segunda-feira, 4 de abril de 2011

Nas mãos de Deus

Apresentamos artigo do arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, divulgado nessa sexta-feira à imprensa, intitulado “Nas mãos de Deus”, em que fala sobre a figura do ex-vice-presidente do Brasil, José Alencar, falecido nessa terça-feira.



“Estou nas mãos de Deus!” - este testemunho brotava como convicção e força do coração de José Alencar Gomes da Silva, figura magnânima que depois de quase 80 anos, agora, experimenta a realidade certa de estar nas mãos de Deus. Esta certeza fundamenta-se em promessas nascidas do coração do Senhor Jesus, o Salvador do mundo.

O evangelista Mateus em seu Evangelho narra que Jesus ao dar ensinamentos aos seus discípulos para que aprendessem o horizonte mais largo e definitivo da vida, contou a parábola dos talentos comparando o reino dos céus a um homem que ia viajar para o estrangeiro. Esse homem chamou seus servos e lhes confiou alguns bens: a um deu cinco talentos, a outro dois e ao terceiro um. Cada qual de acordo com a sua capacidade. Ao retornar, o dono, no acerto de contas, disse aos que entregaram o dobro do que tinham recebido - fruto do empenho e correspondência à confiança depositada: “Parabéns, servo bom e fiel! Como te mostraste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da alegria do teu Senhor”. Assim também é a promessa solene e garantia do êxito da existência de cada ser humano pronunciada na casa de Marta e Maria, como conta o evangelista João (capítulo 11), naquele momento humanamente doloroso da morte de Lázaro: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá. Todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais”.

Estou nas mãos de Deus, esta frase que brotava do coração desse pai de família, cidadão, empresário e amigo, é de importância máxima e determinante nos entendimentos adequados, nas diferentes circunstâncias de sua vida: trabalho, família e, particularmente, na travessia que foi o enfrentamento da sua enfermidade. O servo de Deus, o Papa João Paulo 2º, na sua carta apostólica O sentido do sofrimento cristão, em 1984, comenta que “no decorrer dos séculos e das gerações tem-se comprovado que no sofrimento se esconde uma força particular que aproxima interiormente o homem de Cristo. O fruto de semelhante conversão é não apenas o fato de que o homem descobre o sentido do sofrimento, mas, sobretudo, que no sofrimento ele torna-se um homem totalmente novo. Encontra como que uma maneira nova para avaliar toda a sua vida e a própria vocação. Esta descoberta constitui uma confirmação particular da grandeza espiritual que no homem supera o próprio corpo de modo incomparável. Quando este corpo está gravemente doente, ou mesmo completamente inutilizado, e o homem se sente incapaz de viver e agir, é então que se põe mais em evidência a sua maturidade interior e grandeza espiritual. Estas, constituem uma lição comovedora para as pessoas sãs e normais”.

José Alencar fez de sua vida uma lição comovedora. No horizonte da sociedade brasileira contemporânea tornou-se uma luz que comprova o quanto é indispensável, o quanto vale a pena e o quanto é a saída principal para novos ordenamentos, sociais e políticos, o gosto pela honradez. Também, a eleição da simplicidade que descomplica a vida, particularmente nas relações com os outros, a unanimidade construída pela despretensão, pelo distanciamento das manipulações, alcançada pelo apreço à transparência nos atos de cada dia. Sua fé cristã católica testemunhada sem medo e sem falso respeito humano o ancorou em princípios que qualificaram, mesmo nos estreitamentos próprios da criatura humana - por ele formulados sinteticamente - um acervo de verdades, entendimentos, condutas e valores.

“Não tenho medo da morte. Tenho medo da desonra”. A honra é o esplendor da vida humana. Não é apenas fama. Fama de celebridade consegue-se até mesmo por caminhos desonrados. A honra é uma conquista de quem pauta sua vida, em quaisquer circunstâncias, no tamanho de sua responsabilidade social e política. E entende que deve ser um espelho no qual o Criador reflete o esplendor de seu rosto divino. Essa luminosidade não se ofusca mesmo quando se entra num mundo complexo e de conturbações como o mundo da política, mesmo quando se põe a mão em dinheiro e se desfruta de poderes. O apreço pela honra que determina a pauta dos seus dias leva o homem a refletir uma dignidade infinita, alargando sempre os limites de sua humanidade. Assim, torna-se merecedor de respeito e reconhecimento, baluarte inesquecível, alegria duradoura, força interior no sofrimento e vivência ajustada da cidadania. Os pilares sustentadores estão no testemunho e no compromisso ao dizer e experimentar: “Não tenho medo da morte. Tenho medo da desonra. Estou nas mãos de Deus!”

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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