Eles nunca se viram pessoalmente, mas trocaram cartas por anos. Cultivavam o hábito da leitura e o gosto pela música clássica. Rebeldes durante a juventude, ambos acabaram, cada um à sua maneira, enclausurados. As semelhanças entre a ex-guerrilheira e atual presidente do Brasil com seu meio-irmão búlgaro, um engenheiro morto em 2008 e condenado ao isolamento por se opor ao socialismo, são o tema do livro “Rousseff”, dos jornalistas Jamil Chade e Momchil Indjov.
A presidente e Luben – que nunca pôde deixar a Bulgária – são filhos de Peter Rusev, que no Brasil se tornou Pedro Rousseff. No casamento com Dilma Jane, teve mais dois filhos, além da petista: Igor e Zana Lúcia, morta na década de 70. Por ter sido militante socialdemocrata em um país comunista, o meio-irmão búlgaro nem sequer pôde deixar o país para ver a família na América do Sul. Nunca conheceu o pai. Morreu semanas antes de a então ministra de Minas e Energia visitá-lo.
“Achei que seria a história da família de qualquer outro imigrante. Juscelino Kubitschek tinha avô tcheco, Ernesto Geisel tinha pai alemão. Mas chegando à Bulgária vi que era uma história bem diferente”, disse Chade, repórter do jornal “O Estado de S. Paulo” ao UOL Notícias . “Pelo olhar da história privada, é um drama do século 20. São vidas paralelas: ela lutou contra uma ditadura de direita e ele, contra uma ditadura de esquerda. Pagaram preços altos e tiveram destinos diversos.”
De acordo com o jornalista, Luben foi prejudicado nos empregos por ser dissidente. “Na faculdade ele era um aluno brilhante. Ainda assim, no trabalho sempre foi uma figura menor. E isso porque o enviavam para lugares remotos da Bulgária, onde pouca gente pudesse ver o que ele poderia fazer. Na mesma época, entre os anos 60 e 70, a meia-irmã dele no Brasil vivia uma situação parecida, cheia de dificuldades.”
Herança
Ao contrário de Dilma, Luben não chegou a ser torturado nem detido. Mas nunca teve autorização para sair da Bulgária – nem sequer para vir ao enterro de Pedro, em 1962. Também por isso, não recebeu nada da herança – que alcançava vários imóveis e pequenos negócios em Minas Gerais, Estado onde se fixou: ficou com apenas US$ 1,5 mil, oferecidos em troca da recusa de sua parte na herança do pai. “Ele pode ter tido mágoa com isso, mas o tempo amenizou”, diz Chade.
Um traço que nenhum dos dois filhos herdou, segundo o livro, é a participação política. Chade afirma que, ao contrário do que diz a presidente, Pedro não deixou a Bulgária por ter participado de grupos comunistas na década de 30. “Ele saiu do país, deixando a esposa grávida de 7 meses, para se fixar na França. Os comunistas da época passavam pela União Soviética quando queriam sair”, afirma. “O pai de Dilma foi a Paris e só se sabe dele a partir de 1948, morando no Brasil, com outra família e com a Dilma já nascida. Não é um caminho de um militante político.”
A relação entre Dilma e Luben só foi estabelecida quando a petista estava no governo federal, com a ajuda do Itamaraty, diz o livro. A partir de 2005, trocaram cartas e a então ministra enviava recursos para o meio-irmão, com mais de 80 anos de idade e dificuldade para andar. “Eram quantias com pelo menos três zeros”, diz Chade. “Mesmo sem nunca terem se visto pessoalmente, dá para dizer que era uma relação afetuosa. Ele abria as cartas chamando Dilma de ‘minha querida irmã’.”
As cartas de Luben eram traduzidas por um ex-diplomata búlgaro no Brasil, apesar de ele e a meia-irmã saberem falar francês. “Em 2008, Dilma tinha marcado sua primeira visita à Bulgária para encontrá-lo. Algumas semanas antes, Luben chamou o tradutor para uma carta muito importante. Mas não houve tempo. Nunca saberemos o que estava para ser contado ali”, relembra Chade. “Mas é fato que a vida paralela dos dois seria um grande assunto se o encontro tivesse se realizado.”
“Rousseff”, editado pela Livros de Safra, tem 224 páginas e custa, em média R$ 39,90. (Do Uol Notícias)
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