Já tinham se passado vários dias de marcha dos fiéis da diocese de Moroto, no castigado noroeste de Uganda, após percorrer 400 quilômetros de estradas poeirentas e um forte calor. Durante o trajeto, eles cantaram e rezaram. Este ano, organizariam as celebrações pelos mártires ugandeses, no Santuário Nacional de Namugongo, próximo da capital de Kampala.
A associação católica internacional Ajuda à Igreja que Sofre apoiou economicamente a diocese de Moroto nos preparativos, e uma delegação da Associação pôde participar no acontecimento, no âmbito de uma viagem de três semanas por onze dioceses de Uganda.
Seus rostos resplandeciam de alegria. Durante meses, os crentes de Moroto estavam se preparando para a grande festa que atrai cada ano mais peregrinos de Uganda e também de outros países: muitos vêm do Sudão, Quênia, Ruanda, Tanzânia, Burundi e República Democrática do Congo. Calcula-se que participem entre 500 mil e um milhão de crentes.
Em 3 de junho, centenas de milhares de peregrinos – entre eles, centenas de sacerdotes, todos os bispos de Uganda e alguns do estrangeiro, além de vários telespectadores – ficaram maravilhados no santuário, enfeitado para a ocasião. E bem que poderiam ser cantores profissionais os que entonavam o "Kyrie" da "Missa Brevis" de Mozart e canções melódicas em várias das línguas faladas em Uganda, que transmitem a fé com tal força que também podem ser percebidas por pessoas que não entendem o idioma. Até os habitantes de uma região tão judiada como a de Karamoja organizaram uma festa muito alegre e colorida, que também supôs um testemunho de fé vívido a partir da alma mais profunda de Uganda.
O noroeste é a região menos desenvolvida do país, seus habitantes são considerados atrasados. Além disso, a região está tão castigada pela violência que o presidente de Uganda anunciou sua intenção de enviar o Exército. Na noite anterior à saída dos peregrinos de Moroto, um dos organizadores foi morto por um tiro enquanto seguia para a missa. Os membros da etnia dos karamojong conhecem como ninguém a morte, o sofrimento e o derramamento de sangue.
“Estamos pisando numa terra cheia de sangue dos mártires”, exclamou Dom Henry Ssentongo, bispo de Moroto, durante a homilia. Porque foi aqui, em Namugongo, onde, entre 1885 e 1887, foram executados cruelmente vinte e dois jovens da corte do Rei Mwanga por permanecerem fiéis a sua fé e por se negarem a servir ao soberano como catamitas. Eram os primeiros católicos do país, e seus testemunhos deram frutos, porque atualmente mais de 12,6 milhões dos 28 milhões de habitantes de Uganda são católicos, e cada ano são batizados 400 mil novos ugandenses.
Em Uganda não é raro pisar em terras onde houve derramamento de sangue. Dias antes, dois colaboradores de Ajuda à Igreja que Sofre visitaram o campo de refugiados de Pagak, perto de Gulu, onde hoje continuam vivendo cinco mil pessoas. Onde quer que as crianças brinquem perto de casebres miseráveis, estão pisando em sepulturas. Até pouco anos, os rebeldes do Exército de Resistência do Senhor massacraram aqui, sem piedade, mulheres, homens e crianças indefesas. Segundo nos conta o pároco, Pe. Richard, os corpos sem vida eram amontoados em frente à capela.
Durante as quatro horas de duração da Missa em Namugongo, o Evangelho é acompanhado com danças até o altar. Uma mulher o leva em uma fonte de madeira, simbolizando Cristo, que se fez homem no ventre da Virgem Maria; mas também a Palavra de Deus, que os fiéis recebem e se faz carne em suas vidas.
Dom Ssentongo afirma em sua homilia que “esta peregrinação deve introduzir um novo rumo em nossas vidas [...] Não basta se alegrar que Uganda seja uma país de mártires. Não basta chamar as igrejas com seus nomes e peregrinar até Namugongo. Devemos continuar seu exemplo e seguir Cristo até o fim”.
Para os fiéis da diocese de Moroto, suas vidas mudaram. Pela primeira vez viveram a experiência de não viver à margem, mas ser algo valioso e poder contribuir com algo. Eles se sentem parte da Igreja universal. É um grande tesouro que carregam em seu coração, garante o bispo de Ssentongo. Talvez experiência da peregrinação contribua com que a vida mude na região de Karamoja, porque na festa dos mártires ugandeses, os membros da tribo de karamojong demonstraram que podem fazer algo bom, e todo o país pode comprovar isso. Talvez isso também seja um dos milagres de Namugongo.
* Colaboradora de Ajuda à Igreja que Sofre.
Fonte: Zrnit.
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