Entrevista com o frei Pierbattista Pizzabala
Por Chiara Santomiero
A pequena comunidade cristã na Terra Santa, cerca de 120 mil em Israel e 40 mil no território administrado pela Autoridade Palestina (1% da população total), resiste, apesar de todas as dificuldades, nos locais que assistiram à Encarnação e à experiência humana de Jesus, oferecendo um testemunho descontado de coragem e fé
Para saber mais, Zenit entrevistou o custódio da Terra Santa, frei Pierbattista Pizzaballa.
- Uma pergunta que não é nova: quais são os sentimentos em relação à presença dos cristãos na Terra Santa?
- Pizzaballa: Essa é uma pergunta que sempre nos fazemos e que deve sempre ser feita, porque a resposta nunca é a mesma. De fato, minha percepção pessoal em relação a essa questão muda com freqüência, assim como mudam as dinâmicas e as situações, de modo que é uma questão que deve ser sempre recolocada.
Mas sei concretamente o que não estamos aptos a ser: não podemos ser uma ponte entre a sociedade israelense e a palestina. Disse o Papa: a Terra Santa necessita “não de muros, mas de pontes”, e esta é uma grande verdade. Mas a comunidade cristã da região não pode servir de ponte entre essas duas sociedades, porque é composta basicamente de árabes palestinos; uma ponte que esteja mais de um lado do que do outro não pode unir. A comunidade cristã, portanto, exprime uma realidade única, mas ainda assim tem dado um testemunho importante. Primeiramente, trata-se de uma comunidade pacífica, não violenta. Não constitui ameaça para ninguém, e isso tem um significado muito importante.
Graças à presença da comunidade cristã chegam milhões de peregrinos, que trazem bem-estar econômico e social e isso é positivo. O nosso testemunho, porém, se expressa principalmente ali, simplesmente, como o de cristãos tentando viver o Evangelho, e a virtude que somos mais solicitados a expressar é a do perdão.
Jesus na cruz – do ponto de vista puramente humano -, morreu por uma terrível injustiça, como resultado de um processo falseado; e apesar disso, Ele perdoou. Este é o âmbito no qual nos cumpre atuar. O perdão não se pode doar, nem mesmo impor, o perdão é um caminho a percorrer. Não se presta a simplificações; antes de perdoar, é preciso entender e encarar o mal, defini-lo com muita verdade. É preciso ter respeito pelo sofrimento de pessoas nas quais foi infligida uma ferida. Ao mesmo tempo, devemos estar cientes de que a capacidade de perdoar deve direcionar o nosso olhar sobre a realidade.
Este é também o significado da presença da Custódia na Terra Santa. Somos uma pequena comunidade de 300 frades, de 32 nações diferentes - uma espécie de Babel! - tentando amar um ao outro, dando seu testemunho de que, não obstante as diferenças, é possível estar juntos. Gostaríamos de ajudar as pessoas, sem a presunção de revolucionar ou mudar o mundo, mas apenas colocando um pequeno sinal de partilha e de perdão.
- Como são as relações com os muçulmanos e judeus?
- Pizzaballa: São dois mundos completamente distintos. A relação com os muçulmanos remonta a séculos; os cristãos são árabes palestinos e vivem com muçulmanos que também são árabes palestinos; são crenças diferentes, mas um único povo que vive na mesma região. Trata-se de uma relação se dá no âmbito das instituições, a começar nas escolas.
Um dos aspectos fundamentais da comunidade cristã na Terra Santa, é que, na verdade, embora pequena, ela é muito viva e ativa - e justamente na escola. As 80 escolas cristãs existentes são freqüentadas tanto por alunos cristãos quanto muçulmanos e, portanto, desempenha um papel muito importante de mediação social.
Onde atuam as escolas cristãs, a relação entre muçulmanos e cristãos é harmoniosa, e isso se reflete na vida pública, porque as famílias se reúnem por causa das atividades escolares e assim se estabelece uma de confiança entre os dois grupos. Constatamos que onde não há escolas cristãs, os relacionamentos são mais difíceis de construir - faltam oportunidades públicas. O que se chama de diálogo inter-religioso e vivido no dia-a-dia, envolvendo todas as atividades da Igreja e em especial da escola.
Com os judeus, o relacionamento é diferente: não há possibilidade para diálogo no seio da Igreja porque Israel tem sua próprias instituições. A única forma de diálogo, ainda que não seja fácil, é do tipo cultural.
Recentemente, por exemplo, recebemos, como presente por parte da Província de Pádua, uma reprodução da Capela de Scrovegni, e que agora está em exibição no museu de Tel Aviv. A iniciativa tem atraído milhares de pessoas todos os dias, que, por meio de visitas guiadas, podem conhecer uma pouco da história da salvação, sob o ponto de vista cristão.
Mas não se pode esquecer que o conflito em curso tem seu peso: quando um cristão palestino fala de Israel, não está se referindo ao Israel bíblico de Jesus, mas aos check-points.
- É possível vislumbrar alguma perspectiva política de paz na Terra Santa?
- Pizzaballa: Neste momento, não parece haver muitas, por várias razões. Primeiro, porque já há um cansaço por parte de ambos os povos. A segunda razão é que não há – em nenhum dos dois lados – um líder forte e carismático com uma visão clara de paz, capaz de conduzir as pessoas e também de fazer as concessões necessárias.
A sociedade palestina, por sua vez, está dividida em duas partes por uma fratura profunda. A comunidade internacional, finalmente, para além de tantos discursos, não parece estar realmente decidida a dar passos concretos no sentido de pressionar as autoridades políticas a alcançar a paz. Continuamos nessa fase, que já parece interminável, das táticas e declarações, mas que não oferece nada de tangível que possa nos fazer acreditar que as coisas vão mudar a curto prazo.
- A visita do Papa em maio passado pôde deixar ecos positivos de diálogo?
- Pizzaballa: A visita de Bento XVI serviu para iluminar as relações tanto com a comunidade judaica quanto com a comunidade islâmica. Ainda assim, o impacto maior foi sobre as comunidades cristãs, que ainda falam do evento hoje de modo muito positivo, mencionando os discursos e gestos do Papa e as Missas públicas, que atraíram milhares de pessoas. Foi um momento forte, que uniu as comunidades cristãs, notoriamente divididas.
- O Papa esteve em Belém. Como está sendo vivido esse tempo do Advento na cidade vizinha ao muro de separação com Israel?
- Pizzaballa: É tocante constatar a cada dia a fé das pessoas. Nestas situações tão difíceis, redescobre-se sempre a oração. Há muita participação nas celebrações e rituais tradicionais que preparam para o Natal e para as estações que são montadas por toda a cidade para lembrar os vários episódios do Evangelho. Orar torna-se uma maneira de permanecermos unidos.
- Há uma mensagem de Belém, o lugar da Encarnação, para o Natal?
- Pizzaballa: A mensagem ainda é a mesma de sempre: Deus continua a visitar-nos através de Jesus, que continua a nascer e a ser uma fonte de renovação. Mesmo que as coisas permaneçam as mesmas, podemos mudar nossa maneira de vê-las. Apesar de tanta violência e morte, ainda há muitas pessoas que desejam se envolver e doar-se à sua terra, sua gente e sua Igreja. Esses são sinais de força, renovação e esperança, para a Terra Santa e também para outras regiões. A Terra Santa pertence a nós, nós pertencemos à Terra Santa. Nossa fé nasceu ali, e continua a nascer. Por isso, devemos acompanhar de perto o que ocorre na região.
Fonte: Zenit.
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