. Depois, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, área de economia. Professor da Universidade de Brasília (Empresas Multinacionais; Sistema Financeiro Internacional; Estado e Desenvolvimento no Brasil).  Fonte: Domtotal.com.br

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