Jo 1, 29-34
“Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”
O texto de hoje é tirado do Quarto Evangelho, o da Comunidade do Discípulo Amado. Escrito muito depois dos Sinóticos, o quarto evangelho tem como uma das suas características o uso abundante de símbolos, e uma cristologia bastante diferente dos outros três evangelhos. O texto de hoje situa-se no contexto de 1,19 - 2,12, onde, num cenário de sete dias, o autor descreve os sete dias da nova criação, que se dá em Jesus, fazendo paralelismo com o relato de Gênesis.
Diante das dificuldades em explicar o sentido do Batismo e Jesus, que comentamos semana passada, João omite o evento, mas descreve a descida do Espírito Santo sobre Jesus. Usando um símbolo muito conhecido dos primeiros judeu-cristãos, João Batista proclama Jesus como o “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. O texto evoca ecos de duas imagens do Antigo Testamento - Jesus é o cordeiro pascal da páscoa cristã, que, pela sua morte, acontecida no exato momento em que os cordeiros pascais estavam sendo abatidos no Templo (Jo 19, 14), salvou o mundo do pecado, da mesma maneira que o sangue do cordeiro pascal original salvou os israelitas do anjo destruidor (Êx 12, 1-13). Em segundo lugar, Jesus é também o Servo de Javé, descrito por Isaías, o Servo Sofredor, que “brutalizado, não abre a boca; como uma ovelha emudece diante dos tosquiadores; ...carregou o pecado das multidões e intercede pelos transgressores” (Is 53, 7-12). João Batista também proclama que Jesus existia antes dele - um tema tipicamente joanino, o da preexistência do Verbo.
Como o Batista batizava com água, Jesus batizará com o Espírito Santo. Embora talvez o Batista se referisse ao espírito purificador de Deus, de que falavam os profetas como purificador dos corações nos últimos dias (Is 4, 4; Ez 36, 25s; Zc 12, 10; 13, 1;), o evangelista quer que o leitor veja uma referência ao Espírito Santo, dado por Jesus e pelo batismo cristão.
Diferente dos Sinóticos, em João não se fala de uma voz celeste no momento do batismo. Substituindo-a, o próprio Batista dá testemunho: Jesus é o “Eleito” de Deus, sobre quem o Espírito de Deus desceu e permaneceu! Aqui temos mais uma referência ao Servo Sofredor de Isaías (Is 42, 1). A ênfase sobre o fato que o Espírito “permaneceu” sobre Jesus é peculiar ao Quarto Evangelho. O autor quer ressaltar o relacionamento permanente entre o Pai e o Filho, e entre o Filho e os que n’Ele acreditam. Aqui, o Espírito de Deus permanece com Jesus, que o Evangelho vai mostrar ser aquele que o dispensa aos que crêem (Jo 3, 5. 34; 7, 38-39; 20, 22).
Assim, logo no início do Quarto Evangelho, temos toda uma cristologia, através do testemunho do Batista referente a Jesus: Ele é aquele que sempre existia, que morrerá como o Cordeiro Pascal e como o Servo Sofredor, pelos pecados das pessoas, para depois derramar o Espírito Santo sobre o Novo Israel, a comunidade dos discípulos.
O Quarto Evangelho, neste texto, faz do seu jeito o que os Sínóticos fazem com os seus relatos do Batismo de Jesus - proclama Ele como o Eleito do Pai, o Servo de Javé, que manifesta em sua vida a vontade do Pai e que, dando a sua vida, dá a vida eterna para todos os que n’Ele acreditam.
Fonte: Tomas Hughes, SVD.
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