Abdul Rauf Faruqi, chefe do partido islamista radical JUI-S (Jamiat-Ulema-e-Islam, Sami-ul-Haq Group, uma cisão do JUI original), anunciou a apresentação de um recurso ao Tribunal Supremo do Paquistão pedindo a proibição da bíblia no país. A novidade foi divulgada em entrevista coletiva na mesquita Mazhid-e-Khizra, em Lahore, capital da tensa província do Punjab, em 31 de maio, conforme informações do diário paquistanês The News.
Para o líder do grupo fundamentalista, que é próximo dos movimentos jihadistas entre os quais se inclui o talibã, o livro sagrado do cristianismo deve ser considerado “blasfemo”, porque é contaminado de passagens ou “acréscimos” altamente ofensivos para os muçulmanos. Segundo Faruqi, os “acréscimos” em questão atribuem comportamentos imorais a vários profetas considerados santos pelo islã e constituem uma “corrupção” da versão original da bíblia.
O clérigo radical afirma que seus colegas ulemás (doutores muçulmanos) querem vingar a profanação do alcorão pelo pastor protestante norte-americano Terry Jones, mas sem queimar a bíblia. Depois de um breve “processo” e com ajuda de outro pastor, Jones queimou publicamente na Flórida, em 20 de março, um exemplar do alcorão, provocando uma onda de violentos protestos anticristãos no Paquistão.
“Mas sabemos o que diz a bíblia sobre os profetas do Antigo Testamento?”, indaga Faruqi, segundo o Pakistan Christian Post (3 de junho). “O que devemos fazer se os relatos da bíblia são levados ao tribunal e considerados blasfemos? Devemos queimar a bíblia e matar todos os cristãos que a leram?”.
The News pediu a opinião do mufti Mohammad Khan Qadri, chefe da organização Tahafuz Namus-e-Risalat Mahaz (TNRM, cabeça da aliança de vários grupos religiosos). Segundo o expoente muçulmano, não há dúvidas de que a bíblia sofreu muitos cortes, mas um enfrentamento aberto com o cristianismo não está nos interesses do islã, especialmente neste momento crucial.
As declarações do líder radical agitaram a comunidade cristã do país. Em entrevista à organização católica Ajuda à Igreja Necessitada (ACS), o bispo de Lahore, Dom Sebastian Shaw, falou das preocupações dos fiéis, ainda afetados pelos violentos protestos contra a queima do alcorão por Terry Jones. “As pessoas ficaram muito afetadas. Nós, cristãos, estamos no Paquistão e temos o direito de ter a nossa bíblia. É um texto divino muito antigo”.
Dom Shaw pediu calma aos fiéis para não caírem na provocação dos extremistas. “Oração e paciência. Nós temos a resposta, e a controvérsia se aplacará”, disse à comunidade.
Para o presidente da Comissão Justiça e Paz de Karachi, padre Saleh Diego, “a nossa resposta é afirmar a urgência do diálogo e do respeito a todos os símbolos religiosos e aos livros religiosos de todas as religiões”. “É um movimento que poderia alimentar o ódio religioso contra os cristãos. É uma ameaça à convivência pacífica, um ataque ao coração da nossa fé”, declarou à agência Fides (3 de junho), não escondendo certos temores. “Esses grupos radicais querem nos eliminar totalmente”.
Um novo informe, que confirma esta preocupação, foi publicado pelo Jinnah Institute, presidido por Sherry Rehman, a deputada muçulmana do Paquistan People's Party (PPP, no poder), considerada “digna de ser assassinada” pelo imã de uma das maiores mesquitas de Karachi por ter proposto, depois do caso de Asia Bibi, uma reforma da lei contra a blasfêmia. O estudo, A Question of Faith (Uma questão de fé), se baseia em entrevistas com mais de cem expoentes da sociedade civil, das organizações não governamentais e das minorias, e sugere que os cristãos já são “as primeiras vítimas das perseguições” e da “crescente violência” no país (Fides, 6 de junho).
O estudo apresenta ao governo um pacote de 23 recomendações, entre as quais a revisão ou mesmo a abolição da lei da blasfêmia, e a criação de um defensor cívico das minorias. “A condição dos cristãos piorou notavelmente” no Paquistão, afirma o estudo: eles se sentem “cidadãos de segunda classe” e “são discriminados em todos os setores da vida pública”.
O documento foi recebido com satisfação pela comunidade cristã. “Estamos totalmente de acordo e felizes de que um instituto desse nível e prestígio, expressão da intelectualidade muçulmana do país, aborde esses temas e fale da perseguição contra os cristãos”, afirmou a Fides o diretor das Obras Pontifícias Missionárias no Paquistão, padre Mario Rodrigues. “Não acho que o governo queira encarar seriamente o status das minorias religiosas”, continuou o sacerdote, “mas este informe pode fazê-lo se mexer de alguma forma, algo novo na opinião pública e na sociedade civil do Paquistão”.
Os ataques contra alvos cristãos e as agressões contra membros da minoria se tornaram rotina no país. Segundo o Compass Direct News (1º de junho), muçulmanos armados atacaram em 29 de maio, no povoado de Lakhoki Kahna, arredores de Lahore, a Numseoul Presbyterian Church, insultando os fiéis, destruindo um altar de vidro e profanando vários exemplares da bíblia e uma cruz.
Uma categoria concreta de cristãos acabou no ponto de mira dos muçulmanos: as mulheres. São muitíssimas as meninas cristãs pertencentes à comunidade cristã raptadas, violadas e obrigadas a se converter ao Islã e se casar com um muçulmano. Segundo conta Fides (27 de maio), no dia 24 de maio duas irmãs cristãs – Rebecca e Saima Masih – foram detidas na rua e raptadas no distrito de Jhung, próximo de Faisalabad. Depois de uma “conversão” ao Islã, uma das duas irmãs, Saima, foi entregue como esposa a um rico empresário muçulmano, Muhammad Waseem, o mesmo homem que no passado tinha declarado que queria se casar com as duas irmãs. Outro dramático caso de violência é o das duas enfermeiras do Fatima Memorial Hospital de Lahore, Nusrat Bibi e Muneeran Bibi. As duas foram acusadas injustamente de roubo e depois sequestradas e molestadas por quase 12 horas por um funcionário muçulmano em um quarto do hospital (Fides, 20 de maio).
O recente assassinato no Paquistão do fundador e ideólogo da Al Qaeda, Osama Bin Laden, agravou a situação. Segundo o padre Bonnie Mendes, da seção Ásia da Cáritas Internacional, “o Paquistão está nas mãos dos talebãs. Eles são cada vez mais fortes, inclusive depois da morte de Bin Laden”. “E desfrutam da aprovação de muitos segmentos da população: o cidadão comum está enfadado com o governo, com os EUA e com a OTAN, e isso favorece as ações dos grupos talebãs”.
Fonte: Zenit.
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