As mesquitas e as igrejas foram fechadas à força em 1967, a prática religiosa não voltou a ser permitida durante quase 25 anos. De fato, a Albânia é conhecida como o primeiro Estado ateu do mundo.
Hoje, na Albânia pós-comunista, é difícil estimar o número de católicos que existe, entre uma população de 3,6 milhões do país; calcula-se que talvez 10%, enquanto 20% são ortodoxos. A maioria da população se diz muçulmana.
Nesse cenário, a doutora italiana Anna Maria Doro, membro da Comunidade de Sant'Egidio, tem trabalhado e compartilha sua experiência conosco nesta entrevista.
O que mais a marcou quando chegou à Albânia?
Doro: O que me impressionou foi a diferença entre os dois países: Itália e Albânia. A Albânia fica muito perto da Itália, somente 60 quilômetros do porto de Bríndisi ao porto de Vlore.
O país não mudou, permaneceu como há cem anos: poucos carros nas ruas, estradas ruins e apagões. A vida das pessoas está ligada a um sistema agrícola muito arcaico, muitos são pastores. Mas o que me comoveu foi o calor humano das pessoas. Os albaneses são muito acolhedores com os estrangeiros. A hospitalidade tem muito valor e inclusive quando estão numa situação difícil compartilham o que têm com seus hóspedes.
É verdade que há uma cerca elétrica que rodeia todo o país?
Doro: Houve uma espécie de cerca, por exemplo, ao longo da fronteira com a antiga Iugoslávia, que rodeava o lago. Até hoje não existem árvores na fronteira. Todas as árvores foram cortadas para evitar que as pessoas saíssem do país. Abandonar o país era proibido e as pessoas capturadas fugindo eram executadas e tinham a família perseguida. Encontrei pessoas que não puderam terminar seus estudos porque um primo de terceiro grau tinha tentado escapar.
Os deslocamentos dentro do país também eram proibidos. Às pessoas que viviam nas montanhas, que passavam por privações econômicas, era proibido emigrar às zonas urbanas, porque era um privilégio concedido aos membros leais ao regime viver na cidade. Existia um isolamento cultural total e as pessoas eram proibidas de ouvir notícias ou música estrangeira. Assim, o povo albanês não era consciente dos acontecimentos do mundo exterior durante esse período e tinham uma visão distorcida daquele mundo.
O ataque à Igreja foi terrível: a perseguição foi muito dura. Que exemplos nos poderia dar disso?
Doro: Começaram com o assassinato de 60 sacerdotes e muitas religiosas e a prisão de todos os sacerdotes do país. Os colégios confessionais foram fechados e as ordens religiosas suprimidas. Conheci uma religiosa estigmatina em Shkodër. Seu convento foi fechado. Eram umas 90. Voltaram a morar em suas casas, mas permaneceram sendo religiosas e a população continuava levando seus filhos para serem batizados por elas em segredo. Algumas dessas religiosas eram noviças e tiveram que esperar até 1991 para receber o hábito religioso, quando já tinham setenta anos.
A senhora é médica. Trabalha na Albânia desde 1995: quais os desafios para a medicina? A senhora trabalha com crianças: quais seriam os desafios nas estruturas médicas do país?
Doro: A Comunidade de Sant'Egidio ajuda sobretudo nos setores sanitário e educacional. O setor sanitário está mal equipado como a maioria dos setores públicos da Albânia. Ajudamos com doações de remédios e equipamento sanitário para os hospitais. Especialmente no norte do país, que é a parte mais pobre, apoiamos 14 clínicas pediátricas para ajudar a lutar contra a desnutrição infantil. Obviamente, desde 1991, a situação econômica da Albânia melhorou, mas ainda existem muitas necessidades no setor sanitário e a população ainda sofre. Falta infraestrutura e ainda persistem os apagões e isso é muito difícil para as pessoas.
De alguma maneira parece haver um silêncio por parte da comunidade internacional sobre o país, a senhora percebe isso? Por que acha que essa situação existe?
Doro: Durante 40 anos era impossível saber algo sobre a Albânia. Agora a situação é certamente diferente. No geral, diria que os albaneses estão muito interessados em outros países e línguas, mas não existe reciprocidade nos europeus ocidentais e nos Estados Unidos. Os italianos, por exemplo, estão mal informados sobre a Albânia. Sua percepção se baseia nos primeiros albaneses que encontraram em 1991: pobres refugiados. Agora a situação é diferente. O albanês que emigra ao estrangeiro deveria contar com uma mudança de percepção na comunidade internacional e através do turismo. Existem lugares maravilhosos na Albânia.
Como a Igreja trabalha neste esforço de reconstrução do país?
Doro: A Igreja está fazendo um papel muito importante na Albânia. Tem ajudado na reconstrução da sociedade em termos de desenvolvimento humano e na comunicação do Evangelho. Isso começou no principio principalmente com a ajuda da Igreja universal. Muitos missionários – sacerdotes e religiosas – vieram da Itália, de Kosovo, Croácia e da Índia, Filipinas e Alemanha. Ajudaram a construir igrejas, escolas e clínicas. No início a Igreja se vu obrigada a atuar como uma administradora porque o Estado ou não estava presente ou era ineficaz. Acredito que a Igreja é um ponto de referência muito importante não somente para os católicos, mas para todos, incluindo aqueles que não possuem uma identidade religiosa clara, porque a Igreja é testemunha do amor cristão que é gratuidade, compaixão e amor, o que não é comum nessa sociedade.
As pessoas confiam muito na Igreja – porque viveram com ela durante tempos difíceis –, talvez mais que no Estado, não é mesmo?
Doro: Sim, confiam na Igreja e ela é muito respeitada não somente pelo Estado mas também por outras religiões porque a Igreja ajuda a todos sem distinção e as pessoas reconhecem isso.
Como é a relação entre muçulmanos e católicos na Albânia? Parece ser de harmonia absoluta?
Doro: Até agora sim. Os católicos visitam os muçulmanos durante suas festas e vice-versa. Agora existem alguns sinais de fraturas nas relações pelos acontecimentos internacionais e isso também se reflete na Albânia, mas, de modo geral, a relação é bastante boa e existem muitos casamentos entre ambos.
Fonte: Zenit.
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