Apresentamos artigo do arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, divulgado à imprensa na sexta-feira, intitulado ‘Exercícios Quaresmais'.
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Os exercícios quaresmais, na vivência litúrgica que a Igreja Católica oferece como preparação para a celebração da Páscoa do Senhor Jesus, o Salvador do mundo, são riquezas de um caminho que constituem uma das páginas insubstituíveis na qualificação da vida de todos. Esses exercícios trazem consequências e resultados mais fecundos na participação de cada pessoa na grande teia da cidadania, que cada um, em conjunto com outros, ajuda a tecer e manter. Exercícios que conquistam a saúde do corpo são indispensáveis, essa demanda gera na atualidade uma verdadeira indústria de serviços, que traz benefícios variados para além da questão estética, muitas vezes buscada de maneira superficial na velocidade efêmera da vida que passa. É preciso também o suporte e a articulação com o que tece e sustenta a interioridade, o que está na mente e no coração. Com o que eiva a constituição cerebral de cada um com entendimentos, sentimentos e vivências. Propriedades de alimentar as transmissões que ali se operam para garantir, além do bem estar, uma postura qualificada e madura diante da vida e na condução cotidiana.
Saúde não é apenas condição física. A interioridade é coluna mestra que a sustenta, uma coordenação articulada de energias e a constituição de vínculos e ligações que abrem a vida para a transcendência, para o infinito do amor de Deus. E, também, para cada outro, dando sentido ao viver, ao serviço que se presta e ao gosto de amar e comprometer-se com a vida de todos. Os exercícios quaresmais, na bimilenar tradição espiritual e litúrgica da Igreja Católica, à medida que são seguidos e vivenciados, propiciam conquistas que não se alcançam por outros caminhos e metodologias. Especial menção merece a busca da própria identidade e dos valores pessoais, pois ela alimenta a consistência indispensável enquanto constituição da fonte que sustenta o viver a cada dia, não permite perder o rumo da vida. Trata-se de uma qualificação da existência que faz das pessoas um instrumento da paz, em razão da profunda ligação e intimidade cultivadas com o Senhor Único da vida. Nada é mais precioso!
No Sermão da Montanha, o evangelista Mateus (capítulos 5 a 7) relata regras de ouro que Jesus ensina aos seus discípulos, em vista de uma vida qualificada e vivida com gosto e proveito. O Mestre inclui na dinâmica dos exercícios que qualificam o discípulo a indicação da prática da esmola, da oração e do jejum. Na verdade, Jesus não propõe a prática de simples gestos descomprometidos. A esmola, mais do que a disponibilização do supérfluo, como muitas vezes se entende e pratica, aponta como significação o compromisso com a vida de todos - especialmente a dos pobres e dos miseráveis. Esse comprometimento implica uma compreensão da realidade que gera posturas cidadãs para traduzi-las em empenhos com causas e projetos. Define prioridades e dá, a quem se dispõe, a condição de porta-voz para fazer valer o direito de todos e a cabível opção preferencial pelos que precisam mais. A esmola é um gesto de partilha localizado na atitude de quem compreende seu compromisso de defender a vida, de forma incondicional, em todas as suas etapas, e trabalhar sem descanso para promovê-la. Suscita uma visão social e política da mais alta qualidade por colocar à luz da presença de Deus, o outro, particularmente o pobre, que não tem o necessário, é enfermo, excluído ou sofredor, como centro de preocupações e de reverências.
Jesus inclui, ainda, na dinâmica desse exercício de qualificação da existência e do dom da vida, o jejum. Certamente parece obsoleta essa atitude, num tempo de tanta fartura, de desperdícios, contracenando com um mundo de pelo menos um bilhão de famintos. Jejuar é um exercício de correção de costumes e hábitos que nos levam a tratar o alimento com respeito, nos motiva a repartir nosso bocado com quem tem fome, superando a gula que despersonaliza e fomenta irracionalidades. É ainda um exercício que dá a temperança indispensável para não cairmos nos exageros da corrupção, dos apegos nascidos da voracidade que põem o indivíduo diante das coisas e dos bens.
Na riqueza das considerações possíveis das muitas vivências dos exercícios quaresmais há um verdadeiro tratado de ciência do bem viver e de qualificação da existência, que repercute na vida: a importante prática da oração. Essa indicação sábia de mestre a discípulos já foi pensada como hábito piegas. Aberturas e interesses por milenares práticas meditativas são sinais de que a cultura ocidental precisa e pode revisitar os tesouros de sua herança cristã, de modo a entendê-la, como no dizer de um autor do século quarto: "a oração é a luz da alma". E adorná-la com modéstia e a luz resplandecente da justiça, temperando a conduta do orante com o sal do amor de Deus.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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