Depois de ter abordado temas delicados, como a chamada "identidade nacional" e o uso o véu muçulmano integral em público, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, está novamente se preparando para entrar em território perigoso, o da "laicidade", em particular o da compatibilidade do islamismo com a república e os valores republicanos.
Seu partido, a UMP (União para o Movimento Popular), marcou para 5 de abril uma convention sobre "o exercício dos cultos religiosos na República leiga, em particular o exercício do culto da fé islâmica". Estas foram as palavras do secretário-geral da formação de direita, Jean-François Copé (la-Croix.com, 17 de fevereiro).
Recebendo, na quarta-feira, 16 de fevereiro, os deputados da UMP, o presidente denunciou "a brecha crescente entre a mídia e a preocupação francesa" sobre as questões do Islã e da laicidade. "Nós pagamos muito caro pela cegueira sobre a imigração dos anos 80. Era um debate tabu. Com a laicidade e o Islã ocorre a mesma coisa", disse Sarkozy, que pediu, para este ano, propostas concretas sobre elementos como o conteúdo das pregações dos imames e dos lugares de culto dos muçulmanos (Le Figaro, 17 de fevereiro).
Sarkozy quer parar, particularmente, o mal visto fenômeno das reuniões dos muçulmanos para rezar na rua. "Devemos ter um debate sobre a oração na rua. Em um país leigo, não devem existir convites à oração na rua", continuou Sarkozy. "É preciso chegar a um corpus ideológico em 2011", disse aos deputados da UMP.
A direita tampouco rejeita a alteração da lei de 1905 sobre a separação entre Igreja e Estado, que estipula que "a República não reconhece, nem paga, nem subvenciona qualquer culto". Foi o secretário de Estado da Habitação e Desenvolvimento Urbano, Benoît Apparu, quem confirmou a ideia de permitir um financiamento público para os locais de culto. "Em minha opinião, é necessário facilitar a construção de mesquitas em nosso país, mesmo que o Estado deva participar", disse à Radio Montecarlo e BFM-TV. De acordo com Apparu, se necessário, será feita uma reforma da legislação.
Nem todos os expoentes do governo do primeiro-ministro François Fillon parecem dispostos a tocar na "lei símbolo" da França secular. O ministro do Orçamento e porta-voz do governo Fillon, François Baroin, disse em Europe 1 que, "na agenda do governo, não há um texto leve a uma mudança na lei de 1905; e como líder político da UMP e encarregado do debate, não serei favorável à modificação da lei de 1905".
Sobre este tema também opinou, em entrevista ao Le Figaro, em 17 de fevereiro, outra figura-chave da maioria, o atual ministro da Defesa e fundador da UMP, Alain Juppé. "A lei republicana - disse - deve ser aplicada em condições de igualdade para todos. Certamente, existe diversidade. Mas o princípio republicano (...) é que a lei não pode aceitar as distinções com base em critérios religiosos ou étnicos."
"No que diz respeito aos direitos, é imperioso dizer que os muçulmanos, bem como os católicos, judeus, protestantes e outros, têm o direito de poder praticar sua religião. Entre os deveres, está o respeito pelos valores republicanos, em especial à igualdade entre homens e mulheres", acrescentou Juppé.
A oposição criticou a iniciativa de Sarkozy e da UMP, acusando-os de desejo de destaque, tendo em conta os eventos eleitorais de 2012 (presidenciais e legislativos) e de quer roubar espaço à extrema direita, que há meses está usando o tema em sua campanha contra a islamização da França. Para o deputado Henri Emmanuelli (PS), Sarkozy ficou para trás. "Ele ainda não compreendeu que, com este tipo de iniciativas, ele trabalha para Marine Le Pen", disse o ex-ministro socialista, convidado do programa Le Talk-Orange-Le Figaro.
Segundo Sarkozy, a esquerda está errada. "Marine Le Pen propôs os problemas, mas trabalha pouco pelas soluções": assim se defendeu das críticas o ocupante do Palácio do Eliseu (Le Figaro, 17 de fevereiro). No entanto, resta o fato de que a extrema direita cresce nas pesquisas, roubando intenções de voto da UMP. De acordo com uma recente pesquisa do IFOP (Institut français d'opinion publique) para o jornal France-Soir, a jovem Le Pen (nascida em 1968) aumentaria para 19-20% das preferências no primeiro turno presidencial de 2012, em comparação com os 22-23% para o presidente Sarkozy.
A própria Marine Le Pen pediu à UMP "mais um pequeno esforço". "Quero destacar que, quando a FN é de 15% nas pesquisas, a UMP fala sobre os problemas", disse Le Point.fr (17 de fevereiro). "Mas eu não sou boba - continuou; a convenção da UMP é apenas "bla-bla-blá", ou seja, conversa vazia. Para a política, "as orações na rua não são o resultado da falta de espaço nos locais de culto dos muçulmanos. Isso é mentira e manipulação."
A proposta mais drástica foi feita pelo Partido de Esquerda de Jean-Luc Mélenchon, que pediu para retornar ao texto original da lei de 1905, retirando a alteração feita em 1942 por Philippe Pétain, chefe do então governo colaboracionista de Vichy. Mélenchon também solicitou a revogação da Concordata napoleônica de 1801, que ainda estava em vigor na região da Alsácia-Moselle.
Uma coisa é clara: depois da chanceler alemã, Angela Merkel, em outubro de 2010, e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, no seu discurso de 5 de fevereiro, durante a 47ª Conferência de Segurança em Munique, também o presidente Sarkozy rejeita, por conseguinte, o "multiculturalismo" ou o que dele se deriva.
"Não queremos uma sociedade na qual as comunidades coexistam próximas umas das outras. Quando se chega à França, deve-se aceitar a incorporação a uma única comunidade, a comunidade nacional", disse Sarkozy na quinta-feira, 10 de fevereiro, ao canal de televisão TF1. De acordo com uma pesquisa publicada no livro "Les Français face aux inégalités et la justice sociale" (que chegará às livrarias em 9 de março), apenas 20% dos franceses querem que os imigrantes "mantenham suas tradições particulares", enquanto 80% quer "que se adaptem e se misturem na sociedade" (La-Croix.com, 17 de fevereiro).
A sociedade multicultural e multiétnica foi defendida por três políticos ecologistas: Esther Benbassa, Noël Mamère e Eva Joly, de Europe Écologie. "A integração e a assimilação são movimentos vindos do alto, autoritários, que não levam em conta as realidades humanas", disseram em um fórum público divulgado em 27 de janeiro no jornal Libération. O trio lança um apelo a favor do que eles chamam de "uma laicidade racional que reconheça a parte da pertença étnica, cultural, religiosa e linguística".
Fonte: Zenit.
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