segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Emigrar não é um pecado

A sociedade americana está polarizada no que diz respeito à legalização dos imigrantes sem documentos, o que na prática é um atraso de quase 25 anos desde a última “anistia” de 1986. ZENIT conversou sobre este tema com Dom Anthony Taylor, bispo de Little Rock, em Arkansas, diocese com cerca de 90% ilegais entre a população hispânica.
ZENIT: Como qualifica a recente proposta de alguns senadores republicanos de revisar a emenda 14 da Constituição que outorga a cidadania a todo aquele nascido em território americano?
Dom Anthony Taylor: É uma proposta sem cabimento lançada por medo e ódio, mas com muito pouca possibilidade de ser aprovada, porque, como disse um assessor do Partido Republicano em declarações à imprensa: “Uma reforma constitucional requer grande maioria no Congresso, a aprovação do presidente e a ratificação por três quartos dos Estados”.
ZENIT: O senhor fez um chamado à sociedade norte-americana, a que responda à tradição de bons cidadãos e que acolha os imigrantes. Por que estamos diante dessa situação?
Dom Anthony Taylor: Creio que é por temor em se sentirem deslocados. Há medo do que é diferente e muitos se apegam porque o país está mudando, está ficando menos anglo-saxão, menos protestante e está surgindo uma sociedade mais diversa, inclusiva e mais variada na cultura.
ZENIT: Há alguns anos, foi firmado em Oklahoma uma carta que os representantes da Igreja convidaram à “desobediência civil”. Agora que aparecem outras leis anti-imigratórias como a do Arizona, o senhor reitera esse apelo?
Dom Anthony Taylor: Sim. Invocamos as pessoas a que não se pode obedecer uma lei injusta. E a Igreja disse muito claramente então que é um pecado obedecer uma lei injusta.
ZENIT: Por que essa lei é injusta?
Dom Anthony Taylor: Toda pessoa tem direito de ser provida do necessário para sua família. Se não pode fazer em seu lugar, pode migrar para o interior ou outro país. Este é um direito que Deus nos outorga e não provém de nenhum Estado. O Estado pode aprovar leis para favorecer estes processos de imigração e proteger os interesses legítimos do país de recepção. Mas não pode tirar de alguém o direito de migrar, se for a única forma de sustentar a família. As leis atuais de imigração dos Estados Unidos têm essa finalidade: impedir a imigração e não facilitar a adaptação das pessoas que migram.
ZENIT: Estar ilegalmente nos EUA é um pecado?
Dom Anthony Taylor: Não. Melhor dizendo, é um pecado estrutural da sociedade contra eles. Não é pecado para quem exerce seu direito humano de tentar se prover do necessário. Hoje, as pessoas sentem-se rejeitadas e desapreciadas; ainda que sem ódio, mas com tristeza e decepção.
ZENIT: Não há facilidades para a chegada dos imigrantes aos EUA?
Dom Anthony Taylor: É que há um limite máximo que se outorga a cada país (o México tem o mesmo limite que Luxemburgo ou Liechtenstein, que são pequenos). Se algum pobre quiser migrar do México, não pode, porque todos os vistos estão comprometidos em reunificação familiar. Para piorar, os que se reunificam levam 16 ou 17 anos para se oficializar. Isso tem o propósito de impedir a imigração. Contudo, 500 mil pessoas vêm do México a cada ano. O nefasto nisto é que algumas das indústrias do país estão muito satisfeitas, porque assim podem se aproveitar dos imigrantes ilegais para pagar-lhes menos e explorá-los.
ZENIT: O Senado não é consciente disso? O senhor sabe se há vontade de modificar algo?
Dom Anthony Taylor: Falei com dois senadores (uma democrata e um republicano) de Arkansas e eles estão conscientes da necessidade de fazer uma reforma migratória, mas não querem sacrificar seu futuro na tentativa. Atualmente, nas campanhas, usa-se o medo para motivar a ir às urnas e votar contra algum político que não defenda a fronteira suficientemente.
ZENIT: Alguns políticos e jornalistas criticam que a Igreja apoie a reforma somente para aumentar o número de católicos...
Dom Anthony Taylor: A Igreja busca o que é justo sem se importar com a religião. Apoiamos muito a luta dos afroamericanos, apesar de que pouquíssimos fossem católicos. É falso também que o façamos pela contribuição econômica, pois diante de situações muito difíceis que são vividas em seus países, eles apoiam suas famílias enviando-lhes ajuda.
ZENIT: Quais são os números atuais de imigração?
Dom Anthony Taylor: Difícil saber ao certo. Dizem que são 12 milhões de hispânicos ilegais. Desses 12 milhões, 60% permanecem quando vence o visto, e o restante entra pela fronteira sem autorização. Acredita-se que mais de 90% dos imigrantes hispânicos chegam sem documentos.
ZENIT: Em uma recente reunião regional de bispos mexicanos e norte-americanos foi dito que não há melhoras, inclusive há a advertência de que a política de fronteiras fracassou...
Dom Anthony Taylor: Eu tenho dito nestas reuniões que a fronteira entre Estados Unidos e México é a maior (e de fato também a única) entre um país de primeiro e um de terceiro mundo, e que é impossível fechá-la. O melhor modo de dar segurança ao país será com leis migratórias que as pessoas possam cumprir.
ZENIT: Qual proposta a Igreja apresentou para começar?
Dom Anthony Taylor: Como fizemos na anistia de 1986, muitas paróquias se organizaram para ajudar as pessoas a juntarem os papéis e assim comprovar sua estadia no país. Foram ajudados com formulários, porque, mesmo quando estavam escritos em espanhol, muitos eram analfabetos e não podiam preenchê-los. Daquela vez, a anistia alcançou 3 milhões e pudemos fazer a partir do nível paroquial.
ZENIT: Deve haver outra anistia?
Dom Anthony Taylor: Minha opinião pessoal é que a palavra “anistia” não é adequada, porque isso presume que a pessoa fez algo mau e estamos perdoando-a. E não é assim. Os que buscaram um futuro para sua família fizeram algo bom e o mau foram as leis injustas. Devemos dar acolhida às pessoas e até perdir-lhes perdão pelo que sofreram, ainda que esta não seja a atitude do país...
ZENIT: Os políticos ofereceram à Igreja fazer algo no ano seguinte?
Dom Anthony Taylor: Não sei se os políticos vão fazer algo no ano seguinte, mas seja assim ou não, o que vai passar é que as pessoas continuarão vindo. E aqueles nascidos aqui não vão esquecer como seus pais foram tratados e isso vai influir muito no futuro da política do país; vejo que haverá ressentimento. É lamentável que os políticos não busquem mesmo que no longo prazo o bem do país, tal como pode-se ver na política de saúde, economia e agora na imigração...
ZENIT: Finalmente, qual o grau de esperança que o senhor tem na reforma migratória?
Dom Anthony Taylor: Eventualmente eu acredito, mas neste ano duvido. As eleições de novembro já estão aí e é difícil que façam algo. Um fator a considerar é que alguns querem que o presidente atual fracasse, como tentaram com a reforma da saúde. Então não tenho opinião sobre o assunto, eles querem que ele falhe.

Fonte: Zenit. (José Antonio Varela Vidal)

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