Bento XVI, em Fátima, lançou a todos que se ocupam de Doutrina Social da Igreja um desafio verdadeiramente radical, que não podemos deixar de recolher.
A 13 de maio, o Papa convidou os católicos comprometidos no campo social a uma presença, a um testemunho vivo no mundo. Também indicou explicitamente a necessidade de se remeter, neste compromisso, ao horizonte da Doutrina Social da Igreja: “O estudo da sua Doutrina Social, que assume como principal força e princípio a caridade, permitirá marcar um processo de desenvolvimento humano integral que adquira profundidade de coração e alcance maior humanização da sociedade. Não se trata de puro conhecimento intelectual, mas de uma sabedoria que dê sabor e tempero, ofereça criatividade às vias cognoscitivas e operativas para enfrentar tão ampla e complexa crise”.
Tratou-se de um forte convite à presença, “cientes, como Igreja, de não poderdes dar soluções práticas a todos os problemas concretos, mas despojados de qualquer tipo de poder, determinados ao serviço do bem comum, estais prontos a ajudar e a oferecer os meios de salvação a todos”, sem renunciar ou retirar-se, mas conscientes de que há que estar presentes, juntos, sob a guia da Igreja e de sua Doutrina Social.
Este convite, dirigido a grandes massas de pessoas comprometidas, no entanto contrasta objetivamente com a recente evolução da sociedade portuguesa, objeto de uma secularização muito violenta, que no passar de poucos anos permitiu a aprovação de leis fortemente contestadas pelo Papa, como o aborto e o reconhecimento das uniões homossexuais. Este contraste foi o pano de fundo de toda viagem de Bento XVI, já missionário em uma terra dessacralizada, mais que peregrino em uma nação cristã. E esta é a grande questão: que resta do compromisso social e político dos católicos, de sua Doutrina Social, de suas atividades caritativas se decai a fé, se a apostasia das raízes cristãs cresce ao redor e se Deus está cada vez menos presente na cena pública, porque está cada vez menos presente nas consciências?
Volta o problema fundamental ao qual este pontífice parece ter dedicado todas as suas forças, o tema da famosa Carta sobre a retirada da excomunhão aos bispos de Ecône: “No nosso tempo em que a fé, em vastas zonas da terra, corre o perigo de apagar-se como uma chama que já não recebe alimento, a prioridade que está acima de todas é tornar Deus presente neste mundo e abrir aos homens o acesso a Deus. Não a um deus qualquer, mas àquele Deus que falou no Sinai; àquele Deus cujo rosto reconhecemos no amor levado até ao extremo (cf. Jo 13, 1) em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. O verdadeiro problema neste momento da nossa história é que Deus possa desaparecer do horizonte dos homens e que, com o apagar-se da luz vinda de Deus, a humanidade seja surpreendida pela falta de orientação, cujos efeitos destrutivos se manifestam cada vez mais. Conduzir os homens para Deus, para o Deus que fala na Bíblia: tal é a prioridade suprema e fundamental da Igreja e do Sucessor de Pedro neste tempo”.
Algo parecido disse também em Fátima, no dia 11 de maio: “a prioridade pastoral hoje é fazer de cada mulher e homem cristão uma presença irradiante da perspectiva evangélica no meio do mundo, na família, na cultura, na economia, na política. Muitas vezes preocupamo-nos afanosamente com as consequências sociais, culturais e políticas da fé, dando por suposto que a fé existe, o que é cada vez menos realista”. Fala-se de sonhos de novas gerações de políticos católicos, mas os católicos são cada vez menos, fala-se de presença pública do cristianismo, mas os cristãos são cada vez menos.
Não podemos deixar de acolher este desafio. Ou também a Doutrina Social da Igreja serve para “levar o homens a Deus”, a “fazer Deus presente neste mundo”, ou do contrário está destinada a tornar-se árida. Significa portanto que deve-se ter sempre presente que também a Doutrina Social é educação para a fé e que esta vive dentro da fé viva da Igreja da qual está a serviço e da qual é ao mesmo tempo expressão. Não se trata de dizer: dado que a fé diminui, deixemos ou abandonemos a Doutrina Social, ou a consideremos simplesmente um código ético útil ao diálogo com os crentes. Trata-se muito mais de relançar a Doutrina Social como “instrumento de evangelização”.
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*Dom Giampaolo Crepaldi é arcebispo de Trieste e presidente do Observatório Internacional “Cardeal Van Thuan” sobre a Doutrina Social da Igreja.
Fonte: Zenit.
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