Não obstante as diferenças às vezes substanciais entre os países do norte da África e do Oriente Médio na luta da “primavera árabe”, há um fio condutor de natureza econômica e política nestes eventos.
“A revolta na Tunísia e no Egito e a agitação no restante do Oriente Médio e no norte da África são o resultado de um profundo descontentamento da juventude, que rejeita o autoritarismo, a corrupção e a falta de oportunidades ecomômicas e políticas”, afirma Malika Zeghal, professora de Pensamento Islâmico Contemporâneo na prestigiosa Universidade de Harvard (EUA) e autora do livro ‘The Power of a New Political Imagination’. Ela foi entrevistada por Sussidiario.net no dia 22 de março.
“O que está acontecendo é um novo tipo de libertação nacional, com o desejo de um novo projeto político no qual tunisianos e egípcios não sejam nunca mais súditos do Estado, mas cidadãos com grau de possuir o sentido de sua dignidade”, afirma a especialista.
De fato, um dos problemas fundamentais dos países árabes é exatamente a falta de perspectivas para as gerações jovens, que abarrotam o mercado de trabalho. Enquanto em países como Egito e Tunísia a desocupação entre jovens de 15 a 29 anos era de aproximadamente 21,7% (em 2007) e de 27,3% (2005), o fenômeno desafia também a classe governante da riquíssima Arábia Saudita. Segundo os dados recolhidos pelo ‘Guardian’ (14 de fevereiro), no reino ‘wahhabita’, berço do Islã, 16,3% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam sem trabalho em 2008.
Além disso, a pressão juvenil estaria destinada a crescer no mundo muçulmano. Mesmo se o crescimento demográfico diminuir entre os muçulmanos nos próximos 20 anos, segundo as previsões do ‘Pew Research Center’ (27 de janeiro), a população muçulmana deveria aumentar cerca de 35% nas próximas décadas, de 1,6 bilhão para 2,2 bilhões em 2030.
O repentino despertar da população árabe constitui sem dúvida uma oportunidade, também para as minorias religiosas. Disso está convencida Malika Zeghal. “Para todas as minorias religiosas que vivem no Oriente Médio e no norte da África, esta é uma nova oportunidade de ver reforçados seus direitos. Sempre existiu um diálogo entre muçulmanos e cristãos, às vezes em âmbitos isolados, em redes de intelectuais, às vezes em âmbitos mais amplos e oficiais”.
De fato, apesar do atentado suicida contra uma igreja copta, que no dia 1º de janeiro provocou em Alexandria 21 mortes, três semanas depois do massacre, a comunidade cristã participou de protestos pró-democracia. Confirmou isso o cardeal Antonios Naguib, patriarca copta de Alexandria, em um comunicado difundido depois da queda de Mubarak, no dia 11 de fevereiro. Segundo o purpurado, a Revolução de 25 de janeiro produziu “uma realidade que esteve ausente durante muito tempo, quer dizer, a unidade dos cidadãos, jovens e anciãos, cristãos e muçulmanos, sem nenhuma distinção ou discriminação” (‘Zenit’, 14 de fevereiro).
Otimista se mostrou também o padre Samir Khalil Samir, S.J., docente na ‘Università Saint-Joseph’, de Beirut. “É uma primavera no mundo árabe. Seria absurdo que os cristãos ficassem de fora, porque, verdadeiramente, já temos esses princípios na letra e no espírito do Evangelho: os da abertura ao outro, da busca da justiça e da paz, e talvez o muçulmano possa dizer o mesmo”, disse o sacerdote (‘Zenit’, 25 de fevereiro).
Para o jesuíta, ser realista é uma obrigação: “até que não haja um governo claro com uma linha precisa a seguir, até que não haja uma organização identificável, não poderemos estar seguros. São necessárias as estruturas. No momento, estamos ainda em fase de explosão, de descoberta. Espero, no entanto, que se possa passar rapidamente a uma sociedade fundada nos princípios que anunciamos”.
Um sinal de esperança é, segundo padre Samir, o “Documento para a renovação do Discurso Religioso”, lançado a 24 de janeiro (um dia antes da revolta no Egito) na página na internet do semanário ‘Yawm al-Sabi', baseado nas sugestões realizadas por um grupo de destacados estudiosos e imames egìpcios, entre os quais estão Nasr Farid Wasel, ex-grão-mufti do Egito e o doutor Gamal Al-Banna, irmão do fundador dos Irmãos Muçulmanos. A iniciativa, que formula 22 temas de reflexão, como por exemplo a separação entre religião e Estado, demonstra que a “primavera árabe” busca também uma renovação do Islã, com o olhar dirigido para a modernidade.
Mais pessimista é Carl Moeller, presidente e administrador delegado de ‘Open Doors U.S.A’. Segundo Moeller, a democracia que está se desenvolvendo na região está muito longe do modelo ‘jeffersoniano’. No site da ‘Assyrian International News Agency’ (22 de março), o autor escreveu que temia especialmente a afirmação da ‘lei do domínio das turbas’, pela qual os islamistas controlariam os governos, tirando das minorias o direito à proteção. Neste ponto, a mensagem aos cristãos, obrigados a viver no terror constante, será: não há lugar para vocês.
Moeller vê confirmados seus temores por uma pesquisa publicada no dia 2 de dezembro pelo ‘Pew Research Center’. Da mesma, realizada no ano passado em sete países muçulmanos, surge, por exemplo, que 84% dos egípcios acredita que os convertidos do Islã para o cristianismo ou para outras religiões deveriam ser processados publicamente. Ademais, 95% dos egípcios consideram positivo o fato de que o Islã exerça um papel importante na política.
Um “grande revés” – assim o define Luigi Geninazzi (‘Avvenire’, 22 de março) – constituem sem dúvida os resultados do referendo realizado no dia 19 de março no Egito, em que participaram 18 milhões de cidadãos. Segundo a Comissão Eleitoral, 77% dos votantes (14 milhões) disseram “sim” à proposta de uma reforma constitucional “light”, enquanto 22,8% optaram pelo “não”. Os partidários do “não”, entre os quais há movimentos que surgiram na “Revolução de 25 de janeiro” e vários personagens de renome como Mohamed El Baradei (prêmio Nobel da Paz 2005 e ex-secretário da Agência Internacional para a Energia Atômica) e Amr Moussa (chefe da Liga Árabe), pediam no entanto a redação de uma nova Constituição.
A vitória do “sim” foi definida como um “choque” pelo ativista copta Wagih Yacoub (‘AINA’’, 21 de março). Reforçaria o Partido Nacional Democrático do ex-presidente Mubarak e os Irmãos Muçulmanos. Estes não gostavam nada da ideia de uma nova Constituição. Temiam, de fato, o cancelamento do artigo 2 da atual Carta Magna, que estipula que a lei islâmica (‘sharia’) é a fonte principal da legislação egípcia. Os Irmãos Muçulmanos teriam orientado os eleitores a votar “sim” por “dever religioso” e também para ter “os coptas fora do governo”, disse Manar Ohsen, da ‘Egyptian Organization for Human Rights’ (AINA, 21 de março).
A pergunta é, portanto, quais são as verdadeiras intenções da Irmandade? Considerados “expressões do Islã moderado ou chamado neoconservador”, os Irmãos Muçulmanos poderiam, segundo o editorial de ‘La Civiltà Cattolica’ “talvez desenvolver no interior da sociedade islâmica, em particular no Egito, um papel de mediação entre o velho e o novo e, ao mesmo tempo, conectar as culturas tradicionais, frequentemente ricas em valores hoje esquecidos ou menosprezados na cultura ocidental, para uma modernidade que defenda todos os direitos humanos” (n. 3857, 5 de março). Para a revista dos jesuítas, fazer as sociedades do Oriente Médio sair do estancamento “é possível só se os movimentos islâmicos participarem do debate político geral e encontrarem seu lugar no interior da sociedade política e civil, formulando suas propostas e colaborando nos interesses de todos, ampliando as bases de uma democracia participativa, pensada a partir também de princípios do Islã. Permanece no fundo a necessidade de rejeitar todo tipo de violência e a necessidade de prever o espaço concedido às minorias, também religiosas”.
Mas existem instrumentos para evitar uma instrumentalização islamista dos protestos? Para o economista e ex-ministro de Finanças libanês Georges Corm, a resposta é afirmativa: é a Doutrina Social da Igreja. “Hoje em particular está a encíclica de Bento XVI ‘Caritas in veritate’, que se coloca na mesma linha da ‘Rerum Novarum’, de Leão XIII”, disse Corm, falando com o jornalista Fady Noun (‘AsiaNews’, 8 de fevereiro). Corm, que é também historiador, acusou o Ocidente e recordou o papel de “preenchimento de lacunas” dos movimentos islâmicos. “O neoliberalismo obrigou o Estado a se retirar da sociedade e da economia, sob o pretexto do equilíbrio orçamentário. As organizações islâmicas se infiltraram nessa brecha”.
Fonte: Zenit.
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