Frequentemente a arte contemporânea aparece veiculada por linguagens especializadas e configurações de sistemas fechados que não delineiam panoramas e nem abrem horizontes, mas focalizam um particular, muitas vezes a fim de torná-lo único. Às vezes, o ponto de vista de tais composições é abertamente "militante", ou movido pelo interesse de determinado grupo ou movimento artístico.
No entanto, cada posição ideológica é fechada a uma análise objetiva da realidade, capaz de restaurar a complexidade e variedade das estradas traçadas por todas as infinitas correntes artísticas que animaram o mundo da arte, na contemporaneidade.
Impõe-se, de fato, de colocar no plural o termo “arte”, diante da proliferação de disciplinas e movimentos, para evitar reduzir a arte a uma só expressão. Todavia, as artes são tais porque tem uma relação com a arte em geral. Suspendamos, por agora, de percorrer esta longa estrada da relação entre arte e artes, e reflitamos pelo momento sobre o termo “contemporâneo”, procurando analisá-lo e compreendê-lo.
O temo “contemporâneo” não pode, por sua natureza, ser um atributo distintivo, capaz de definir uma determinada corrente, mas se trata de um termo que deve constituir uma referência temporal, dentro de um contexto. Muitas vezes, porém, o qualificativo "contemporâneo" aparece como uma marca atribuída a certas correntes, com exclusão prejudicial de qualquer expressão que não entre nos confins traçados por uma específica teoria da arte "contemporânea", constituindo, quase pelo negativo, a categoria de "arte não-contemporânea", ou anacrônica.
Mas o termo deve, mais corretamente, indicar simplesmente uma noção de tempo. De um ponto de vista histórico, é equivocado definir como "arte contemporânea" obras dos anos 50 do século passado, quando seria mais apropriado chamá-las pelo nome do movimento a qual pertenciam, ou a disciplina a que pertencem, pintura, escultura ou qualquer outra coisa.
Se poderia argumentar que agora o termo contemporâneo é requisitado para indicar um determinado período histórico; mas isso estaria fora da semântica do termo, limitando a referência a um período histórico exclusivo, e gerando, em contrapartida, noções muito ambíguas como "pós-contemporâneo", que pode definir o sentimento do fim da contemporaneidade como categoria crítica, mas não esgota o termo no sentido temporal.
O prefixo "pós" também está carregada de significados. Isso parece indicar a constatação de uma crise, de encerramento, com sentimentos de insucesso, fracasso, ou pode significar uma época de imitadores incapazes de se distanciar dos mestres. Em cada caso, parece que um certo período histórico constitui um ponto de referência: aquilo que é primeiro é “pré” e o que vem depois, “pós” contemporâneo. Parece justificável tal posição, fora de uma certa militância crítica? De resto, é historicamente natural que depois de um momento de “vanguarda” siga um período de normalização; como depois dos movimentos de conquista militar e depois da superação de uma fronteira, segue uma fase antropologicamente recorrente de normalização e de regras, estabelecidas pelos que trabalharam no confim conquistado para tê-lo definitivamente dentro da nação que conquistou. No entanto, se nessa fase não se criam as próprias regras, assiste-se ao desmoronamento do território tão duramente conquistado.
Se demos um nome para muitos movimentos do século XX, que não são mais contemporâneos a nós, vemos um caminho para recuperar ao termo sua vitalidade semântica.
De fato, se se atribui à "contemporaneidade" uma só determinada corrente artística, condenam-se todas as outras a uma situação de anti-historicidade, o que também contradiz as tendências libertárias próprias da chamada "contemporaneidade" do século XX. Além disso, nem os críticos nem os historiadores podem reivindicar o poder de patentear o "contemporâneo" para alguns e excluir outros, sem justificar os critérios.
Todas as teorias da arte produzidas do fim do século XIX até hoje têm reclamado o sagrado direito de autodeterminação do artista, mas, ao mesmo tempo que essas ideias ganharam importância, têm de fato causado um genocídio mediático e cultural de todas as teorias artísticas percebidas como adversárias. E isso é lentamente inserido no imaginário popular, de modo que todos os dias e em áreas não-especialista se vê hoje usar o termo "contemporâneo" como uma espécie de fronteira racial entre as disciplinas.
Tudo que é anicônico, ou não tradicional na forma, no conteúdo ou no material é considerado “contemporâneo”. O resto, sobretudo o figurativo, é classificado como “não contemporâneo”.
Trata-se de um absurdo cronológico, além de lógico, ao qual é fácil ceder, e constitui uma espécie de abertura de um caminho que, de equívoco em equívoco, leva a uma confusão de gêneros, disciplinas, técnicas, à construção de limites intransponíveis, até a incapacidade de ver e julgar com a própria faculdade.
Por exemplo, uma análise serena do que está acontecendo no mundo da arte deve sinalizar uma vitalidade incrível de expressões artísticas caracterizadas como não contemporâneas. Na pintura, na classificação genérica de “figurativa”, assistimos a uma explosão de vitalidade de movimentos e correntes que estão animando o âmbito dessa disciplina em todo o mundo: da Ucrânia aos EUA, do Japão à Itália, da Inglaterra à China... Trata-se de experiências que, com motivações, teorias e finalidades diversas, representam todos os cinco continentes, e não se pode não ter isso em conta.
Além disso, diversas academias do mundo há quase uma década recomeçaram a estudar em detalhes Michelangelo e todo o Renascimento. Mas por outro lado, na Itália existem projetos para remover a disciplina "Anatomia Artística" dos currículos das Academias de Arte. E tudo isso é ignorado por muitas revistas especializadas, museus de arte contemporânea, por críticos e pela mídia.
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* Rodolfo Papa é historiador da arte, professor de história das teorias estéticas na Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Urbaniana, em Roma; presidente da Accademia Urbana delle Arti. Pintor, autor de ciclos pictóricos de arte sacra em várias basílicas e catedrais. Especialista em Leonardo Da Vinci e Caravaggio, é autor de livros e colaborar de revistas. Desde 2000, assina uma coluna de história da arte cristã na Rádio Vaticano.
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