Quem escreve este artigo é espanhol, historiador de profissão. E, em virtude dessas duas circunstâncias – a de espanhol e de historiador –, leva anos ouvindo relatos muito diferentes das barbaridades que se realizaram na Guerra Civil de 1936-1939. Tenho certeza de que mais de um leitor – que não seja espanhol – dirá que lhe acontece a mesma coisa, mas referindo-se às atrocidades que se cometeram em seu próprio país e nos mesmos anos. Pois bem, então já têm uma observação para escrever em meu blog, se acham que o que vou lhes apresentar se aplica também aos seus países.
Somos poucos os espanhóis da minha geração – a da pós-guerra – que não ouviram em casa, desde crianças, relatos do calvário que sua família teve de sofrer. A verdade é que houve espanhóis que pensaram que esse calvário – o dos seus – foi algo tão indignante e tão indigno que optaram por calar e não falaram jamais da guerra aos seus filhos. Mas até esse silêncio não pôde ser mais eloquente e o resultado foi que esses outros espanhóis da minha geração – os que não ouviram nada em casa – acabaram tendo, certamente, a mesma ideia que nós: a de que tudo aquilo foi horrível.
É claro que houve pais e mães que – até com seu silêncio – puderam inculcar sentimentos de ódio ou de revanche entre seus próprios filhos (muitas vezes, sem pretender isso). Houve outros, pelo contrário, que – conscientemente ou não – suscitaram a ideia contrária: a de que esse horror que nos relatam – traduzido em fatos concretos – não deve se repetir jamais e que é preciso viver – e conviver – de maneira que isso seja assim: que nunca volte a ocorrer.
Pois bem, este historiador – quando ainda não o era –, sendo criança e, depois, já adolescente, teve a sorte de se formar em uma família que não lhe poupou dos relatos do sofrimento que viveu, mas o fez de tal modo que o que lhe inculcou – como se gravassem isso nele com ferro candente – é que tudo isso serve como uma recordação permanente do que jamais se há de repetir, para o qual – claro está – não importam tanto as palavras, mas sim a forma de viver de cada um.
É possível – não sei – que essa formação infantil tenha me induzido a fazer-me perguntas quando comecei a ouvir os calvários de outros espanhóis. Foram muitas essas perguntas, mas a que vem ao caso é esta: em quase todos os calvários - de esquerdas e direitas, dito coloquialmente – se misturam, de forma um tanto estranha, o bem e o mal. O narrador relata quase sempre um calvário. Mas, ao detalhá-lo, podemos observar retalhos de bondade que suavizaram aquele horror ou, pelo menos, tentaram isso – ainda que tenham fracassado – e, em mais de uma ocasião, conseguiram impedi-lo. Lembro, por exemplo, que, no meu povoado – uma pequena cidade aragonesa –, quem tirou da prisão duas irmãs de uma família de comerciantes apelidada “Los Zamoranos” foi seu irmão, que pediu auxílio para isso aos chefes do batalhão em que se havia alistado para disfarçar e evitar que fosse ele o preso e, precisamente, o fuzilado. Era óbvio que esses chefes e companheiros de armas – que, certamente, não eram bobos – devem ter compreendido que aquele rapaz pensava, na verdade, como os do bando inimigo. Pelo menos, estava claro que suas irmãs o faziam. Por isso, justamente, elas foram presas. No entanto, não indagaram sobre as verdadeiras ideias do seu companheiro, mas percorreram com ele os cem quilômetros que distavam de Zaragoza para salvar – e em sua casa, sem necessidade de esconder-se – essas duas pessoas.
Desde que percebi isso, repeti, em todos os lugares em que quiseram me ouvir, que os historiadores – e toda pessoa honesta – têm de explicar a história não só pelo mal, mas também pelo bem que foi feito. E é essa história da Guerra Civil Espanhola que eu gostaria de trazer a estas páginas. Com a ajuda dos espanhóis. Do contrário, superará por completo as minhas forças. Então, a primeira coisa que fiz foi criar um blog, que aparece aqui no final. Conheço histórias suficientes para provar o que digo. Mas seria importante que todos as contassem.
Fonte: Zenit.
Nenhum comentário:
Postar um comentário