Frei Gilvander Moreira - Carmelita.
Feliz quem consegue ler os sinais dos tempos e dos lugares e se posicionar do lado onde marcha o movimento em defesa da dignidade da pessoa humana e de toda a biodiversidade. No segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, de 4 a 31 de outubro de 2010, está acontecendo vários tipos de posicionamentos das pessoas e instituições, entre os quais destaco quatro: Uns se engajaram na defesa da candidatura de José Serra (PSDB-DEM); outros militam na defesa da candidatura de Dilma Rousseff (PT-PMDB), que poderá se tornar a primeira mulher a ocupar a Presidência da República do Brasil; outros dizem “somos a-políticos...”, “não somos partidários”, “nossa instituição não pode se posicionar...” e outros defendem o voto nulo.
Essas quatro posturas merecem algumas considerações. Primeiro, é mais cômodo ficar “em cima do muro”, o que pode ajudar a ver melhor os dois lados, mas é uma postura ingênua cúmplice do status quo, pois diante de conflitos estruturais acaba lavando as mãos como Pilatos. Mais: “o muro já é território do inferno”, diz um causo da sabedoria rabínica. Assim, quem se omite acaba cometendo um grande pecado, pois reforça a posição de quem tem mais poder econômico e midiático. Quem diz “não posso me posicionar, porque sou responsável por uma instituição que não deve se comprometer com candidatura A ou B” está também assumindo uma postura mais cômoda e corporativista, aquela que preserva o meu/nosso corpo, as instituições. Assim, o “eu” ou “minha instituição” passa a ser o fim maior. O outro, o próximo, fica em segundo plano. Em encruzilhada quem não se decide por um lado ou outro acaba se dando mal e comprometendo a vida de outros.
Segundo, os que se posicionam de forma fundamentalista e moralista acabam usando em vão o nome de Deus, o evangelho e a fé das pessoas. Blasfemam. Isso aparece em panfleto que coloca a assinatura de José Serra e a fotografia dele após a frase “Jesus é a verdade e a justiça” e quando se bate da tecla dizendo “Serra é do bem”. Isso mesmo: messianismo. É querer passar a ideia falsa de que é possível haver um salvador da pátria, é fortalecer o maniqueísmo que desqualifica o outro como sendo do mal e “eu sou do bem”. Assim mistifica o que não pode ser mistificado e revela o ódio que muitos da classe dominante têm em relação aos pobres.
Por defender a dignidade humana que estava sendo humilhada na ditadura militar-civil-empresarial, Dilma Rousseff sofreu por três anos no próprio corpo as agruras da tortura e dos cárceres dos tiranos que tratoraram 17 mil lideranças, cérebro da nação brasileira que estava se rebelando contra os ditames do capitalismo na década de 60 do século XX.
Importa recordar que não está no Plano de Governo da Dilma nenhuma das acusações alardeadas em panfletos, distribuídos aos milhares e via internet. Logo, são calúnias e difamações execráveis. Questões, tais como, aborto e união civil de homossexuais são assuntos complexos que precisam ser debatidos a fundo pela sociedade brasileira, sob a liderança do Congresso Nacional, que é quem tem competência para legislar sobre isso.
Terceiro, há o grupo que, de forma cidadã, se posiciona a favor de Dilma, ou de José Serra ou ainda defende o voto nulo. Fazem isso com argumentos históricos, éticos, filosóficos, sociológicos e políticos, defendem o que pensam ser melhor para o povo brasileiro. Aí, beleza! A construção de uma democracia real e verdadeira respeita e fortalece a liberdade de expressão e o debate de ideias e projetos de nação, o que ajuda a desfazer mitos, derrubar preconceitos, superar moralismos, dualismos, maniqueísmos, idealismos e posturas simplistas.
Mas por que tanta boataria e baixaria no segundo turno das eleições? Não é por acaso. Isso foi engendrado por quem quer ver a opressão de classe continuar no Brasil. Quem ganha e quem perde com o rebaixamento do nível da campanha eleitoral? Melhor seria que no segundo turno se apresentasse de forma aprofundada as propostas para se superar os grandes problemas sentidos pelo povo brasileiro nas áreas de alimentação, educação, saúde, meio ambiente, agricultura, reformas agrária e urbana etc. Gastar o tempo com acusações difamatórias beneficia quem não tem projeto, ou quem tem o pior projeto de governo, pois se for posto com transparência o que cada candidato e seus partidos farão, o povo, que não é bobo, certamente optará pelo melhor.
É do conhecimento de todos o que PSDB-DEM fizeram em oito anos de FHC na presidência e que estão fazendo em Minas e em São Paulo. Por outro lado, o povo está vendo o que o presidente Lula e o PT - com seus aliados - estão fazendo nos últimos oito anos no Brasil. A carta de Tiago, na Bíblia, diz “a fé sem obras é morta; mostra-me suas ações que direi que tipo de fé você tem.” (Cf. Tiago 2,14-25). Logo, faz bem não acreditar em boataria, em panfletos caluniosos e nem observar apenas o que dizem os candidatos, mas o que fizeram e fazem. Urge comparar o jeito de Lula-Dilma-PT governarem e o jeito de FHC-Serra-PSDB governarem. Há semelhanças entre PT e PSDB, mas há diferenças substanciais também. Chamo atenção para cinco pontos:
1) A política social do governo Lula é melhor do que a do FHC-Serra-PSDB-DEM. São 13 milhões de famílias que tiveram sua vida melhorada. Na era FHC, com Serra sendo ministro, a política social era inexpressiva. Dona Maria, uma senhora de 60 anos, andou 14 quilômetros à pé e chegou ao aeroporto de Montes Claros, MG, com uma nota de 50 reais na mão, e disse: “Soube pelo rádio que Lula ia chegar aqui agora cedo. Vim para agradecê-lo, pois se conheço esta nota e se posso almoçar e jantar todos os dias, com meus filhos e netos, agradeço ao governo Lula.” Não é por acaso que grande parte dos pobres preferem Dilma e a maioria dos ricos preferem Serra.
2) FHC-Serra-PSDB-DEM comandaram o maior processo de privatização de empresas estatais da história do Brasil. Precarizaram e, posteriormente, privatizaram dezenas e dezenas de empresas que eram patrimônio do povo brasileiro. Até a Vale do Rio Doce foi praticamente doada para a iniciativa privada. Hoje tramita na Justiça mais de 100 ações questionando o processo de privatização da Vale. Quiseram, mas não conseguiram privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, companhias de saneamento e universidades federais. Se não tivéssemos feito o Plebiscito Popular contra a ALCA – Área de Livre Comércio das Américas – e a implantação de uma base militar dos Estados Unidos em Alcântara, no Maranhão, FHC-Serra e PSDB teriam assinado a ALCA e os EUA estariam oficialmente com base militar dentro do nosso território.
3) A Política externa do governo Lula-Dilma é muito melhor que a política externa do FHC-Serra-PSDB-DEM. Países, tais como, Argentina, Paraguai, Bolívia, Equador e Venezuela, estão sendo apoiados pelo governo Lula. São povos empobrecidos que estão se levantando e autonomamente se libertando de tantas opressões. Uma eventual vitória de Serra seria desserviço do povo brasileiro aos pobres da América afrolatíndia. PSDB-DEM é arrogante no trato com os pequenos do Brasil e da América Latina, mas subserviente aos interesses do império dos Estados Unidos e das transnacionais. Lula-PT tem altivez nas relações com os grandes países e está aprendendo a respeitar a dignidade dos pequenos no Brasil e fora do Brasil. Exemplo disso, foi o aumento no valor do gás comprado da Bolívia e da energia comprada do Paraguai, via Itaipu.
4) Na era FHC-Serra-PSDB-DEM dá para contar nos dedos o número de criminosos de colarinho branco presos pela Polícia Federal. Mas em oito anos de governo Lula-Dilma, o contingente da Polícia Federal aumentou e mais de 2 mil servidores públicos, além de políticos profissionais, juízes, desembargadores, latifundiários e empresários foram presos pela Polícia Federal, após investigação séria que comprovaram crimes de colarinho branco. Logo, há ainda corrupção, mas antes quase não se investigava. Agora se investiga e prende. Falta o poder judiciário respeitar a Constituição Federal julgando e condenando os grandes criminosos que lesam o povo.
5) Na educação também podemos afirmar que há muito a se fazer, mas considerando os muros quase intransponíveis antes existentes e que impediam que a maioria da população tivesse acesso principalmente ao ensino superior, hoje temos de reconhecer que o governo Lula garantiu o direito ao ensino superior por meio de bolsas (PROUNI) e ampliando muito as vagas nas Universidades públicas. Um número grande de centros de formação profissional – os CEFETs – multiplicaram-se Brasil a fora. Houve efetivos incentivos à formação de professores capazes de ministrar aulas nas comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas e em acampamentos assentamentos de reforma agrária. Houve a valorização da cultura popular e inter-racial por meio da educação. Além de revigorar as Universidades Federais, outras 13 Universidades Federais foram criadas com centenas de Campus.
Por tudo isso, defendo o nome de Dilma e apoio um Projeto Popular para o Brasil, que ainda está longe de ser concluído, mas que passa por um caminho a seguir: o da eleição de Dilma Rousseff para a Presidência do Brasil. A partir dos pobres, dia 31 de outubro de 2010, votarei - e aconselho - 13, Dilma.
Em tempo, espero que a convergência que está acontecendo em torno da Dilma e o desinstalar-se de quem estava acomodado possam acontecer após as eleições, pois a grande política deverá ser feita cotidianamente mediante o exercício de cidadania e soberania popular.
Belo Horizonte, 21 de outubro de 2010
Padre carmelita; mestre em Exegese Bíblica; professor de Teologia Bíblica do Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA -, em Belo Horizonte e em Mariana, MG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail:
gilvander@igrejadocarmo.com.br
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e www.gilvander.org.br
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