segunda-feira, 28 de junho de 2010

Defender os direitos da mulher na Etiópia

O jesuíta colombiano que exerce seu ministério como vigário de Soddo, Etiópia, assumiu a causa dos direitos da mulher como uma de suas prioridades.
Ensinar aos etíopes a verdade evangélica de que homens e mulheres são iguais na dignidade é um desafio que deve ser enfrentado especialmente neste país, afirma Dom Rodrigo Mejía Saldarriaga.
O vigário apostólico de Soddo nasceu em Medellín, Colômbia, em 1938. Chegou à África pela primeira vez em 1963. Após 20 anos na República do Congo, passou 14 anos no Quênia, e agora está há 12 anos na Etiópia.
Nesta entrevista, o bispo fala dos desafios do ecumenismo na Etiópia e por que fez da defesa dos direitos da mulher uma de suas prioridades.
ZENIT: É difícil ser bispo de uma comunidade pequena? (A Etiópia é majoritariamente uma nação ortodoxa e protestante com somente uma pequena presença católica).
Dom Mejía Saldarriaga: Diria que existem vantagens e desvantagens. O fato da comunidade não ser muito grande faz com que não haja muitas preocupações com administração, mas o fato da comunidade ser pequena também coloca grandes desafios pastorais, sobretudo nas relações com outras Igrejas.
ZENIT: Pode-nos dar exemplos destas relações?
Dom Mejía Saldarriaga: Somos todos cristãos: Igrejas Católica, Ortodoxa e Protestantes. A Igreja Ortodoxa, sendo a Igreja original na Etiópia, coloca-nos desafios; desafios para entrar em diálogo e em relações ecumênicas com eles.
ZENIT: É possível este diálogo com a Igreja Ortodoxa?
Dom Mejía Saldarriaga: Penso que é possível, sobretudo no âmbito pessoal. Neste patamar diria que temos boas relações com os bispos e sacerdotes locais. É mais difícil no âmbito nacional porque isso implica acordos e políticas.
ZENIT: Poderia nos dar exemplo de um de seus diálogos com a Igreja Ortodoxa?
Dom Mejía Saldarriaga: Um dos principais diálogos é a colaboração de todos os líderes religiosos pela paz. Durante a última guerra com a Eritreia, os líderes religiosos se reuniram e publicaram uma declaração conjunta a favor da paz. Convidaram todos a participar nesta luta pela paz.
ZENIT: O senhor se expressou com notável amplitude a favor dos direitos da mulher. Por que isso é necessário?
Dom Mejía Saldarriaga: É necessário porque é um dos aspectos da cultura africana que requer a evangelização. O Papa Paulo VI, na encíclica Evangelii Nuntiandi, destacava o fato de que é a cultura que deve ser evangelizada. É neste ponto, acredito, que a cultura africana precisa que o Evangelho lhe diga que as mulheres têm exatamente a mesma dignidade humana que os homens e, por isso, não podem ser tratadas como cidadãos de segunda classe.
ZENIT: Como pensa em alcançar isso pela Igreja?
Dom Mejía Saldarriaga: Acredito que um dos métodos mais eficazes é por meio da educação. Se educarem as mulheres, serão mais apreciadas e poderão ser capazes de atuar como cidadãs da sociedade.
ZENIT: Por que o senhor luta, assim dizendo, pelos direitos da mulher?
Dom Mejía Saldarriaga: Porque desde que cheguei a este vicariato na Etiópia me dei conta de que, em comparação com outros países africanos nos quais vivi, aqui o papel da mulher está desvalorizado. Tive muito boas experiências de trabalho pastoral tanto no Congo como no Quênia, com mulheres catequistas, líderes de pequenas comunidades cristãs e como colaboradoras. E quando tentei fazer o mesmo na Etiópia, a partir dos mesmos princípios, deparei uma grande resistência e medo dos homens, inclusive má interpretações. Por isso, disse para mim mesmo que havia um desafio e que requeria evangelização neste setor.
ZENIT: Também tem de evangelizar os homens?
Dom Mejía Saldarriaga: Sim, e toda a sociedade, especialmente os jovens; para mudar suas mentalidades e lhes mostrar que vivemos neste mundo e somos todos iguais e para ensiná-los os direitos humanos e que estes direitos se aplicam a todos.
ZENIT: Como ensinará estes direitos humanos? Existem colégios católicos?
Dom Mejía Saldarriaga: Sim, temos. Temos 16 escolas primárias e três secundárias em nosso vicariato. A Igreja Católica esta por toda parte da Etiópia devido à educação, qualidade e ao número das instituições educativas católicas.
ZENIT: Quais tipo de estudante vem para estas escolas?
Dom Mejía Saldarriaga: Estão abertas a todos. Esta é a característica das instituições católicas tanto educativas como de saúde. Servimos a todos e não somente aos católicos. Podemos ser uma minoria, mas nossas instituições estão abertas a todos e o governo e as demais Igrejas apreciam isso.
ZENIT: Há, contudo, muitas tribos em sua diocese. Até que ponto é importante preservar estas tradições tribais?
Dom Mejía Saldarriaga: É uma diocese multicultural e rural. Encontra-se a cerca de 400km ao sul de Adis Abeba, na fronteira com o Quênia. Estas tradições estão muito vivas e é importante preservá-las, porque há grandes valores nelas. Não podemos simplesmente destruir estes valores culturais e tribais sem substituí-los com algo melhor. Isso causaria um grave dano às pessoas e às gerações que virão.
ZENIT: Esses valores podem-se combinar com os valores da Igreja Católica?
Dom Mejía Saldarriaga: Muitos deles sim, especialmente a solidariedade, por exemplo, o respeito pela vida humana, o serviço e os valores familiares - a unidade e a coesão familiar são valores tradicionais africanos -, e outros como a hospitalidade.
ZENIT: São muitos os membros de tribos de sua diocese católicos ou ortodoxos?
Dom Mejía Saldarriaga: Pertencem a diversas confissões - ortodoxos, protestantes e também muçulmanos. As tribos ao sul do rio Omo são mais primitivas que as demais e não foram evangelizadas. Há 16 tribos ali, e elas praticam as religiões tradicionais africanas.
ZENIT: Isto está dentro de sua diocese?
Dom Mejía Saldarriaga: Sim, continua sendo minha diocese e é um desafio para nós.
ZENIT: Como lida com estas tribos?
Dom Mejía Saldarriaga: Tentamos estar presentes entre elas, mas é um desafio em termos pessoais - sacerdotes, religiosos, irmãs, além dos desafios econômicos que são requeridos para construir infra-estrutura para estarmos presentes lá.
ZENIT: Qual o lema escolhido pelo senhor ao se converter em bispo?
Dom Mejía Saldarriaga: Elegi o novo mandamento de Jesus: "Amai-vos uns aos outros". Escolhi este lema porque me dei conta de que, especialmente na região onde sou bispo, há muito tribalismo e divisão, o que causa tensões, e quero trazer esta mensagem fundamental a meu vicariato.
ZENIT: Que idioma utiliza?
Dom Mejía Saldarriaga: Utilizo a língua amárica, que aprendi em Adis Abeba, e durante a época do imperador Haile Selassie esta era a língua oficial. Agora, a situação mudou e a Etiópia é uma república federativa e os diferentes Estados desenvolveram suas línguas locais. Em meu vicariato, utilizam-se ao menos quatro línguas diferentes. Não conheço todas, mas uso o amárico porque é usado pela geração adulta. Aprendi a ler nas outras três línguas locais para celebrar a Eucaristia.
ZENIT: Contudo, o senhor se sente um missionário na Etiópia?
Dom Mejía Saldarriaga: Sim, tecnicamente me considero um missionário na Etiópia, posto que por missionário se compreende quem vem de outro país - a noção tradicional de missionário. Vejo-me, contudo, como um servo da Igreja local na Etiópia.
ZENIT: O senhor se sente mais africano do que sul-americano?
Dom Mejía Saldarriaga: Diria que sim. Não sou muito consciente disso quando estou na África, mas me dou conta quando volto à Colômbia. Sinto-me como um estrangeiro em meu próprio país
ZENIT: Qual é sua esperança para a Igreja Católica na Etiópia?
Dom Mejía Saldarriaga: Não podemos prever o futuro, mas minha esperança é que a Igreja Católica seja mais aceita; que os preconceitos contra a Igreja Católica sejam eliminados e que possamos entrar em um melhor diálogo com a Igreja Ortodoxa. Também espero sobretudo que tenhamos liberdade completa e possibilidades para nossas instituições. A Igreja Católica embarcou agora em um grande projeto para começar uma universidade católica no país, localizada Adis Abeba.
ZENIT: Como podemos colaborar com a Igreja Católica etíope?
Dom Mejía Saldarriaga: Em primeiro lugar, podem fazer o que agora mesmo estão fazendo com esta entrevista, dar-nos a oportunidade de ser conhecidos por outros católicos do mundo. Fazer-lhes saber que, ainda que a Igreja seja pequena, está presente ali. Da Igreja universal também esperamos apoio moral e orações assim como assistência econômica, que sempre é necessária.
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Esta entrevista foi realizada por Marie-Pauline Meyer para "Deus Chora na Terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network, (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt

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