Os bispos católicos do norte da África (Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia), unem o apelo do Papa, lançado no último dia 27 de março, a uma solução diplomática na Líbia, destacando que tal intervenção deve "levar em consideração as aspirações à liberdade e à cidadania responsável".
Dom Vincent Landel, arcebispo de Rabat e presidente da Conferência Episcopal das Regiões do Norte de África (CERNA), explica, nesta entrevista a ZENIT, como nasceu a revolução na terra de Khadafi e as aspirações dos jovens, verdadeiros promotores da mudança. Uma proposta, finalmente, para frear os enormes fluxos migratórios dos últimos meses, agravados pelos acontecimentos do continente africano.
Muitos observadores falam de uma primavera do mundo árabe que pegou de surpresa o Ocidente. O que o senhor acha disso?
Dom Landel: Eu acho que esta é realmente uma "primavera", porque é algo que se vê que quer nascer. E como todo nascimento, surgem umas fases que devem ser atravessadas e problemas que devem ser superados, especialmente por aqueles que estão em dificuldade, porque eles nunca tiveram a oportunidade de se expressar...
Embora não se possa negar que o que está em jogo é o elemento político, a gota d'água em tudo isso foi o mal-estar social. Foi uma surpresa que, nesta forte expressão da vontade popular, os manifestantes não se tenham deixado manipular por este ou aquele partido, seja político ou religioso. Eles souberam ser vigilantes, passando por uma "purificação política e social". Não se deixaram seduzir nem se venderam.
Por trás destas insurreições está o povo, se não todo, pelo menos uma categoria muito concreta de pessoas: os jovens, formados e desempregados, frustrados, sem trabalho, sem casa, sem perspectivas.
Dom Landel: É verdade, não é todo o povo, porque em cada país há pessoas que se aproveitam do regime existente ou que não estão prontas para a mudança. No entanto, o motivo dessas mudanças foi "o apelo à liberdade, à dignidade, à justiça", de pessoas que, forçadas à submissão, decidiram se tornar cidadãs responsáveis. Nunca houve um desejo de restrição religiosa. São os jovens desempregados e formados, os representantes de todos os excluídos da sociedade, que não têm emprego, habitação decente e nem sempre têm uma boa educação. Assim também é a classe média, que, embora tenha uma ocupação, não está no poder e vê seu futuro se fechando no horizonte.
As relações entre cristãos e muçulmanos: para o senhor, estão unidos na luta pela democracia e na resolução das injustiças sociais?
Dom Landel: Do pouco que sei sobre o Oriente Médio, essas "revoluções" não tocaram nunca a esfera religiosa. Também no Egito vimos os jovens muçulmanos e cristãos se manifestarem no mesmo lugar, orgulhosos da sua própria fé e da sua cidadania. São os egípcios, portanto, em sua totalidade, os que derrubaram o regime. Em muitos países ocidentais se tem medo, no entanto, de que os partidos religiosos extremistas tomem o poder. Eu realmente acho que os jovens não estão dispostos deixar que sua própria revolução seja roubada. Talvez tenham sido "extremistas", mas quando havia um regime autoritário. Nesta nova realidade, estão se tornando, no entanto, muito mais moderados.
Em todo o Oriente Médio, a pessoa é cristã e cidadã, com direitos e deveres iguais aos dos muçulmanos e aos de outras pessoas de diferentes credos. No entanto, nos países do Magrebe (Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos), os cristãos são, de fato, "estrangeiros" e, portanto, não podem ser considerados propriamente cidadãos. Além disso, os cristãos do Magrebe são uma pequena minoria, que chega a estas terras apenas por um curto período de tempo, por razões de trabalho ou estudo. Aqui, os cristãos estão envolvidos no desenvolvimento do país, comprometidos com uma maior justiça social: aspiram a um direito de cidadania democrática do qual não podem desfrutar.
Dito isso, cada um do seu lugar, há um respeito mútuo. E não serão estes acontecimentos que destruirão os laços criados ao longo dos anos. E embora essa palavra tenha sido usada em ambas as costas do Mediterrâneo, não falamos de "cruzada". É verdade que, para um árabe, o ocidental é um cristão. E que, para um ocidental, o árabe é necessariamente um muçulmano; no entanto, estes são falsos atalhos. Não transformemos o que está acontecendo em uma "guerra de religiões".
Estes acontecimentos levaram a traslados de populações: de fato, a crise do mundo árabe acelerou o processo de migração e mais de 8.500 pessoas desembarcaram na Itália, em janeiro passado, enquanto outras se arriscam a não ser bem recebidas. Que políticas migratórias - extremamente específicas e realizáveis - o senhor sugeriria?
Dom Landel: É verdade, especialmente no caso da Líbia, que, aqueles que tinham uma embaixada de referência, retornaram ao próprio país; mas "os mais pobres dos pobres", incluindo os etíopes, eritreus e os muitos subsaarianos se encontram na Líbia, não por trabalho, mas por estarem em trânsito rumo à Europa. E agora estão vagando pelas ruas, na esperança de encontrar um contrabandista que lhes permita cruzar o mar.
A intervenção dos ocidentais continua dividindo. As divisões no seio da comunidade internacional continuam e, gostemos ou não - como o senhor disse em um comunicado -, a guerra no Oriente Médio será sempre percebida como uma "cruzada". De onde é preciso começar para dialogar e tentar encontrar uma solução pacífica?
Dom Landel: Sim, usamos o termo "cruzada" na declaração da Conferência Episcopal da Região do Norte da África (CERNA), e fizemos isso porque ele foi usado em ambas as costas do Mediterrâneo, mas nossa a intenção não é criar uma questão de guerra de religião. Trata-se simplesmente de um apelo urgente a uma maior liberdade, dignidade e justiça, a se tornarem cidadãos responsáveis e não dirigidos. Mas, no nosso caso, quero afirmar, na esteira do que o Santo Padre disse, que "a guerra não resolve nada e, quando ela explode, é incontrolável como uma explosão de um reator nuclear".
Fonte: Zenit.
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