Cada vez mais é difícil ser católico em um país de maioria muçulmana, afirma o bispo da diocese de Faisalabad, em que os cristãos frequentemente são tratados como cidadãos de segunda classe.Nesta entrevista, o bispo fala sobre sua vocação, a situação dos cristãos no Paquistão e os problemas associados com a “lei da blasfêmia” neste país.O nome oficial do Paquistão é República Islâmica do Paquistão; é obvio, portanto, que a maioria da população de Paquistão é muçulmana, cerca de 95%, assim como os cristãos são uma minoria num país predominantemente muçulmano. Como é ser uma pequena Igreja cristã?Dom Coutts: Sim, para nós é um desafio viver no entorno islâmico no qual estamos, posto que os cristãos são cerca de 2% e os católicos 1%, talvez um pouco mais de 1%. De fato, tornou-se mais difícil nos últimos anos com a crescente onda de fundamentalismo islâmico no Paquistão e em outras partes do mundo, e sentimos que há alguns anos se tornaram mais intolerantes que antes.De onde vêm essas ameaças?Dom Coutts: Concordo, utilizemos a palavra ameaça. Como você disse, a verdadeira ameaça neste sentido esteve na província noroeste. O Paquistão é um país muito grande; se você compará-lo com os Estados Unidos, é, se não me engano, do tamanho do Texas e Oklahoma com um pouco mais de extensão e uma grande população.A dificuldade que temos, por exemplo, é que existem grupos islâmicos que queriam ver o Paquistão se converter em um Estado puramente islâmico. Se o Paquistão se converter num Estado islâmico puro, com todas as leis islâmicas que agora não temos, significaria que os não-muçulmanos seriam como cidadãos de segunda classe.O Islã tem um termo especial para isso – dhimmi. Não seremos iguais. Não teríamos a igualdade de que fala a Constituição. Não teríamos liberdade, seria uma liberdade limitada. Isto é o que quero dizer com a palavra ameaça.Temos algumas leis que já foram aprovadas, por exemplo, a que chamamos de “lei da blasfêmia”. Referimo-nos a ela frequentemente como a lei 295 C – que é o código desta lei em nosso país.Que é esta “lei da blasfêmia”?Dom Coutts: É uma lei muito perigosa porque diz que se alguém fala contra ou desafia o nome do santo profeta Maomé, o profeta do Islã, seja oralmente, por escrito ou representação, seja direta ou indiretamente, o castigo é a morte. Aqui não há discernimento, dentro da lei, sobre a intenção disto ser feito de modo acidental, se for feito por ignorância, ou apenas se não se pretendia fazer. A punição é a morte. É muito perigoso.Que isso significa para os católicos?Dom Coutts: Esta lei é perigosa não só para os católicos, cristãos ou não-muçulmanos, também é para os muçulmanos. Há outra lei. Deixe-me explicar.Está na lei 295 C e também na 295 B. A lei B diz: se o Corão for profanado, livro sagrado dos muçulmanos, isso também resultará em punição. Então, se você derrubar de modo acidental o livro, você pode ser castigado.Darei um exemplo muito concreto que ocorreu há dois anos em minha cidade, Faisalabad. Temos uma pobre mulher cristã que fazia a limpeza na casa de uma família muçulmana rica, quando jogou muitos papéis velhos, latas e garrafas e o lixo para fora da casa.Esta mulher, que tinha um pai idoso em sua casa, recolheu o que podia ser reciclado – nós reciclamos muito em nosso pobre país, todas as latas, papéis e garrafas – e alguns papéis deviam ser queimados. Então os levou em um lugar muito pobre, para serem queimados. O idoso, seu pai, e um muçulmano que passavam, disseram: “Há uma página do sagrado Corão entre os papéis. Você vai queimar o sagrado Corão”.E então se criou um alvoroço e todos se reuniram, e tudo ficou realmente fora do controle, porque um muçulmano, algo bastante compreensível, sente-se muito impressionado se ele ouve que seu livro sagrado foi profanado. Este idoso e o outro cristão foram imediatamente levados para a delegacia de polícia; o caso se classificou sob a lei 295 B: profanação do livro sagrado.Atualmente ambos estão na prisão. Já passaram dois anos. Estão lutando por seu caso. O Tribunal inferior os condenou a cinco anos de prisão. Estamos apelando na Suprema Corte.Nossa Comissão Justiça e Paz assumiu o caso. Outras ONGs também nos apoiam. Inclusive muitos muçulmanos moderados e honrados nos apoiaram, mas esta é a classe de tensão na qual vivemos.De repente, algo que não é esperado, algo que não é propositalmente feito, causa um transtorno que custa um alto preço. Todos os cristãos que vivem nessa região estão afetados.Até que ponto os afeta?Dom Coutts: Há muito medo. Talvez os muçulmanos nos ataquem. De fato, muitos fugiram para o salão paroquial pela noite, por várias noites, talvez dois ou três dias, até que os ânimos se acalmassem, e assim a lei 295 C é muito mais perigosa. Inclusive se um muçulmano fizer o mesmo, ele enfrenta o mesmo perigo. Mas isto não é algo positivo, já que não é somente contra os católicos, ou contra os cristãos, mas também contra a população muçulmana?Dom Coutts: Neste momento, estatisticamente, há mais cristãos na prisão pela lei 295 C, mas o perigo da lei é que é muito fácil acusar alguém de ter falado contra o profeta Maomé, e logo os ânimos se alteram e isto é perigoso.Ninguém para e pergunta: “é verdade que você fez isso ou disse isso?” Antes de ter a oportunidade de se defender todos os ânimos esquentam.Houve casos em que foram assassinadas pessoas. Pessoas que foram assassinadas por blasfêmias, nenhuma delas foi morta pela lei, por um processo judicial. Temos uns poucos casos em que cristãos e muçulmanos foram espancados, assassinados ou apunhalados até a morte.Mudando de assunto, há um amor especial pela Virgem Maria entre cristãos e muçulmanos. Como é em sua diocese?Dom Coutts: Sim, não só em minha diocese mas em geral, porque a Virgem Maria é mencionada no Corão, o livro sagrado dos muçulmanos, e os muçulmanos a consideram a Mãe do profeta Jesus, ela é vista como uma pessoa muito santa e pura, mas eles não dão a Maria a mesma honra e veneração que os católicos.Como é sua devoção a Maria?Dom Coutts: Nasci e cresci em uma família católica; somos católicos praticantes, e na grande cidade de Lahore, onde nasci e cresci, minha casa era justo em frente da igreja; e em casa, minha mãe sempre insistia no Rosário em família e quando criança estive na Legião mirim de Maria. Então eu fui criado em um ambiente no qual esta devoção por nossa Mãe Santíssima era muito forte.Esse foi um fator que influenciou em sua vocação ao sacerdócio?Dom Coutts: Olhando para trás, não sei se me centraria num aspecto em especial de minha vocação. Tínhamos trabalhando em nosso país alguns padres capuchinhos belgas. Ainda existem alguns deles no Paquistão. Impressionava-me sua dedicação e a forma na qual nos tratavam. Também estudei num colégio católico no qual os professores eram os Irmãos Irlandeses.Tínhamos retiros anuais e, como disse antes, uni-me à Legião de Maria. Lá tínhamos muitas devoções católicas e, por não viver longe da igreja, minha mãe estava muito comprometida nas atividades da paróquia. Acredito ter sido um conjunto de coisas o que fomentou minha vocação. Não diria que houve um ponto único.O senhor é o único religioso de seus irmãos e irmãs?Dom Coutts: Sim, e meu irmão não ficou contente quando fui para o Seminário.Por que não?Dom Coutts: No princípio ele disse: “O quê? Você vai se tornar um padre? está falando sério?”, e coisas desse tipo, mas agora todos eles apreciam muito, inclusive meus amigos. Você sabe que quando estamos nessa idade, no colégio, temos muitos ideais, e eu tinha muita vontade de ser piloto. Cresci, graças a Deus, em uma família muito boa; nunca nos faltou nada. Tive uma boa educação. Tínhamos tudo o que queríamos e sempre queríamos ajudar os demais.
Fonte: Zenit.
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