Os abundantes episódios de violência no convívio social “denotam uma radical desconsideração pela dignidade da pessoa humana, pelos seus mais elementares direitos e pelos valores éticos que devem orientar as decisões na vida”.
É o que afirma o arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Scherer, em artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, nesse sábado.
Segundo o cardeal, “a violência é dos brutos e denota uma lamentável inconsciência diante da dignidade da pessoa, dos seus direitos fundamentais. É ausência de sensibilidade, ou desprezo pelos valores básicos da conduta”.
Dom Odilo afirma que certamente todos esperam “que os responsáveis cumpram o seu dever e as leis sejam mais conhecidas e respeitadas, porém não é por falta de leis que os crimes acontecem”.
“E, se a grande garantia para a inibição do crime fosse a autoridade que representa a lei, estaríamos muito mal e não haveria policiais em número suficiente para vigiar todos os potenciais criminosos. A ausência da autoridade encarregada da aplicação lei não legitima o crime.”
De acordo com o arcebispo, o alastrar-se da violência “está sinalizando para uma desorientação cultural, em que há pouca adesão a referenciais éticos compartilhados, ou mesmo a falta deles”.
“Valores altamente apreciáveis, como a vida humana, a dignidade da pessoa, o bem comum, a justiça, a liberdade e a honestidade caem por terra quando outros ‘valores’ lhes são sobrepostos, como a vantagem individual a qualquer custo, a satisfação das paixões cegas, como o ódio, a avareza, a luxúria, a vaidade egocêntrica...”
“Princípios éticos tão elementares quanto essenciais, como ‘não faças aos outros o que não queres que te façam’, ou os da inviolabilidade da vida humana, do respeito pela pessoa, do senso da justiça e da responsabilidade compartilhada perdem cada vez mais seu espaço para algo que se poderia qualificar como ‘pragmatismo individualista sem princípios’.”
Dom Odilo assinala que, “se cada um elabora os referenciais para seu agir de acordo com os impulsos das paixões, as conveniências ou ganhos do momento, perdemos os referenciais comuns da conduta no convívio social”.
A conduta reta, ou o seu contrário – prossegue o cardeal –, “depende da educação; virtude e vício têm mestres e currículos próprios”.
“Valores e princípios são ensinados e apreendidos; e a inteligência humana é capaz de reconhecê-los, de distinguir entre o que é bom e o que é mau. Por sua vez, a consciência pessoal e a vontade, quando bem esclarecidas e motivadas, inclinam-se para o bem e rejeitam o mal.”
“A lei exterior, por si, é constritiva, porque vem acompanhada pela ameaça, não muito eficaz, do castigo e da pena. Eficácia maior da lei é garantida pela adesão interna e livre ao valor protegido por ela. É a lei moral inscrita no coração.”
Dom Odilo reconhece que nesse ponto há muito para se fazer. “Sabemos que, atualmente, os tradicionais agentes de educação, como a família, a escola e as organizações religiosas, estão conseguindo fazer isso de maneira muito limitada e seu papel na educação é até dificultado, quando se dedicam a fazê-lo”.
“Por outro lado, há uma progressiva desconstrução dos referenciais éticos da conduta pessoal e coletiva”, afirma.
Dom Odilo cita vário fatores que contribuem para a erosão dos valores e para a desorientação da ética no convívio social.
Por exemplo, “a exaltação dos ‘heróis bandidos’ e do ‘valentão mau caráter’; a espetacularização da violência; o mau exemplo que vem do alto; a impunidade, que leva a crer que o crime compensa; e também a exploração econômica da corrupção dos costumes e a capitulação do poder constituído diante do crime organizado, que ganha muito dinheiro com o comércio letal da droga.”
“O alastrar-se da violência gratuita é uma consequência natural”, afirma o arcebispo.
Fonte: Zenit.
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