O “maior risco” do referendo que está ocorrendo no Sudão de 9 a 15 de janeiro (e em geral dos projetos separatistas na África) “é o de um uso instrumental da religião para apoiar projetos de independência”.
Este é o alerta lançado neste sábado por Fides, a agência de notícias vinculada à Congregação para a Evangelização dos Povos.
“A população está votando massivamente”, em clima de relativa calma, segundo Dom Edward Hiiboro Kussala, bispo de Tombura-Yambio, no sul do Sudão.
Porém, mais de trinta pessoas morreram em enfrentamentos nos últimos dias na região de Abyei, na divisa entre o norte e o sul do país, rica em petróleo e reivindicada tanto pelo norte, liderado por grupos muçulmanos, quanto pelo sul, de maioria cristã.
Cerca de 3,9 milhões de eleitores devem se manifestar a favor ou contra a independência do sul do país.
A maioria dos eleitores vive no sul, mas há um número importante de residentes no norte do Sudão, originários do sul, que estão registrados nas listas do referendo, assim como cidadãos que fazem parte da diáspora sudanesa no exterior.
Por um processo pacífico
É justamente para garantir o desenvolvimento pacífico do referendo que diversos organismos, instituições e personalidades, entre elas a Igreja Católica, estão levando adiante uma série de iniciativas.
O arcebispo da diocese sul-africana de Durban, cardeal Charles Napier, lidera uma delegação encarregada de fiscalizar as votações. A delegação faz parte de uma equipe ecumênica de observadores da Igreja Católica e da All African Conference of Churches.
Para o cardeal Napier, esta “oportunidade de examinar a vontade do povo é um acontecimento histórico, já que permite às pessoas comuns, que suportaram o peso da guerra civil e da exclusão do desenvolvimento, a possibilidade de exigir o reconhecimento da sua dignidade”.
O purpurado participa da missão acompanhado pelo diretor do Denis Hurley Peace Institut, o padre Sean O'Leary.
Para o padre O'Leary, este “é um voto importante não só para o povo do sul do Sudão, mas também um possível ponto de partida para a redefinição de várias fronteiras artificiais criadas na África durante a Conferência de Berlim de 1884-85”.
“Este referendo tem um significado para toda a África. Pode ser que assistamos ao começo de uma nova onda de independências”, declarou. “Como na África do Sul em 1994, o que estamos presenciando agora é o nascimento de uma nova nação”.
A iniciativa 101 dias de oração, promovida em conjunto pela Conferência Episcopal do Sudão, pela Conferência Episcopal dos Estados Unidos e pelo Catholic Relief Services, foi ampliada até 16 de janeiro.
Nos últimos meses, os bispos do Sudão acompanharam com orações, declarações e atos o processo que levou ao referendo. Entre eles, a publicação de duas cartas pastorais, uma em julho e outra em novembro, abordando a mudança no país.
Retirantes
Um dos problemas que o Sudão está enfrentando é o retorno dos sudaneses do sul que moravam no norte.
Dom Kussala explica que esses retirantes sofrem “sérios problemas; são recebidos por familiares e conhecidos, mas para o nosso território é difícil absorver este fluxo de pessoas”.
Segundo o bispo, cerca de 30.000 sudaneses do sul que viviam em Cartum pretendem voltar para o sul antes do fim do referendo.
Interesses
No âmbito regional, um independente Sudão do Sul estaria na esfera de influência econômica e política do Quênia, intensificando-se uma realidade que já se verifica hoje.
Conforme o jornal queniano The Nation, no sul do Sudão vivem 70.000 quenianos que controlam o setor bancário, a construção e a aviação.
A construção de novos oleodutos, estradas e conexões ferroviárias e de telecomunicações entre os dois países contribuiria para uma integração maior de suas economias, o que permitiria que o Quênia crescesse diante dos seus parceiros e competidores regionais.
O superior provincial dos religiosos combonianos no Sudão, padre Daniele Moschetti, destacou diante dos microfones da Rádio Vaticana algumas das razões da situação atual na região.
“Politicamente, desde 1956, desde a independência do Sudão dos ingleses, houve sempre uma guerra civil. Isto nos faz entender o desejo profundo das populações do sul, que nunca foram tratadas no mesmo nível das do norte: e o fato é que o sul é realmente muito mais pobre”, explicou.
“Temos também, é claro, a questão da sharia, a lei islâmica vigente no norte, que condena os cristãos a ser cidadãos de segunda classe do ponto de vista do trabalho, e que não reconhece alguns dos seus direitos”, continuou.
“Mas o motivo fundamental desta luta, desta guerra”, acrescentou, “é o petróleo e muitos outros recursos naturais presentes neste país”.
Fonte: Zenit.
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