“A porosidade da ética civil, que sustenta fluxos e dinâmicas na sociedade, pode explicar atrasos, desvarios e absurdos de cenários e condutas, e até de fatos cruéis como o massacre de crianças e adolescentes na Escola de Realengo.”
O arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, faz essa afirmação em artigo divulgado à imprensa nesta sexta-feira, num texto em que defende a contribuição da ética cristã para o desenvolvimento da ética civil.
Acontecimentos como o do Realengo “exigem que se ponha a mão na consciência para que haja antecipação de encaminhamentos e providências que darão rumo diferente a esta sociedade enferma. Do contrário, corre-se contra o tempo, numa tentativa de apenas minimizar prejuízos, muitos deles fatais e irreversíveis na vida de indivíduos, famílias e comunidades”.
O arcebispo reconhece que na sociedade contemporânea há um pluralismo moral, mas “que não dispensa a construção de convergências até para garantir a insubstituível dinâmica democrática como questão de civilidade”.
“O que caracteriza a ética civil não pode prescindir do que vem da moral cristã - contribuição indispensável, tanto pela solidez de seus princípios quanto pela missão daqueles que creem em Cristo têm, no sentido de contribuir e participar da confecção e manutenção do tecido determinante na vida da sociedade.”
“Por um lado considera-se a diversidade que emoldura a postura moral na sociedade pluralista. Por outro, o atendimento da demanda na configuração da ética civil não pode virar as costas para o acervo inesgotável que é a ética cristã”, afirma.
Segundo Dom Walmor, essa é uma luta missionária da Igreja Católica, considerando a gravidade do desafio.
Não se pode assistir de braços cruzados – prossegue o arcebispo – ao “processo de configuração, por vezes de deterioração, da ética civil, indispensável no sustento da sociedade contemporânea”.
“A sustentabilidade é um âmbito que não pode apenas considerar números, rendimentos, a conservação da natureza e outros itens também importantes para a vida no planeta. Em toda e qualquer sociedade, a moralidade é uma alavanca de sustentação para a qual não há substitutos.”
“A corrupção, a indiferença, os interesses cartoriais e outras dinâmicas perversas prejudicam a vida social e política. Diariamente, os noticiários, em diferentes meios, preenchem a maior parte do tempo tratando questões desse âmbito, revelando as origens dessas vulnerabilidades comprometedoras”, afirma.
“É verdade que a ética civil tem leito próprio em relação à confessionalidade. Ora, a vida social não é dirigida por uma determinada profissão de fé. Reporta, pois, ao tema da laicidade, que é entendida como racionalidade e não como confessionalidade.”
Dom Walmor explica ainda que ética civil não se confunde com civismo. “O civismo é a expressão da convivência cidadã ajustada aos usos convencionais, enquanto a ética civil refere-se ao universo da responsabilidade e dos valores morais”.
“O termo civil não pode ser entendido como contraposição ao que é militar, ou eclesiástico, ou mesmo ao social e profissional, embora nestes tenha uma grande e importante incidência.”
“A ética civil é, pois – prossegue o arcebispo –, a referência à instância moral da cidadania e da civilidade. Essa instância moral não pode ser esgarçada e diluída sob pena de prejuízos sérios, como se pode constatar na dimensão moral da vida humana, com repercussão na convivência social e cidadã em geral.”
“A amplitude desse campo de abordagem - com suas peculiaridades - merece, entre outros pontos de constante reflexão, a preocupação com as vulnerabilidades dos limites humanos”, afirma.
Esses limites “têm nomes como o interesse exagerado pelo dinheiro, que faz deste o ponto determinante de negociações, impedindo, muitas vezes, a permanência de projetos de grande importância para a sociedade”.
“Não menor é a vulnerabilidade que se constata pelo descompasso da estatura adquirida na competência profissional e humana, impedindo muitos de aguentar desafios, de fazer sacrifícios e de permanecer nas ‘trincheiras’ por altruísmo.”
“Atitudes que não permitem que questões menos relevantes os levem à condição de desertores bem no auge da batalha. Esse é um enorme desafio emoldurado pela carência de entendimentos no âmbito da ética civil”, assinala Dom Walmor.
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