quinta-feira, 19 de novembro de 2015

África Central: o único baluarte contra a loucura da guerra é a Igreja

O Ano Santo da Misericórdia será um jubileu “atípico” por muitas razões. Uma delas é a abertura da Porta Santa não só em Roma, mas em todas as dioceses do mundo, em dias diferentes.

Ainda mais surpreendente, no entanto, foi a decisão do papa Francisco de abrir a primeira Porta Santa em Bangui, no dia 29 de novembro, durante a sua visita pastoral à República Centro-Africana.

O Jubileu começará assim numa das "periferias" mais esquecidas da terra: um país onde à miséria omnipresente se juntou a tragédia de uma guerra civil que parece um túnel sem saída, completamente ignorado pela comunidade internacional.

Neste cenário perturbador, o único vislumbre de esperança verdadeira é representado pela Igreja católica e pelos seus corajosos missionários. Um deles é o pe. Aurelio Gazzera, 53 anos, carmelita, italiano.

Na África Central há 24 anos, o pe. Gazzera é atualmente o diretor da Caritas em Bouar.



 Pe. Aurelio, como está a preparação para a visita do papa Francisco?

Pe. Aurelio: A República Centro-Africana recebeu com surpresa e com enorme alegria a notícia da vontade do papa de nos visitar. Somos um país com o dobro do tamanho da Itália, mas com apenas 4 milhões e meio de habitantes. E em guerra há quase três anos. Primeiro, surgiu a Seleka, uma aliança de rebeldes de maioria muçulmana, vindos do norte do país e também do Chade e do Sudão. Depois, surgiu a reação dos antibalaka, e a guerrilha continua até hoje: são cerca de 830 mil refugiados no exterior ou deslocados internamente – um quinto da população!

A preparação ferve na comunidade católica, com várias reuniões e momentos de oração para preparar os cristãos para acolher Pedro e, acima de tudo, para se perguntarem sobre a própria fé e sobre a história do país.

Mesmo os não católicos estão muito felizes com esta visita. Todas as pessoas a acham muito importante e, ao mesmo tempo exigente. De resto... você não vê muitos preparativos, até porque, desde o final de setembro, a situação em Bangui piorou muito.

 A visita do papa corre perigo?

Pe. Aurelio: Com certeza não será um passeio, e eu imagino que muitos estão segurando a respiração... Eu não acho que o papa está particularmente exposto, porque, certamente, haverá um dispositivo de segurança à altura da situação. Estou mais preocupado com as pessoas que virão vê-lo e ouvi-lo. Elas estarão menos protegidas e mais vulneráveis. Infelizmente, vemos há muito tempo uma escalada de violência, ataques, então não se pode descartar nada. Além disso, não há coordenação nem unidade dentro das várias partes em conflito (muçulmanos e não muçulmanos) e isto é mais um problema.

 Qual é o significado da decisão do Santo Padre de abrir a Porta Santa antecipadamente em Bangui?

Pe. Aurelio: É uma notícia excepcional, que o papa já tinha nos antecipado há quase dois meses, sinal de que é uma decisão pessoal. É um sinal belíssimo, que coloca em primeiro plano um país desconhecido, que tem grande necessidade de se deixar converter pela Misericórdia do Pai. Também é um belo sinal de reconhecimento pela Igreja católica, que esteve sempre na vanguarda para acolher a todos, cristãos e muçulmanos, e que, graças à voz de muitos pastores, em primeiro lugar o arcebispo de Bangui, dom Dieudonné Nzapalainga, é praticamente o único baluarte contra a loucura da guerra e da destruição.

 Os muçulmanos são cerca de 15% no país. Que tipo de islã eles seguem?

Pe. Aurelio: Até antes da chegada da Seleka, a convivência era boa. Os muçulmanos dominavam o comércio, os transportes e grande parte das fazendas, e, no geral, as duas comunidades se complementavam muito bem. Mas a chegada da Seleka, com rebeldes que quase só falavam árabe, complicou a situação: alguns muçulmanos se aproveitaram da situação, outros apoiaram abertamente os rebeldes, e, com a eclosão da luta entre a Seleka e os antibalaka, começou uma identificação da Seleka com os muçulmanos.

Nós devemos esquecer que também havia um fundo de medo, causado por fatos históricos (o escravismo por obra de comerciantes muçulmanos, aqui na região, durou até 1930) e pelas tensões recorrentes entre agricultores e pecuaristas (estes últimos são na maioria da etnia Peul, de religião muçulmana).

No contexto dramático da guerra civil, há também fatores religiosos ou é um conflito eminentemente político ou tribal?

Pe. Aurelio: A questão religiosa é muito secundária. Mesmo conhecendo-os há muito tempo, eu nunca ouvi os antibalaka mencionarem o fator religioso nos ataques contra os muçulmanos. Há mais uma sensação de inferioridade, que levou a saques e destruição de casas e bens dos muçulmanos. Além disso, há o fator político, a hegemonia de países como o Chade, o Sudão, os do Golfo Árabe.

Fonte: Zenit.

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