Há três anos, Mianmar foi o centro das manchetes com a violenta repressão, por parte do governo, contra os protestos a favor da democracia, encabeçados por monges budistas.
Agora, a nação se prepara para viver eleições nacionais bastante raras no próximo mês, ainda que a comunidade internacional não espera que sejam precisamente um momento álgido de democracia.
Neste contexto, desempenha seu trabalho a Irmã Verônica Nwe Moe, junto às suas irmãs salesianas, ao serviço da Igreja, como ela mesma narra nesta entrevista.
Irmã, você trabalha muito com os jovens. Está estudando em Roma e está centrada em sua educação. Que desafios os jovens enfrentam em Mianmar?
Irmã Verônica: Como religiosa salesiana, há muitas moças que se aproximam de nós. Temos um centro de preparação para moças entre 15 e 25 anos, que vêm de diversas paróquias. Normalmente, vêm de grupos étnicos diferentes. Não têm futuro nem guia.
O centro do país é muito mais budista. As regiões da fronteira são mais católicas. Como sua família é católica em uma região de maioria budista?
Irmã Verônica: Minha mãe é da tribo Karen, das regiões fronteiriças, e, em Mianmar, os "tribais" - como os chamamos - são católicos, em sua maioria.
Você poderia nos explicar a situação das regiões da fronteira?
Irmã Verônica: Não sabemos o verdadeiro motivo pelo qual o governo empreendeu a guerra contra as tribos. O que podemos dizer é que os inocentes, especialmente os jovens pegos pelo fogo cruzado, estão sofrendo. São forçados a carregar alimentos e armas e estão constantemente em movimento. Não há estabilidade e não existe educação - ou esta não é uma prioridade.
Sobretudo nas regiões fronteiriças, muitas pessoas exploram ou abusam da maioria das meninas. Não há futuro para estas jovens, e tampouco para os meninos, apesar dos seus talentos. Às moças que nos procuram, oferecemos formação, para que sejam capazes de usar sua criatividade. Quando eu me tornei religiosa, estive três anos com essas moças. Enquanto estive com elas, percebi que eu também havia aprendido muito com elas.
Por exemplo...?
Irmã Verônica: A ser simples. Estar contente com o que tenho. A felicidade não reside nas coisas materiais que você possui, mas sim na vida que você vive. Uma vida de compromisso e honestidade, que lhes dá essa alegria.
Deve ser doloroso para você ser testemunha desse sofrimento das jovens...
Irmã Verônica: É verdade, eu sofro. Somos educadoras e nossa congregação tem seus próprios colégios espalhados pelo mundo inteiro, centros para jovens, oratórios, e temos liberdade... Mas em Mianmar não é assim. O que faço é, sobretudo, rezar por elas e, depois, entregar-me a elas com todo o meu coração, para educá-las e ensiná-las a ser boas mães, para que possam transmitir a fé aos seus filhos.
É possível abrir escolas, ainda que sejam pequenas escolas de aldeia, nessa região?
Irmã Verônica: Temos um jardim de infância com 100 crianças, mas a maioria é budista. Trabalhar só com os budistas não é difícil, porque são muito pacíficos e os pais valorizam nosso trabalho. É fácil trabalhar com sua colaboração.
Mas, até agora, vocês só abriram um jardim de infância. O que lhes impede de fazer mais? A guerra?
Irmã Verônica: Em primeiro lugar, o número de irmãs salesianas em Mianmar. Neste momento, somos apenas 21, ainda que estejamos crescendo. Agora temos 16 ou 17 aspirantes, 8 postulantes e 9 noviças. O número nos obstaculiza também porque queremos entregar-nos cem por cento de nós mesmas. E fazê-lo bem! Temos 4 casas em Mianmar e as 21 irmãs estão distribuídas nessas casas.
Como é a relação do dia a dia entre católicos e budistas?
Irmã Verônica: É muito pacífica. Por exemplo, na aldeia em que eu nasci, das 800 famílias, 8 são católicas e são parentes meus. Assim, quase todos os meus amigos eram budistas. Vivemos de forma pacífica e esta é a norma. Os monges budistas são bons e compassivos.
Entre os evangelizadores da Igreja em seu país se encontram os jovens chamados "zetemans". O que são e o que fazem?
Irmã Verônica: São jovens missionários católicos com mais de 18 anos. Oferecem 3 anos da sua vida às suas dioceses. Vão a lugares remotos - montanhas, florestas das suas dioceses - para oferecer seu serviço. Sua principal finalidade é servir e realizar uma tarefa formativa na educação, saúde e aos idosos. Não catequizam, mas se as pessoas lhes perguntam sobre Jesus e sobre a fé, compartilham sua fé. Às vezes, arriscam suas próprias vidas; às vezes, sucumbem com uma doença, em suas viagens através das selvas. É um serviço muito importante o que eles proporcionam, porque geralmente os religiosos e sacerdotes não podem visitar esses lugares.
Até que distância e quanto tempo esses jovens demoram para chegar a uma aldeia de montanha?
Irmã Verônica: Duas das nossas irmãs fizeram este serviço antes de se tornarem religiosas; sua vocação salesiana nasceu deste serviço de "zeteman". E, pelo que sei, viajavam a lugares distantes; tanto é assim que, inclusive de carro, demorava 3 dias até chegar ao seu destino, visitando com frequência aldeias muito pobres e, às vezes, sem alimento.
Irmã, você poderia nos contar um pouco sobre a sua vocação?
Irmã Verônica: Quando eu era jovem, nunca pensei em me tornar freira. Minha ambição era ser médica, para cuidar dos doentes. Tentei estudar muito, porque no meu país ser médico exige muito trabalho. Aos 10 anos, também quis estudar informática e inglês. Meu pai, naquele curso (1997-1998), conheceu as irmãs missionárias salesianas. Então ele me perguntou, depois de voltar da cidade para casa, se eu queria estudar com elas. Eu disse que sim e ele me acompanhou até o colégio.
Enquanto estava com elas, comecei a me fazer perguntas e fui testemunha da sua alegria, apesar das dificuldades. Quando eu tinha entre 17 e 18 anos, eu buscava a felicidade verdadeira na minha vida. Eu costumava me questionar por que elas estavam sempre tão felizes e eu, nem sempre; depois percebi que sua felicidade verdadeira estava em amar a Deus e servir seus próximos. Isso eu sei agora. Buscar a verdadeira felicidade me fez seguir o caminho salesiano, ter a alegria de servir e ajudar a educar essa juventude.
Agora você está estudando em Roma. O que a trouxe até aqui?
Irmã Verônica: Em primeiro lugar, a obediência à minha superiora. Pediram-me que estudasse para me preparar para a minha futura missão. Em segundo lugar, minha superiora me informou que havia recebido uma bolsa de Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), uma bolsa de 5 anos. Estou muito agradecida à AIS. Rezei por todos os que me apoiaram em meus estudos, em minha formação e sempre tento lembrar para mim mesma - e estou certa disso - que, se a pessoa não sabe nada, não pode compartilhar nada. Só posso compartilhar o que aprendi. A coisa mais importante que poderei compartilhar quando voltar é o amor de Deus, mais valioso que qualquer outra coisa, e temos muita necessidade dele.
Você voltará a Mianmar, não é mesmo? Irmã, qual é sua esperança para a Igreja em Mianmar?
Irmã Verônica: Tenho muitas esperanças. Vejo um futuro muito bom para a Igreja Católica em Mianmar. Sobretudo porque há um aumento no número de jovens que são muito generosos. O outro fato é que a Igreja Católica é muito conhecida pela sua caridade e por estar muito perto dos pobres. Queremos continuar com esta força e com este mandamento: alegria, pobreza e serviço aos pobres. Também acredito na graça de Deus. Deus está trabalhando em e através de nós, com nossa dedicação aos fiéis. Cresceremos.
Fonte: Zenit.
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