O fantasma do terrorismo islâmico volta a agitar a Indonésia. As forças de segurança interceptaram em dias passados quatro pacotes bomba destinados a figuras de renome da sociedade local. Um dos pacotes explodiu quando os policiais tentavam desativar a bomba. Na explosão, um oficial perdeu a mão.
Das quatro bombas, a última foi desativada na quinta-feira passada pela polícia, nos arredores da casa e estúdio do músico Ahmad Dhani, em Pondok Indah, um bairro da capital Jacarta.
A bomba enviada ao músico estava escondida dentro de um livro intitulado “Yahudi Militan”, ou seja, “judeu militante”, como revela o ‘Australian Associated Press’ (17 de março). Dhani, que tem um avô judeu, destaca-se por seu um defensor da liberdade religiosa no arquipélago.
Também são figuras reconhecidas os destinatários dos outros três pacotes bomba, expedidos no dia 15 de março. Um é o general Gories Mere, ex-dirigente do ‘Densus 88’ (serviço antiterrorista indonésio) e atual responsável pela agência antidrogas de Jacarta. Os outros dois são Yapto Soerjosumarson, chefe do ‘Pancasila Youth Movement’ e Ulil Abshar Abdhalla, presidente e cofundador do ‘Jaringan Islam Liberal’ (JIL ou ‘Liberal Islam Network’), ambos destacados por seu compromisso a favor de uma sociedade aberta e tolerante na Indonésia.
O ‘Pancasila Youth Movement’ tem como objetivo difundir entre os jovens o pensamento do chamado ‘Pancasila’, quer dizer, cinco princípios sobre os quais se funda o Estado indonésio pós-colonial e o Partido Democrático (‘Partai Demokrat’), do qual formam parte o presidente Susilo Bambang Yudhoyono (conhecido pelas siglas SBY) e também Ulil. A ideologia do ‘Pancasilla’ promove por exemplo a unidade, a justiça social e a tolerância religiosa entre os vários componentes ou estratos da sociedade indonésia.
O ‘Liberal Islam Network’, que une vários grupos moderados, trabalha – como se lê em sua página na internet – pela “maior difusão possível” de uma “leitura liberal” do Islã na Indonésia.
Segundo os especialistas indonésios, a técnica de esconder os explosivos no livro – um ‘modus operandi’ usado também em novembro passado por um grupo terrorista grego – indica um vínculo mais que provável com a rede terrorista ‘Jemaah Islamiyah’ (JI), vizinha à Al Qaeda, que em uma série de atentados em 2006, em Poso, no Sulawesi Central, recorreu à mesma tática.
Segundo Taufik Andrie, diretor de pesquisa do ‘Institute for International Peace Building’, “há quase 20 pessoas que podem fabricar aparatos explosivos como este. Durante o conflito (em Poso), havia centenas de estudantes. Eles podem ter voltado a casa tendo aprendido essas técnicas” (‘The Jakarta Globe’, 18 março). Da mesma opinião é o atual chefe do departamento antiterrorista Ansyaad Mbai. “Esta é exatamente a mesma bomba que foi usada em 2006 em Poso”, disse à emissora ‘Elshinta’ (‘AAP’, 16 de março).
Por sua parte, o chefe espiritual da JI, Abu Bakar Ba'asyir, cujo movimento pretende unir em um mesmo estado islâmico, ou califado, todas as regiões de maioria islâmica do sudeste asiático (inclusive o sul das Filipinas e a Tailândia), rejeita uma suposta participação. Segundo o clérigo, atualmente processado em Jacarta, os livros bomba teriam sido fabricados com o propósito de incriminá-lo (‘The Jakarta Post’, 17 de março).
Todos concordam em que os pacotes bomba enviados a expoentes moderados constituem um sinal preocupante. O título do livro (do único que explodiu) enviado deixa poucas dúvidas sobre as verdadeiras intenções dos terroristas. “Devem ser assassinados por seus pecados contra o Islã e os muçulmanos”, diz o texto traduzido do indonésio, palavra que de modo algum devem ser subestimadas. Como recorda o ‘Jakarta Post’ (17 de março), já em 2003 os extremistas islâmicos declararam o sangue de Ulil Abshar Abdhalla como “halal”, indicando que podia ser assassinado dessa forma.
“Esta não é só uma ameaça contra o ‘Liberal Islam Network’. É uma ameaça à nossa sociedade pluralista”, disse outro cofundador do JIL, Luthfi Assyaukanie (‘The Jakarta Post’, 17 de março). A campanha foi condenada por Azyumardi Azra, da ‘Syarif Hidayatullah State Islamic University’ (a primeira universidade islâmica da Indonésia). “As ameaças de bomba não deterão o desenvolvimento do pensamento islâmico”, disse o estudioso. Defendendo a missão dos liberais estava também outro expoente moderado, Mohamad Guntur Romli, ex-membro do JIL. “Nós defendemos os direitos das minorias, inclusive dos ahmadiyya. E condenamos só um grupo: os que cometem violência”.
Há de se levar em conta que esses episódios sucedem num contexto de crescente intolerância religiosa no país muçulmano mais povoado do mundo. Enquanto que no dia 18 de fevereiro passado uma turba enfurecida de muçulmanos destruiu, em Temanggung (província de Java Central), vários objetivos cristãos, a principal meta da violência sectária é atingir a minoria muçulmana dos ahmadiyya, considerados apóstatas e hereges (para os Ahmadi, Maomé não foi o último profeta). No dia 6 de fevereiro, quase 1.500 pessoas armadas com barras de ferro e machados invadiram a casa de um chefe deste grupo no povoado de Cikeusik (na província de Banten, extremo oeste de Java), assassinando três pessoas.
Nas últimas semanas, regiões indonésias proibiram os ahmadiyya: Samarinda (província de Borneo Oriental) e Bogor (província de Java Ocidental) (‘AsiaNews’, 5 de março). Já em 1980 e depois em 2008, o Conselho Indonésio dos Ulemás (MUI) emitiu uma “fatwa” contra a minoria, e expoentes considerados moderados, como Hajj Hasyim Muzadi, pediram recentemente a tolerância zero contra eles. “Se são irredutíveis em mudar sua doutrina, melhor que sejam expulsos do Islã e declarados uma nova seita que não tem nada a ver com o Islã”, disse (‘AsiaNews’, 2 de março).
A Indonésia, por outro lado, não é o único país do mundo onde as vozes moderadas arriscam a vida. Militantes do grupo fundamentalista ‘Boko Haram’ (significa “a educação ocidental é ilícita [haram]”), assassinaram no dia 13 de março na capital do Estado de Borno (Nigéria), o imame Ibrahim Ahmed Abdullahi. Em muitas ocasiões este clérigo muçulmanos denunciou o extremismo e a violência sectária em seu país. Como recorda o ‘Washington Post’ (13 de março), em 2009 Abdullahi tinha pedido às autoridades que colocassem fim às atividades do grupo conhecido como os “talibãs da Nigéria”. Segundo o ‘International Crisis Group’ (ICG, com sede em Bruxelas), os enfrentamentos de caráter étnico-religioso provocaram de 1999 a 2009 mais de 14.000 vítimas no país africano.
Fonte: Zenit - (Paul De Maeyer)
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