O bullying, forma de violência cada vez mais presente em nossa sociedade, é explorado nesta entrevista concedida a ZENIT por Luciene Regina Paulino Tognetta, doutora em Psicologia Escolar pela USP e coordenadora da Linha de Pesquisa “Virtudes e Afetividade” pelo GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral – da Unesp/Unicamp.
A primeira parte desta entrevista foi publicada ontem e a terceira parte será publicada no domingo, dia 26 de junho.
Alguns falam de "agressor" e "vítima", enquanto outros consideram "autor" e "alvo" como termos mais adequados. Qual é a diferença?
Dra. Luciene R. P. Togneta: A atual literatura sobre o fenômeno aconselha que utilizemos as expressões “alvos de bullying” e “autor de bullying” à vítima e agressor, respectivamente, na tentativa de evitar preconceitos por parte dos agentes que trabalham com situações problemas em que haja essa forma de violência. Professores como o espanhol José Maria Avilés Martinez, que estará conosco durante o II COPPEM, é um dos que têm se esforçado para adequar tais expressões. No Brasil, os pesquisadores do GEPEM já aderiram a essa nova nomenclatura, a partir de nossos estudos publicados em 2008 por nós, Luciene Tognetta e Telma Vinha.
Autor e alvo são os únicos envolvidos na "cena" do bullying?
Dra. Luciene R. P. Togneta: Não. Há também aqueles que chamamos de espectadores. São eles que promovem o autor e permitem declinar o alvo. Sem público não há espetáculo. Os atos de bullying são escondidos aos olhos da autoridade, mas dos pares não; o autor de bullying precisa que todos saibam o que fez com a vítima. Os espectadores, muitas vezes, ficam do lado dos mais fortes ou são indiferentes, por medo de se tornarem a próxima vítima. Falta-lhes o sentimento de indignação.
É possível que um alvo se torne autor e vice-versa? Como e por que se dá isso?
Dra. Luciene R. P. Togneta: Pelo lado do agressor, ele tem a intenção de ferir, ele precisa menosprezar o outro para se sentir melhor, mas nem sempre ele é uma ex-vítima. Ele pode ser, na verdade, uma criança ou adolescente que simplesmente carece de sensibilidade moral, a ponto de não conseguir se colocar no lugar do outro. Mas pode ser que tenha se sentido vitimado em alguma circunstância, por seus pais, por seus iguais e tenha aprendido que a única forma de “ficar bem na fita” seja também provocando os outros. O valor que ele vê em si mesmo pode ser tão pequeno que, para se sentir melhor, ele invista sobre os outros.
Como se pode trabalhar a inclusão social do autor do bullying? E do alvo?
Dra. Luciene R. P. Togneta: Estigmatizados, estão com certeza todos os diferentes que não aprendem na escola que não se renova e nem se preocupa em criar formas de se adaptar às suas necessidades especiais. O professor pode estar voltado ao quadro, e não a quem aprende. Até porque, infelizmente, perpassa pela cabeça de muitos professores que o problema de bullying é uma brincadeira própria da idade. Ou então, para outros, um problema que não é da escola. Mas convenhamos: ética não é um conteúdo da escola? Se sim, como afirmado pelos parâmetros curriculares, é trabalho imprescindível do professor tratar deste conteúdo em suas aulas. Se concordarmos com Ricoeur (1993) em que “ética é a busca de uma vida boa com e para o outro em instituições justas”, trabalhar com o tema da ética é trabalhar com as relações entre as pessoas. É ajudá-las a buscar a “vida boa” como sinônimo de dignidade. É possibilitar que meninos e meninas se vejam com valor, para então valorizarem os outros.
Segundo sua experiência nesta área, quais são os principais meios para se evitar o bullying, a curto e longo prazo?
Dra. Luciene R. P. Togneta: Primeiramente, os educadores precisam compreender as particularidades desse tipo de violência para depois pensar em propostas de intervenção. De acordo com estudos e pesquisas realizadas na área de Psicologia Moral, o autor de bullying é um sujeito que possui uma escala de valores invertida, em que respeito, generosidade, solidariedade não são valores centrais para esses meninos. Por isso, é importante destacar que ele também precisa de ajuda, pois são sujeitos que carecem do que chamamos de “sensibilidade moral”, ou seja, não enxergam no outro um sujeito digno de respeito e por isso não consegue se sensibilizar com a dor alheia.
Ao contrário do que as escolas têm feito quando identificam os autores, que é aplicar castigos ou punições, o que podemos fazer é aplicar sanções por reciprocidade, que estejam relacionadas com as ações do sujeito; encorajá-los a pedir desculpas e incentivá-los a reparar o mal causado ao outro, para que possam refletir sobre o que fizeram. Por sua vez, os alvos de bullyingnão têm forças para lutar contra seus algozes porque se veem como diferentes; é preciso ajudá-los a se ver com valor, a se respeitarem para que possam sair do “estado” de vítima. Mas a escola precisa trabalhar também com os espectadores, como já dissemos, são eles que promovem o autor; portanto, precisamos trabalhar com os sentimentos desses sujeitos que não conseguem se indignar, precisamos questioná-los: como vocês se sentiriam se isso acontecesse com vocês? O que vocês poderiam fazer para que isso não acontecesse mais? Para isso, é preciso construir espaços que abarquem a formação ética dos nossos alunos. Pouco adianta puni-los, julgá-los, denunciá-los à polícia. O que precisamos é formar cidadãos que aspirem a uma personalidade que tenha valores morais.
Fonte: Zenit.
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