A Igreja em Gâmbia está preparada para ser autossuficiente, com um bom número de sacerdotes e religiosos nativos, mas ainda precisa encontrar um financiamento adequado, segundo afirma o bispo da única diocese do país, Banjul.
Dom Robert Ellison é o pastor de toda a nação de Gâmbia, que está situada dentro de Senegal, com uma população quase totalmente muçulmana (90%). Esta é uma das razões pelas quais a Igreja local tem muito a oferecer ao mundo, segundo o bispo: é um exemplo de como duas grandes religiões vivem juntas, com espírito de respeito e entendimento.
Nesta entrevista, Dom Ellison fala sobre seu país missionário e revela como descobriu sua vocação a evangelizar.
O senhor é o único bispo de Gâmbia e também é missionário. Existe alguma contradição nisso?
Dom Ellison: Não, porque fui missionário em Gâmbia desde os anos 70. Quando cheguei a Gâmbia, em 1979, justamente depois da minha ordenação, havia 22 missionários espiritanos irlandeses (sou missionário da Congregação do Espírito Santo; somos chamados de "espiritanos" para abreviar e sou membro da província irlandesa dos espiritanos). Havia, então, 22 espiritanos irlandeses; naquela época, não havia sacerdotes gambianos. Os primeiros sacerdotes gambianos da era moderna, como os chamamos, foram ordenados em 1985. Houve 2 antes, se nos remontamos à primeira parte do século 20. Um deles morreu logo, pelas febres, e o outro, de forma natural, mais tarde.
O senhor agora é bispo em Gâmbia e pertence aos padres espiritanos.
Sempre estiveram em Gâmbia. Por quê?
Dom Ellison: Não havia outros sacerdotes, como comentei; não houve tampouco outras congregações, provavelmente porque Gâmbia é um país muito pequeno. Só existe uma diocese e a maioria das pessoas é muçulmana. Há entre 40 e 50 mil católicos em todo o país.
Sua congregação foi a primeira em chegar a Gâmbia para evangelizar?
Dom Ellison: Sim, isso mesmo. Chegamos em 1849, três anos antes da morte do nosso fundador. Os homens que chegaram primeiro foram da França (porque fomos fundados na França), mas, no começo do século 20, os missionários irlandeses começaram a chegar, porque a província foi fundada na Irlanda para ir ao encontro das necessidades dos países de fala inglesa na África Ocidental. Nosso fundador (o carisma do nosso fundador ou sua orientação geral, ou visão do que queria que nossas congregações fizessem) se envolveu na tarefa da evangelização, especialmente dos escravos que eram libertados das Índias Ocidentais e da América, com a abolição da escravatura; a abolição ativa do comércio de escravos aconteceu em 1837; ele começou nossa congregação em 1845 e os primeiros missionários chegaram em 1849. Foi assim que os espiritanos se envolveram com o trabalho em Gâmbia.
O senhor tinha ouvido falar de Gâmbia antes de ser enviado para lá?
Dom Ellison: Oh! Sim, sim. Nasci em Dublin (Irlanda), em Blackrock, uma cidade a 6 milhas ao sul da capital, e frequentei a escola dos espiritanos de lá no Ensino Fundamental e Médio. Assim, desde os 6 anos de idade, comecei a me submergir no que os espiritanos estavam fazendo, não só como educadores na Irlanda, mas também como missionários na África.
É por isso que o senhor decidiu tornar-se missionário?
Dom Ellison: Aos 6 anos, eu não pensava em nada parecido, mas me impressionaram os sacerdotes que lecionavam (havia alguns professores leigos, mas em geral eram sacerdotes), alguns dos quais tinham voltado das missões e outros estavam em Gâmbia. Assim, naquela época, ao terminar os estudos no Blackrock College (Williamstown) condado de Dublin, aos 17 anos minha mente tinha bem claro o que eu queria ser.
Olhando para trás... o senhor voltaria a fazer isso?
Dom Ellison: Sim, certamente. Mas eu não gostaria de voltar a passar por tudo novamente.
O senhor foi capaz de ser um verdadeiro missionário em Gâmbia?
Dom Ellison: Tive muitas e diferentes experiências de missão em Gâmbia. Quando cheguei, o bispo daquela época (o primeiro bispo irlandês, Dom Maloney) me pediu que fosse ao nosso instituto em Gâmbia, o Instituto de Santo Agostinho. Nós o comparávamos com o Blackrock College de Dublin. Era um instituto muito bem conduzido e disciplinado. Assim, lecionei lá durante um ano. Depois, tive a experiência da paróquia da catedral. Estive lá no começo, mas 2 ou 3 anos depois me enviaram a Roma para realizar um curso sobre o Islã. Foi a primeira vez que ele era dado em inglês, no Pontifício Instituto de Estudos Árabes Islâmicos. Naquela época, só havia 4 estudantes. Eu era um deles; havia também uma irmã franciscana do Paquistão, um sacerdote da Tanzânia e um sacerdote da Nigéria. Sendo assim, recebemos um tratamento especial.
Como isso o ajudou, quando voltou a Gâmbia, um país 90% muçulmano?
Dom Ellison: Eu senti que me era mais fácil e mais cômodo encontrar-me com as pessoas, porque eu sabia que talvez elas não conhecessem tanto de mim (como eu delas, sobre sua própria religião). Eu sabia que havia algumas coisas que elas tentavam viver todos os dias. Penso em algumas coisas, mas suponho que as mais óbvias que podem ser experimentadas como visitante ou como missionário no país são as práticas da fé muçulmana. Você não pode viver em um país muçulmano como Gâmbia sem saber que se levantam às 5h30 ou 6h para a chamada do muezzin, o homem que chama as pessoas para a oração da manhã, antes do amanhecer; você não pode continuar dormindo.
Isso o ajuda em sua própria vida de oração?
Dom Ellison: Exatamente: você tirou as palavras da minha boca. É um recordatório imediato de que, pelo menos como sacerdote, devo ser fiel aos 5 momentos do dia em que se supõe que um sacerdote deve rezar o Ofício Divino ou Liturgia das Horas, como o chamamos. E senti que aqui havia uma oportunidade para animar e inspirar nossos próprios católicos e nossos cristãos: seus irmãos e irmãs muçulmanos são muito fiéis às suas orações, e aqui temos a oportunidade de aprender, não em um sentido de competição, mas como um apoio para que demos culto a Deus da mesma forma.
A Igreja Católica tem a possibilidade de evangelizar em Gâmbia?
Dom Ellison: Se você diz "evangelizar", sim, estamos evangelizando o tempo todo, mas sem fazer proselitismo, e acho que temos que ser claros nisso. Os muçulmanos em Gâmbia, geralmente, são pessoas muito pacíficas. São muçulmanos moderados. Querem paz. Respeitam o que estamos fazendo, mas há limitações. Uma ou duas vezes, abrimos as missões em diversos lugares das zonas rurais, com a vontade de evangelizar os jovens por meio das nossas instituições educativas.
O que acontece?
Dom Ellison: Nessas escolas de Ensino Médio, às vezes pudemos conseguir a autorização para batizar os alunos, mas assim que deixam o colégio e voltam à sua própria aldeia e às suas comunidades, voltam quase automaticamente à sua fé muçulmana, devido à pressão social. Isso não significa que todos esses meninos e meninas que estão batizados deixem de seguir sua fé cristã, mas a maioria sim.
Como missionário, o senhor sente que é um sofrimento não poder evangelizar essas pessoas?
Dom Ellison: Não. Acho que evangelizar - proclamar a boa notícia do Evangelho - é muito mais do que simplesmente incorporar mais seguidores à nossa própria instituição católica, e alguns podem não estar totalmente de acordo com isso, mas acho que a meta ou o propósito principal de Jesus em sua tarefa de pregar o Evangelho foi converter as pessoas em seu coração, antes de mais nada. Veja o número de pessoas, as multidões às quais Ele falou... Mas no final da sua vida terrena, havia cerca de 120 discípulos. Ele deve ter falado a milhares; muitos deles o seguiram, queriam ouvir o que Ele dizia, mas não se converteram formalmente em seus discípulos. Acho que o mais importante que a Igreja Católica pode fazer em situações como esta é, antes de tudo, respeitar os valores religiosos de uma religião como o Islã; tentar incentivá-los a ser fiéis aos seus próprios valores e a dar testemunho desses valores por meio da nossa vida, da nossa própria fé. Os valores do amor, da compaixão, do perdão, da compreensão e do respeito mútuo. E deixar o resto por conta de Deus, do Espírito Santo.
O senhor é bispo há 2 anos. Isso significa que o senhor pode ser um exemplo de verdade. Como faz isso?
Dom Ellison: Bem, não acho que me comporto de maneira diferente como bispo de como o fazia como sacerdote, exceto que agora, como principal pastor da diocese no que concerne aos sacerdotes, religiosos e leigos, devo tentar motivá-los e inspirá-los para trabalhar de acordo com estas diretrizes. Acho que é a verdadeira missão, uma importante parte da visão da nossa missão em um país como Gâmbia: ser fiéis à nossa própria fé em Cristo e deixar que o testemunho fale. Alguns vêm para nos pedir o Batismo, alguns que são adultos, não muitos, mas nós não forçamos o tema.
Gâmbia é muito pequena e está cercada por Senegal, com uma população católica maior, cerca de 6%. Que relação existe entre os católicos de Gâmbia e os de Senegal?
Dom Ellison: Eu diria que são as relações informais cotidianas entre famílias, tribos e pessoas dos dois países, porque as pessoas dos dois países são grupos éticos idênticos, em ambos os lados da fronteira. A única coisa que divide os dois países é que um foi colonizado pelos franceses e o outro, pelos britânicos, e isso causou uma pequena barreira de divisão, mas as famílias estão plenamente integradas em ambos os lados da fronteira.
Que porcentagem de católicos e muçulmanos há nessas tribos?
Dom Ellison: Em Gâmbia, o maior grupo é o dos mandingos (mandinkas). Os mandingos são uma tribo muito pobre, originária da Guiné portuguesa, Guiné-Bissau. Emigraram a Gâmbia porque pensavam que haveria mais oportunidades para cultivar, fazer negócios ou para a vida em geral. Agora se tornaram o maior grupo em nossa igreja. Bebem vinho de palmeira, que não é permitido pelos muçulmanos, e comem carne de porco, e por isso os muçulmanos não os incentivam a tornar-se muçulmanos.
Que relação se dá entre a Igreja Católica de Senegal e da de Gâmbia?
Dom Ellison: As relações melhoraram muito, eu diria, nos últimos 10 ou 20 anos, porque, conforme mais jovens gambianos se tornam sacerdotes, estes sacerdotes se relacionam de maneira mais natural uns com os outros e com mais facilidade que os antigos missionários irlandeses, devido à linguagem, porque a linguagem era uma barreira importante naquela época. A maioria dos antigos missionários em cada lado da fronteira, se era francesa, não falava inglês, e se era inglesa, não falava francês. Mas agora os sacerdotes gambianos falam a língua dos sacerdotes senegaleses em geral e não há problemas de linguagem; além disso, certamente, eles se misturam mais facilmente. Desde que sou bispo, já recebi numerosos convites de bispos senegaleses para comemorar minha ordenação, porque falo francês... ou melhor, porque "me viro" em francês.
O senhor gostaria que, um dia, algum sacerdote gambiano ocupasse seu lugar?
Dom Ellison: Certamente. Não é uma questão de querer: simplesmente será assim, não há dúvida. Há 2 ou 3 anos, tinha-se a expectativa de que o bispo seria gambiano, mas de alguma forma o Espírito Santo soprou e o Santo Padre pensou de outra maneira.
O que a Igreja em Gâmbia pode oferecer à Igreja Católica universal?
Dom Ellison: Eu mudaria um pouquinho a pergunta: não só a Igreja universal. Acho que Gâmbia é um país muito, muito pequeno, mas tem algo maravilhoso para exportar, Não consigo achar o termo apropriado...
Qual é?
Dom Ellison: É o espírito das duas maiores religiões, o cristianismo e o islamismo, que vivem um ao lado do outro em espírito de respeito e entendimento. Você conhece o mundo em que vivemos, tão destruído, tão dividido e com tantos conflitos, especialmente entre o mundo cristão e muçulmano; por isso, Gâmbia tem algo a oferecer, a testemunhar: é exemplo vivo de que é possível. Muito disso se deve à natureza do povo de Gâmbia. São amantes da paz. Eles mesmos se chamam de "a costa sorridente da África Ocidental" e há muita verdade nisso.
Quais são os desafios para o senhor e para a Igreja Católica em Gâmbia?
Dom Ellison: O grande desafio que existe neste momento é sua história, porque estamos avançando quase completamente rumo a uma autêntica Igreja local ou particular. Os sacerdotes e as religiões gambianos abundam. Os catequistas sempre foram gambianos. A Igreja em Gâmbia deve agora começar a enfrentar a necessidade de uma independência cada vez maior. Já conquistou essa independência em seu maravilhoso e jovem povo, mas carece de independência em termos econômicos e financeiros. Em 1990, cerca de 20 sacerdotes da diocese eram estrangeiros, muitos deles missionários irlandeses, e havia 5 sacerdotes gambianos, todos jovens.
Qual é a situação agora?
Dom Ellison: Hoje, há quase 20 sacerdotes gambianos e há 4 ou 5 missionários irlandeses que em breve se aposentarão. Assim, houve toda uma mudança em 15 anos. Era também mais fácil para o missionário daquela época, há 15 anos, conseguir financiamento na Europa, tanto no âmbito pessoal como oficial; isso já não é assim. Então, se vamos manter nossas estruturas, os compromissos e contribuições mais importantes do país - jardins de infância, escolas primárias e secundárias e institutos - temos as pessoas e o entusiasmo, mas o financiamento se torna um problema para sustentar e manter as estruturas que temos. E as agências de ajuda da assim chamada "Europa cristã" são muito reticentes na hora de dar dinheiro, se acham que será destinado às necessidades de evangelização, e acho isso muito triste. Você não pode falar de evangelizar sem também fazer um trabalho de desenvolvimento e um trabalho educativo. Seria uma compreensão muito intolerante da evangelização. Ninguém pode falar de um trabalho estritamente de desenvolvimento, se o trabalho de desenvolvimento não é integral; por isso, é preciso tentar não somente ajudar o corpo ou as necessidades materiais da comunidade, mas também valores como a honestidade, a justiça, o perdão, o entendimento, que ajudem as pessoas a viver em paz. Boa parte do trabalho de desenvolvimento na África não funcionou como deveria porque não há paz em muitos desses países. E não haverá paz enquanto não houver respeito aos valores religiosos.
Fonte: Zenit.
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