À margem da situação atual do Egito, ZENIT quis entrevistar o Dr. Ali al-Samman, que em 1998 foi o artífice do nascimento do Comitê Misto, que reúne a Universidade de Al-Azhar, no Cairo, e o Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso.
Tratando do tema da crise nas relações entre a mais alta autoridade do islamismo sunita e o Vaticano, Ali al-Samman quis expressar o seu ponto de vista.
Vamos começar falando do ataque à Igreja Copta de Alexandria, no Egito, em 31 de dezembro. O que você acha deste fato doloroso?
Ali al-Samman: Tudo o que aconteceu em Alexandria é mais que um evento desagradável, e o que me machuca ainda mais é ter sabido depois que a responsabilidade foi imputada a uns funcionários do serviço de segurança. Além disso, o que me irrita em tais eventos é o atraso da condução das investigações e a demora na punição dos culpados, o que em si é mais perigoso do que o próprio evento.
Por que assistimos, ultimamente, uma crescente violência religiosa no Egito?
Ali al-Samman: Em minha opinião, uma das principais razões para a sedição religiosa é a demora da punição. Por exemplo, referindo-se ao caso de Al Kamouni, que matou alguns coptas na cidade de Nag Hammadi, ele demorou um ano inteiro para receber uma sentença; isso significa que estamos lidando com um fato desagradável. Portanto, mais de uma vez, em artigos e entrevistas de televisão, insisti sobre o fato de que é necessário trabalhar na elaboração de leis relacionadas com as manifestações religiosas que ameaçam a segurança da nação e é necessário aplicar medidas excepcionais e rápidas. Ainda permanece o extremismo, que é o pai espiritual de todos esses crimes.
Como você avalia as reações ao comentário do Papa Bento XVI sobre o que aconteceu em Alexandria?
Ali al-Samman: Quando certas expressões são utilizadas por um líder, a avaliação que se segue é sempre mais difícil, e as afirmações dão a impressão de que há uma autoridade que protege os cristãos do Oriente; isso traz à mente os velhos sentimentos sobre a proteção desta facção dos cristãos árabes, que a história recorda como aqueles que ajudaram os irmãos muçulmanos frente às invasões estrangeiras.
Mas o que Bento XVI disse merecia tal oposição de Al-Azhar, que interrompeu os canais de diálogo com o Vaticano?
Ali al-Samman: Pessoalmente, não concordo com a posição de Al-Azhar, no sentido de que, se eu tivesse sido o responsável, não teria bloqueado o diálogo dessa forma. Talvez eu preferisse um período de transição, durante o qual realizaria reuniões para chegar a uma solução mutuamente satisfatória, sem ter que congelar o diálogo.
Obviamente, quando falo de relações entre Al-Azhar e o Vaticano, falo de um dos períodos mais importantes da minha vida, quando eu era responsável pelo diálogo inter-religioso da época do xeique Jad al-Haq, e até a assinatura, em 1998, do acordo com o Vaticano, com o xeique Mohammed Tantawi.
Então, teria preferido uma reação mais prudente?
Ali al-Samman: Sem dúvida, principalmente pelo fato de que dentro do Vaticano há um grande número de pessoas capazes de atuar como intermediários para resolver a crise com o menor dano possível. São importantes, neste assunto, os cristãos do Oriente Médio, seus interesses, sua presença e o que podemos fazer por eles. Acredito que as palavras do Papa em relação ao Egito foram influenciadas pelo ataque anterior à Igreja no Iraque. Isto também pode ter influenciado o tom de suas declarações.
O que você acha da reação do Ministério das Relações Exteriores, que convocou a embaixadora na Santa Sé para consultas?
Ali al-Samman: Eu não posso criticar a posição do Ministério de Relações Exteriores. Eles devem cumprir as suas próprias regras diplomáticas. O que é certo é que isso reflete o estado de insatisfação produzido pelas palavras do Papa, ainda que a diplomacia, de fato, tenha outras funções, que vão além das reações casuais. E é sempre melhor deixar a porta aberta para analisar e rever estas problemáticas.
Há vozes muçulmanas na Europa que consideraram errada a decisão ao cortar as relações com o Vaticano. O que você acha?
Ali al-Samman: Sem dúvida, os que moram na Europa estão em contato com uma realidade diferente e convivem na sociedade europeia com outras vozes, que conhecem uma linguagem de harmonia e cooperação. E nós temos uma necessidade real destas vozes.
Fonte: Zenit.
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