A Igreja Católica em Gana tem pouco mais de 125 anos e está fazendo a transição para ser uma Igreja missionária verdadeiramente ligada ao país, utilizando os idiomas locais para a Bíblia e o culto.
Embora esse processo esteja em andamento, ainda existem muitos desafios para superar.
Nesta entrevista concedida ao programa de televisão "Deus chora na Terra", deCatholic Radio and Television Network (CRTN) em colaboração com Ajuda à Igreja que Sofre, Dom Gabriel Palmer-Bucke, arcebispo de Acra (Gana), analisa os progressos e o trabalho a se realizar.
-O lema dos missionários era: "a África deve ser evangelizada pelos africanos". Até que ponto isso está na atual realidade em Gana?
-Dom Palmer-Buckle: De fato, foi o Papa Paulo VI que em uma ocasião em 1969, na fundação do que chamamos de Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar, disse: "Devem ter um cristianismo africano".
-E isso tem ocorrido em Gana?
-Dom Palmer-Buckle: Em grande parte sim. Agora temos 19 dioceses em Grana, e todos os bispos são locais. De fato, há dioceses que já vão para a quarta geração de bispos de Gana. O último bispo estrangeiro creio que deixou Gana no início dos anos 70.
-Qual foi a importância desses primeiros missionários para a Igreja em Gana?
-Dom Palmer-Bucke: Devemos dar graças a Deus por eles. Começaram em 1880, os padres SMA - Sociedade dos Missionários da África - foram os primeiros a vir para o sul, a Elmina, próximo de Cape Coast, na costa, e começaram a evangelização de forma gradual ao longo da costa até o norte.
-Com grandes sofrimentos físicos... para esses europeus que vieram a Gana, não?
-Dom Palmer-Buckle: Sim. Gana naquele tempo era chamada de cemitério do homem branco, porque muitos morriam de malária em seis ou oito semanas após sua chegada. Mas devemos agradecer a Deus por sua persistência, sua perseverança... Os missionários continuam vindo. Vieram homens e mulheres. Nossa Senhora dos Apóstolos, que é a congregação feminina dos SMA, também veio em 1882, para evangelizar gradualmente o sul. No norte havia os SMA, que baixavam naquela época de Uagadugu, em Alto Volta, agora Burkina Faso, e se estabeleceram em 1906 em Nayrongo. Eles começaram a evangelização da zona norte também de forma gradual, descendo e alcançando a zona central do país. Hoje, segundo as estatísticas de Gana, deve ter cerca de 1.400 sacerdotes e entre eles cerca de 1.000 são ganeses e indígenas.
-Portanto há um bom fundamento?
-Dom Palmer-Buckle: Muito bom. Temos cerca de 800 irmãs religiosas, das quais quase metade ou mais são indígenas, são ganesas. Temos cerca de 600 religiosos e mais da metade também é de Gana.
-Há muitas esperanças para a Igreja local?
-Dom Palmer-Buckle: Muitas, muitas esperanças. De fato, muito mais desafios devido às pessoas. O país tem uma população de cerca de 22 milhões. A população católica é ligeiramente inferior a 20% da população total. Os protestantes - anglicanos, metodistas, presbiterianos, batistas entre outros - somam cerca de 18% também, um pouco menos que os católicos. Os muçulmanos são cerca de 16%. Os petencostais são ainda mais agora. Eles entraram em algum momento de 1929.
-Mas estão crescendo com rapidez?
-Dom Palmer-Buckle: Muito rápido. São cerca de 24% da população. Assim, Gana pode se vangloriar de que 68% da população é cristã.
-As pessoas de Gana têm um profundo amor pela Palavra de Deus. De fato, diz-se que se alguém vai ao mercado e começa a pregar, os que estão no mercado param e escutam porque é a Palavra de Deus. De onde vem esse amor pela Palavra?
-Dom Palmer-Buckle: Não só pregam a Palavra de Deus. As pessoas conhecem as Escrituras muito bem. Temos de dizer que devemos agradecer as Igrejas protestantes e, em especial os petencostais, por terem feito crescer o amor pela Palavra de Deus, as Escrituras, a Bíblia. Mas também temos de dizer que trabalhamos juntos de modo ecumênico. Por exemplo: no ano passado, Gana celebrou seu 50° aniversário como país independente, e um dos projetos do Conselho Cristão e da Conferência Episcopal Ganesa distribuiu um milhão de Bíblias aos jovens nas escolas secundárias. Já distribuímos 250.000 - não só na Igreja Católica, mas em toda família cristã. Estamos distribuindo ainda mais porque novo povo gosta de ler as Escrituras.
-Gana não é apenas cristã, ainda existem muitas religiões tradicionais. Quais são as diversas formas de religiões tradicionais que ainda existem em Gana?
-Dom Palmer-Buckle: Em nosso último censo que ocorreu no ano 2000, apenas 8% da população ainda se mantém na religião tradicional.
-Seriam animistas, essas religiões das quais falamos?
-Dom Palmer-Buckle: A palavra "animismo" já não é muito usada devido a que o animismo significa crer em espíritos. Acreditamos no Espírito Santo, mas nós somos animistas? A diferença é que eles acreditam que a floresta tem espíritos, que as águas têm espíritos, as rochas têm espíritos, toda a criação possui espíritos e eles continuam vivendo com essas coisas e o que admiramos disso é seu respeito pela criação, seu respeito pela ecologia. Esta é uma das coisas que nós estamos lidando: a proteção da criação, a conservação do meio ambiente. Estamos focando nisso e parece que há uma boa ressonância.
Outra coisa deles que temos de avaliar é que eles mantiveram nossa forma de governo tradicional: muitos de nossos chefes celebram ritos, que se encaixam em sua cultura religiosa e eles conservaram. Também mantiveram unida a família, o respeito entre pai, mãe e filhos; mantiveram esses aspectos e estão começando a ver que o cristianismo, em um determinado momento, acentuou mais a salvação dos indivíduos contra a perspectiva comunitária e social da comunidade, na história da salvação. Estamos dando continuidade e focando nisso.
-Fazer-se cristão significa muitas vezes abandonar alguns aspectos tradicionais. Onde e como estão tentando encontrar na Igreja um equilíbrio nesse aspecto?
Monsenhor Palmer-Buckle: Devemos admitir que, desde mais ou menos 1880 até o Vaticano II, a mentalidade foi que todos os tradicionais eram pagãos, era demoníaco, e não era bom. Graças ao Vaticano II, a Igreja nos permitiu apreciar os valores de nossa cultura. Estamos começando a nos dar conta de que há muito em comum, por exemplo, nos ritos de nosso povo. Eu venho de Acra; lá existem ritos de tirar, de expor a criança quando nasce.
-Que é isso?
-Dom Palmer-Buckle: Isso significa que recebe um nome. Exibem a criança diante do público. Dão-lhe um nome, que normalmente é um nome de um ancestral que viveu uma boa vida, porque acreditam que o ancestral escolhido protegerá a criança. A criança não se torna propriedade de seus pais, mas de todo o clã, e o clã assume sua responsabilidade para com a criança. Esse é um belo rito. Fiz minha tese de doutorado sobre isso, para mostrar sua semelhança com o batismo, com o qual uma pessoa renasce na família de Deus e é dado um nome a ela.
-Será que integram o batismo nesse ritual tradicional?
-Dom Palmer-Buckle: Em muitos lugares sim, eles têm um ritual tradicional pela manhã, muito cedo, pois deve ocorrer antes do nascer do sol e, logo, acontece o batismo na tarde de sábado.
-Há elementos da religião tradicional que a Igreja tem de rejeitar como a poligamia e temas similares. Como a Igreja trabalha com as culturas locais e tradicionais para tentar lidar com esse tipo de problema?
-Dom Palmer-Buckle: Não só a poligamia, temos também ritos muito violentos relacionados com a viuvez e outros ritos que tentamos lidar...
-Poderia nos dar alguns exemplos?
-Dom Palmer-Buckle: Quando morre o marido de uma mulher, ela é maltratada e, em algumas ocasiões, submetida a várias formas de crueldade, que podem culminar até na expulsão de casa.
-Por que pensam que de alguma forma ela seria responsável pela morte de seu marido?
-Dom Palmer-Buckle: Em alguns casos, de maneira ignorante, pensa-se assim. Em outros casos, é uma espécie de terapia de choque para que ela consiga superar o fato de ter perdido seu marido. Assim há aspectos positivos e aspectos negativos - devido à maldade humana algumas vezes os negativos ocultam os positivos.
Agora a poligamia por exemplo. Um homem é casado com duas ou três mulheres, tem filhos, todos trabalham com ele em uma fazenda, adquiriram juntos a propriedade, os filhos são mão de obra para a fazenda. Agora, a dificuldade do cristianismo foi chegar e dizer ao homem: deixe duas de suas três esposas e mande seus filhos para longe...-Na prática, um homem vem ao senhor e diz: quero ser cristão, quero me batizar, vivo em uma relação de poligamia, tenho quatro esposas. Como a Igreja responde numa situação dessas?-Dom Palmer-Buckle: Oficialmente lhe dizemos o que diz a Igreja: um homem, uma mulher. Normalmente, aconselhamos que o homem deve eleger a mulher mais antiga dos relacionamentos, mas também tentamos ajudá-lo a cuidar de seus filhos e das mulheres sem fazer uso dos direitos conjugais que ofendem a moralidade cristã, o adultério. E não é fácil. Houve casos em que os descendentes dessas mulheres, junto com o homem, culparam a Igreja de arruinar seu sistema familiar porque em muitos lugares vivem em paz uns com os outros. Os meninos se identificavam com as três mulheres como suas mães e, quando falta o pai, as mulheres cuidam de todos os filhos. Mas há outras situações, com muita rivalidade entre as mulheres e entre seus filhos, o que cria muita dor.
Então, o que tentamos fazer é acompanhá-los enquanto crescem. Uma vez que aceitam Cristo, devemos acompanhá-los no crescimento de sua fé, enquanto crescem no conhecimento. Pela graça de Deus, os que foram batizados, eliminam o que chamamos de restos pecaminosos de coisas como a poligamia, ritos da viuvez e outros ritos que não estão em acordo com a fé cristã.
Fonte: Zenit.
Nenhum comentário:
Postar um comentário