Os cristãos representam menos de 1% dos 67 milhões de habitantes da Tailândia. E ainda assim, oferecem uma contribuição efetiva para a formação da nação – até o rei e a rainha passaram por colégios católicos – e para a atenção aos tailandeses doentes e sofredores: crianças com AIDS, vítimas do tráfico de seres humanos, pobres.
Dom George Yod Phimphisan é redentorista e bispo emérito de Udon Thani.
O prelado, de 77 anos de idade, foi entrevistado no programa “Deus chora na terra” sobre o trabalho da Igreja na Tailândia, bem como sua esperança de que os asiáticos se convertam nos missionários do terceiro milênio cristão.
Na Tailândia, dizem que um verdadeiro tailandês é budista. O que aconteceu no seu caso? O senhor nasceu na Tailândia; como pode ser cristão e tailandês ao mesmo tempo?
Dom Phimphisan: Eu tenho uma mistura de origens – escocesa, alemã, portuguesa, japonesa e tailandesa. Nasci em uma família católica. Meu pai era de origem portuguesa e tailandesa, e o pai da minha mãe, meu avô materno, era da Escócia. Meus pais se conheceram na Tailândia e é por isso que eu nasci católico.
O senhor mesmo é um missionário. Faz isso porque foi tocado pelo trabalho missionário?
Dom Phimphisan: Sou padre redentorista e os sacerdotes chegaram à Tailândia há 60 anos. Naquela época, havia um sacerdote missionário francês, da Sociedade das Missões Estrangeiras, que nos ensinou o catecismo e, em certa ocasião, mencionei que estava pensando em me tornar padre no futuro. Ele disse que eu era do tipo de pessoa que gosta da companhia dos outros, então deveria me unir a uma ordem religiosa para poder viver em comunidade.
Ele sugeriu a ordem salesiana, que estava há algum um tempo na Tailândia. Eu disse que não queria me unir a eles porque não queria lecionar. Ele disse então que havia outra ordem religiosa que tinha acabado de chegar, os Redentoristas, que levavam dois ou três anos no país. Então, fui com ele para conhecê-los e me senti atraído, especialmente quando me falaram sobre o espírito do seu fundador, Santo Afonso. Então, fui enviado para as Filipinas, durante dois anos no seminário menor e um ano no noviciado.
Depois, fiz meus votos e fui enviado para a América do Norte, porque os primeiros Redentoristas chegavam dos Estados Unidos. Você deve ter percebido o meu sotaque americano. Fui ordenado sacerdote nos Estados Unidos, no décimo aniversário da chegada dos Redentoristas à Tailândia. Então, eu sou um missionário porque escolhi sê-lo.
O senhor se sente missionário em seu próprio país?
Dom Phimphisan: Sim, e a Santa Sé confiou a diocese de Udon Thani aos Redentoristas. Meu predecessor, Dom Duhart, foi o primeiro bispo da diocese.
Durante a Guerra do Vietnã, o presidente Eisenhower alertou sobre a “teoria do dominó” que os comunistas tinham lançado nos países do rio Mekong. A Tailândia seria o próximo objetivo, mas isso nunca aconteceu. Isso fez com que os bispos da época – muitos deles eram estrangeiros – apresentassem sua renúncia e deixassem seu lugar aos sacerdotes locais, sacerdotes tailandeses.
A razão, penso eu, de por que o comunismo não criou raízes na Tailândia, foi uma tática muito eficaz do governo. Rotularam o comunismo de “colonizador” e convocaram os tailandeses, dizendo que a Tailândia nunca foi colonizada por ninguém e que os comunistas queriam “colonizar” o país. Isso foi o que o governo disse e o povo tomou as armas e lutou contra os comunistas, que eram etiquetados como “colonizadores”. Acho que somos o único país do sudeste asiático que nunca foi colonizado.
Em segundo lugar, a divisão entre ricos e pobres na Tailândia está sendo “fechada” por sua majestade o rei e pela família real. Sempre está com os pobres. Assim, a influência comunista era insignificante e distante, embora tenhamos tido algumas infiltrações. Mas nunca ocorreu uma tomada de poder e nós agradecemos a Deus por isso. Assim, o lado tailandês do rio Mekong é o lugar onde o comunismo foi interrompido e nunca chegou à Tailândia.
Os Redentoristas têm uma opção clara pelos pobres. O que fazem pelos pobres na sua diocese?
Dom Phimphisan: Uma das coisas que procuramos fazer é ajudar com programas de desenvolvimento social. Temos vários projetos sociais para os pobres e, depois de ajudá-los, tentamos estabelecer uma continuidade com eles, para que ajudem uns aos outros. No passado, as pessoas nas aldeias, por exemplo – o cultivo do arroz é muito comum na Tailândia e as pessoas cultivam seu próprio arroz – se reuniam para a colheita de arroz, para ajudar uns aos outros e dar comida a quem precisasse. Esta é uma prática comum nas aldeias. Não há necessidade de contratação de trabalhadores temporários. Existe esse espírito de ajuda mútua. Nós tentamos manter esse espírito vivo.
Outro projeto é o nosso trabalho com os portadores de deficiência. No passado, as famílias com um filho portador de deficiência acorrentavam a criança dentro da casa, enquanto trabalhavam no campo, não querendo que os outros descobrissem que tinham um filho com deficiência. Ter um filho portador de deficiência é sinônimo de ter vivido ou feito algo errado na sua vida passada; portanto, ter uma criança com deficiência é visto como um castigo, de acordo com suas crenças. Nós estabelecemos um grupo de apoio para estas famílias com filhos portadores de deficiência e procuramos que essas famílias se unam e ajudem durante a época de colheita.
Agora, um programa muito importante é o das crianças cujos pais têm AIDS. Temos dois centros, um deles com cerca de 160 crianças.
A AIDS é muito comum na Tailândia?
Dom Phimphisan: Está muito estendida. As pessoas utilizam os serviços de prostitutas em bares e sabem pouco sobre como se contrai e se transmite a AIDS.
Será este um problema da sociedade tailandesa em geral ou tem a ver com os turistas?
Dom Phimphisan: É de ambos, mas o problema é com os tailandeses. Não levaram a sério a ameaça da AIDS. Durante algum tempo, houve uma percentagem muito elevada, mas está retrocedendo, porque eles têm visto os resultados. As pessoas agora estão com tanto medo da AIDS que, quando nasce uma criança de pais com AIDS, torna-se um estigma social. Em minha diocese, a maioria das pessoas vive em aldeias e muitas delas têm muito tempo livre, devido a que o trabalho em fazendas depende das estações, ou não há trabalho suficiente. Vão para as grandes cidades para trabalhar. Os homens, sobretudo após o trabalho, usam os serviços de prostitutas e contraem a AIDS. Esses mesmos homens, depois, voltam para casa e têm relações sexuais com suas esposas: então nasce uma criança com AIDS.
Quando eles descobrem que seu filho tem AIDS, temem que o filho infecte outras pessoas. Rejeitam essas crianças e as enviam para nós.
Vocês são os únicos que fazem isso? Os budistas fazem algo similar?
Dom Phimphisan: Há um grande mosteiro e um monge na Tailândia que está acolhendo as pessoas com AIDS. Mas não estão na nossa região. Estamos no nordeste da Tailândia e temos um sacerdote redentorista americano, o Pe. Michael Shea, que cuida de 160 crianças com AIDS. Ele construiu três casas separadas: para meninos mais velhos, para as meninas e para as crianças. Ele trabalha nisso há mais de 15 anos. Algumas crianças sobreviveram. Não morreram. Com os sobreviventes, após o terceiro ano, você sabe se eles têm ou não AIDS (o padre redentorista Michael Shea dirige a Casa Sarnelli para crianças com AIDS. É um hospital e orfanato na aldeia de Donwai, perto da cidade de Nong Khai. A Casa Sarnelli oferece um ambiente seguro, saudável e de carinho às crianças de 8 meses a 15 anos, durante o tempo em que vivem).
Outro problema relacionado à Aids é o tráfico de mulheres e crianças. O próprio Papa mencionou este problema.
Dom Phimphisan: O tráfico não acontece só dentro, mas também de pessoas de fora, por exemplo, de Laos, Camboja e Mianmar. Vêm e acabam na prostituição. É o maior problema que temos.
Como Igreja Católica na Tailândia, vocês têm algum projeto especial para isso?
Dom Phimphisan: Sim, temos. Nós tentamos oferecer-lhes um tratamento e assistência adequados, pois muitos desses refugiados são ilegais. Muitas dessas pessoas são vítimas e outros se aproveitam deles, e muitos dos traficantes são provenientes da Tailândia. Ultimamente, muitos destes traficantes tailandeses foram capturados, e por isso está havendo uma diminuição. Agora devemos conseguir que as autoridades garantam que isso não continuará. Nós os incentivamos e fazemos o que podermos, mas é preciso envolver as autoridades.
A Igreja Católica na Tailândia é uma minoria, mas, ainda assim, realiza projetos como a educação, auxílio a mulheres e crianças, assistência aos portadores da AIDS, em nome da sociedade tailandesa?
Dom Phimphisan: Isso mesmo. Quando os comunistas chegaram a Laos, muitos de lá cruzaram a fronteira com a Tailândia pelo rio Mekong, como refugiados. Eles vieram em dezenas de milhares. Muitas de nossas religiosas se apresentaram para ajudar. As irmãs preparavam refeições diárias, sem parar, para esses refugiados.
Depois de um tempo, alguns refugiados foram até as irmãs e lhes perguntaram: “Por que vocês estão fazendo isso? Vocês querem que nós nos tornemos católicos como vocês?”. As irmãs responderam: “Este não é o motivo pelo qual fazemos isso. A razão pela qual os ajudamos é que a nossa religião nos ensina a amar os nossos próximos, e vocês são nossos próximos; por isso os ajudamos. Se vocês quiserem tornar-se católicos, isso é assunto seu, não vamos incentivá-los a isso”.
Finalmente, alguns destes refugiados foram admitidos em outros países. Alguns se estabeleceram na Tailândia. Este é um bom exemplo da assistência prestada pelos católicos. (…)
O que a Igreja Católica tailandesa pode oferecer à Igreja universal?
Dom Phimphisan: Nós ainda temos boas vocações na Tailândia. Para você ter uma ideia: somos 65 milhões de pessoas e, destas, 350.000 são católicas, o que representa menos de 1%. Temos 150 seminaristas em nosso seminário maior nacional para os sacerdotes diocesanos. Temos também ordens religiosas masculinas e femininas por todo o país. Quando comecei como bispo, há 34 anos, eu tinha proposto, tendo em conta o número de vocações, que começássemos uma sociedade de missões na Tailândia. Três ou quatro anos depois, nasceu a ideia e agora temos a nossa própria sociedade de missões.
Então, agora vocês podem enviar-nos sacerdotes?
Dom Phimphisan: Sim, sim, mas agora estão sendo enviados para os países vizinhos – Laos, Camboja, etc., onde há uma cultura semelhante. É como estamos começando. Quando eu propus isso no início, minha ideia era: quando os missionários vieram da Europa para difundir a fé, não vieram porque tinham um excesso de missionários, não; precisavam daqueles sacerdotes, mas fizeram o sacrifício para trazer-nos a fé. Então, nós também deveríamos fazer o sacrifício para devolver, para restituir. Nós recentemente comemoramos os 350 anos da Sociedade de Missões de Paris e da Tailândia; acho que foi o primeiro país na Ásia a que estes missionários chegaram. Então, nossa fé na Tailândia tem cerca de 350 anos. Eles foram os primeiros a fazê-lo.
O senhor poderia resumir quais são suas maiores esperanças?
Dom Phimphisan: Como as coisas estão indo, eu espero, como missionário, graças à nossa própria sociedade de missões, que possamos ajudar através do envio de missionários a outros países. Eu assisti ao sínodo dos bispos da Ásia e ajudei com a tradução do documento Ecclesia in Asia ao tailandês. Ainda pertenço ao conselho pós-sinodal para a Ásia e venho a Roma todos os anos por isso.
Lembro-me de uma citação do referido documento: no primeiro milênio, a Igreja se espalhou por toda a Europa. No segundo, pela Europa, América e parte da África. No terceiro milênio, a Ásia é o futuro.
A meu ver, é um desafio para nós e, ao mesmo tempo, uma profecia de que talvez agora seja a Ásia que enviará missionários para a Europa, a América e a África. Esta é a nossa esperança e agradecemos a Deus por isso.
Esta entrevista foi realizada por Marie Pauline Meyer para "Deus chora na terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network, (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.
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