sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Está de volta a Europa dos muros?

A Europa também poderia ter em breve o seu “muro da vergonha”. A Grécia, governada pelo primeiro-ministro socialista Giorgios Papandreou, está projetando a construção de um muro de 12,5 km (chegou-se antes a falar até de 206 km) para frear o fluxo contínuo de imigrantes asiáticos e africanos ilegais, que entram no país pelo trecho mais sensível e permeável da sua fronteira com a Turquia, nos arredores da cidade de Orestiada, único ponto em que não existem obstáculos naturais. A informação foi confirmada no último 4 de janeiro pelo ministro grego para a Proteção dos Cidadãos, Christos Papoutsis.

Conforme o Spiegel Online (de 1º de janeiro), durante o período de janeiro a novembro do ano passado foram detidos 32.500 clandestinos na passagem de Orestiada. Atenas pediu ajuda à Agência Europeia para o controle das fronteiras externas da União Europeia, a Frontex.

Fundada em 2004, esta agência, com sede em Varsóvia (Polônia), enviou em novembro de 2007, pela primeira vez desde a sua criação, um grupo de mais de 200 peritos do RABIT (Rapid Border Intervention Teams) até Orestiada. Embora a sua missão tenha sido prorrogada até março de 2011, pode-se dizer que o resultado foi insuficiente, apesar de uma queda do número de ilegais detidos a cada dia, de 250 para 140. Esta constatação motivou a Grécia a propor o muro, um plano que se baseia na longuíssima cerca de separação construída pelos Estados Unidos ao longo da fronteira com o México, da Califórnia até o Texas.

A iniciativa de Atenas foi criticada por organizações não governamentais e por grupos de defesa dos direitos humanos. Laura Boldrini, porta-voz na Itália do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), escreve em seu blog na Repubblica.it que o plano reflete a tentação europeia de “se tornar uma fortaleza inexpugnável para os emigrantes e para os que pedem asilo”. “Erigir muros, levantar cercas, rejeitar clandestinos em pleno mar, são medidas baseadas na pressão migratória, que raramente resolvem os problemas, inclusive os problemas de quem procura proteção”, escreveu em 7 de janeiro.

Bill Frelick, da Human Rights Watch (HRW), comenta que o projeto “é uma tentativa de resolver às pressas um problema que é muito mais amplo” (BBC, 4 de janeiro). Também Michele Cercone, porta-voz da Comissária Europeia da Segurança, Cecilia Mälstrom, usou palavras semelhantes: “Os muros ou cercas são medidas de curto prazo que não permitem encarar de maneira estrutural a questão da imigração clandestina”, (Le Monde, 4 de janeiro).

Para o governador da província turca de Edirne, Gökhan Sözer, o muro terá pouca eficácia. “Há um rio de 200 km (o Maritsa ou Evros), que pode ser atravessado de barco durante o inverno e a pé no verão, quando o nível da água é baixo”, declarou à emissora televisiva turca NTV.

Bem dura foi a analista turca Beril Dedeoğlu, diretora do departamento de Relações Internacionais da Universidade Galatasaray de Istambul. “É quase como se um país da União Europeia que não quer a adesão da Turquia estivesse em dificuldades, porque parece que estão procurando desesperadamente novas medidas de exclusão”, afirmou em 5 de janeiro no site Zaman News,observando a possibilidade de que a ideia do muro tenha vindo dos israelenses, “que agora são bons amigos dos gregos”. Para Dedeoğlu, que fala de “uma vergonha para o século XXI”, “este muro simboliza uma única cosa: declara materialmente que a Turquia está fora da Europa”.

Por sua vez, o ministro Papoutsis denunciou “a hipocrisia dos que criticam”. “O plano responde ao dever do governo de proteger os direitos dos cidadãos gregos e dos que residem legalmente no país”. A respeito do muro, ele afirmou que “não é algo contra a Turquia” (Le monde, 4 de janeiro).

Papoutsis recebeu o apoio inesperado do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan. Depois de uma visita de seu homólogo grego Papandreou, Erdogan expressou, na última sexta-feira, a sua compreensão pela situação do país vizinho. “Compreendemos a gravidade do problema que a imigração ilegal constitui para a Grécia”, declarou o premier turco, citado pelo jornal espanhol ABC em 16 de janeiro.

Para o político do partido filo-islâmico AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento), é um erro ver no plano grego uma postura antiturca. Além disso, segundo ele, não se trata de um muro, e sim de “só uma barreira”.

A questão do muro ilustra novamente como o fenômeno da imigração é um quebra-cabeça para a política europeia, especialmente para governos como a Grécia, que talvez esteja na pior situação econômica e financeira de toda a União Europeia. Atenas está desenvolvendo um severíssimo plano de austeridade e sofre um crescente descontentamento popular.

Como observa o Papa Bento XVI na mensagem para a 97ª Jornada Mundial do Migrante e do Refugiado, celebrada no último domingo, 16 de janeiro, o fenômeno da emigração é “um sinal eloquente do nosso tempo”. No texto, o papa Ratzinger recorda as palavras escritas por seu predecessor João Paulo II, que falou de um “direito a emigrar”. “A Igreja reconhece este direito a cada homem, em duplo aspecto: a possibilidade de sair do próprio país e a possibilidade de entrar em outro, em busca de melhores condições de vida”. Wojtyla escreveu o texto na 87ª edição da Jornada, acrescentando, porém, que “o exercício deste direito deve ser regulado, porque uma aplicação indiscriminada acarretaria danos e prejuízos ao bem comum das comunidades que acolhem o emigrante” (nº3).

É este, em resumo, o desafio atual não só da Grécia de Papandreou ou da Itália dos desembarques de clandestinos, mas de toda a Europa. A emigração é um fenômeno global: segundo o último informe da OIM (Organização Internacional para as Migrações), com sede em Genebra (Suíça), publicado em 29 de novembro, o mundo conta atualmente com 214 milhões de emigrantes internacionais. Em 2050, poderão ser 405 milhões.

Fonte: Zenit.

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