sexta-feira, 2 de julho de 2010

Procriação consciente e responsável: entre a lei civil e a lei moral

Na Itália, foi ditada uma sentença – divulgada pela imprensa a 20 de junho passado [1] – segundo a qual um casal, afetado pela talassemia e que havia tido um filho portador da doença devido a um diagnóstico incorreto durante a gravidez, obteve ganho de causa contra o médico responsável pelo exame, condenado a pagar uma indenização no valor de 400 mil euros ao casal; segundo a sentença, teria sido violado “o direito do casal a uma procriação consciente e responsável”.
A expressão “procriação consciente e responsável” assumiu assim de imediato uma radical transformação em seu significado original. Este novo significado, surgido recentemente no contexto das descobertas científicas no campo da fertilidade humana, indica, no âmbito da reflexão moral católica [2], uma conduta que considera a realidade dos cônjuges ao responderem como colaboradores, não árbitros, no projeto criador de Deus, pautada no respeito a todos os sujeitos envolvidos e nos valores em jogo no exercício da sexualidade.A expressão remete à possibilidade de acompanhar o andamento da fertilidade e da infertilidade humanas à consciência de que não se rejeita uma vida concebida durante o período fértil nem a se busca quando a fertilidade está ausente. A procriação responsável refere-se tanto à fertilidade quanto à infertilidade: duas faces da mesma moeda, uma vez que, no plano biológico, convida a conhecer as leis da transmissão da vida e a respeitá-las; no plano psíquico, convida a conhecer o impulso sexual e a educá-lo; no plano social, convida a abrir-se às múltiplas formas de fecundidade, para além da fertilidade biológica; e no plano ético, convida à doação de si mesmo.No contexto da assim chamada revolução sexual, porém, o termo ganha outro significado. Passa a ser identificado com o controle de natalidade e o planejamento familiar [3], para indicar a intenção de “não ter filhos”, objetivo levado a cabo por meio de métodos contraceptivos e pelo aborto, ações ligadas à mesma mentalidade anti-vida.O termo surge pela primeira vez na legislação italiana no artigo 1 da lei 405 de 1975, que institui os consultores familiares e, mais tarde, no artigo 1 da lei 194 de 1978, referente ao aborto, como “direito à procriação consciente e responsável”. Paulatinamente, assim, se introduziu a ideia de que um concebido, quando indesejado ou doente, possa ser rejeitado e abortado, mascarando, com o termo “procriação responsável”, um suposto direito à liberdade, em nome da nova religião da autodeterminação.O termo também consta no jargão da saúde sexual e reprodutiva, entendido como informação técnica referente à contracepção, ao aborto, às instruções sobre como evitar uma gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. A fertilidade é assim apresentada como uma doença a ser evitada ou como um direito a ser atendido a todo custo, nunca como um dom e uma responsabilidade que se pode aprender a conhecer e a valorizar desde a juventude – também com métodos naturais [4].Lamentavelmente, nos debates científico, cultural, ético e pastoral referentes à questão da fertilidade e infertilidade humanas, tem-se dispensado pouca atenção [5] ao tema da gravidez “natural”, a ponto de, no que se refere ao autêntico significado da “procriação responsável”, constata-se um silêncio dramático que arrisca esvaziar até mesmo uma das pedras fundamentais do Magistério, a encíclica Humanae vitae de Paulo VI, que no item 10, esclarece o significado da procriação responsável[6], que exclui qualquer postura egoísta ou contrária à vida.O impacto cultural das leis contribuiu para introduzir, erroneamente, “procriação responsável” como um “não ao filho”, mentalidade que se faz presente também nas sentenças sobre “o direito de não nascer”, entendido como uma reparação ao leso direito a uma “procriação consciente e responsável”.Sustenta-se que tal direito tenha sido lesado por algum interesse econômico ou ideológico, recorrendo-se a manipulações linguísticas e a um falso sentimento de piedade, que possibilitam efetuar a necessária “reparação” diante da constatação do “risco” temido – o filho, não mais reconhecido como um bem indisponível, dotado de objetiva dignidade ontológica.*Angela Maria Cosentino é docente de procriação responsável e fertilidade humana nos cursos da Pastoral Familiar do Instituto João Paulo II.

Fonte: Zenit.

Nenhum comentário:

Postar um comentário