Seção de teologia litúrgica a cargo de Mauro Gagliardi
ROMA, quinta-feira, 13 de novembro de 2009 (ZENIT.org).- Nasce a seção Espírito da Liturgia, que se propõe apresentar, de modo acessível e sintético, diversos temas de teologia litúrgica. Este primeiro artigo apresenta aos leitores o tema geral que se desenvolverá até junho de 2010.
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Por Mauro Gagliardi, consultor do Ofício de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice
O Santo Padre Bento XVI proclamou, como todos sabem, o Ano Sacerdotal (junho de 2009 - junho de 2010), com ocasião do 150° aniversário do dies natalis do Santo Cura d’Ars.
A intenção é “contribuir para promover o compromisso de renovação de todos os sacerdotes para um mais forte e incisivo testemunho evangélico no mundo de hoje” [1]. São João Maia Vianney, além de representar um modelo de sacerdote, sempre anunciou com clareza e ênfase a incomparável dignidade do sacerdócio e a centralidade do ministério ordenado no seio da Igreja. Partindo de seus ensinamentos, o Santo Padre voltou a propor as seguintes palavras do Santo: “Ó, quão grande é o sacerdote!... Se ele compreendesse, morreria... Deus o obedece: ele pronuncia duas palavras e Nosso Senhor desce do céu a sua voz e se deposita em uma pequena hóstia...”. E também: “Retirado o sacramento da Ordem, não teríamos o Senhor. Quem voltou a colocar no sacrário? O sacerdote. Quem acolheu vossa alma ao entrar na vida? Quem a nutre para dar-lhe a força de realizar sua peregrinação? O sacerdote. Quem a preparará para apresentar-se diante de Deus, lavando-a pela última vez no sangue de Jesus Cristo? O sacerdote. E se esta alma morre [pelo pecado], quem a ressuscitará, quem lhe devolverá a calma e a paz? Uma vez mais o sacerdote... Depois de Deus, o sacerdote é tudo!... Ele mesmo não poderia entender bem a não ser no céu” [2].
Como se vê, São João Maria identifica a grandeza do sacerdote com referência privilegiada ao poder que ele exerce nos sacramentos em nome e na Pessoa de Cristo. Bento XVI colocou em evidência este fato, recordando também outras palavras do Cura d’Ars, que se referem em particular ao ministério de celebrar a Santa Eucaristia. O Papa escreve que o Santo “estava convencido de que da Missa dependia todo fervor da vida de um sacerdote: a causa do relaxamento do sacerdote é que não dedica atenção à Missa! Deus meu, como há que compadecer de um sacerdote que celebra como se fizesse uma coisa ordinária!” [3].
O Ano Sacerdotal propões a nossa reflexão a figura do sacerdote e, em particular, sua dignidade de ministro ordenado que celebra os sacramentos, em benefício de toda Igreja, na Pessoa de Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote [4].
Neste Ano Sacerdotal, que se celebra entre 2009 e 2010, há também outras celebrações que vale recordar, porque estão intimamente relacionadas com a índole eucarística da dignidade sacerdotal. Em 1969, o Papa Paulo VI promulgava, com a Constituição Apostólica Missale Romanum, o novo Missal, preparado após o Concílio Vaticano II. No presente ano, 2009, portanto, celebram-se 40 anos desta promulgação. Em 2010, celebrar-se-ão outros dois aniversários, também vinculados diretamente com a celebração da Eucaristia. O primeiro coincide com o 40° aniversário (1970-2010) da promulgação da definitiva editio typica (prima) da Institutio Generalis Missalis Romani. O segundo coincide com o 440° aniversário da promulgação do Missal atualmente chamado Vetus Ordo o Usus antiquior, promulgado por São Pio V com a Constituição apostólica Quo primum, de 14 de julho de 1570. Esta Constituição é recordada, junto ao Missal de São Pio V, desde as primeiras palavras da mencionada Constituição apostólica Missale Romanum de Pablo VI [5].
Os dois Missais, unidos também pela celebração de seus respectivos aniversários, são duas formas da única lex orandi da Igreja de Rito latino. A este respeito, expressou-se o Santo Padre Bento XVI, ensinando que, com relação ao Missal de Paulo VI, “o Missal Romano promulgado por São Pio V e novamente editado pelo beato João XXIII deve ser considerado como expressão extraordinária da mesma lex orandi [lei da oração] e deve ser tido em devida honra por seu uso venerável e antigo. Estas duas expressões da lex orandi da Igreja não conduzirão de modo algum a uma divisão na lex credendi [lei da fé] da Igreja; são de fato dois usos do único Rito Romano. Por isso, é lícito celebrar o sacrifício da Missa segundo a edição típica do Missal Romano promulgada pelo Beato João XXIII em 1962 e nunca revogado, como forma extraordinária da Liturgia da Igreja” [6].
A possibilidade de uma serena e harmônica coexistência das duas formas do único Rito Romano foi, enfim, indiretamente afirmada também pela coexistência de ambos Ordines Missae (Beato João XXIII e Pablo VI) dentro do recente Compendium Eucharisticum, publicado pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos [7].
A coincidência destas diversas efemérides ditou também o tema que a seção Espírito da Liturgia se propõe a aprofundar este ano: o do “Sacerdote na Celebração eucarística”. Através destes breves artigos de periodicidade quinzenal, redigidos por teólogos, liturgistas e canonistas competentes, tentaremos apresentar de modo claro e acessível o papel e a tarefa do sacerdote nas diversas partes da Missa, tendo presentes ambos Missais, dos quais se celebram os aniversários. Desejo que estes artigos possam ajudar os sacerdotes a aproveitar a oportunidade de reflexão e de conversão oferecida pelo Ano Sacerdotal, e que possam estimulá-los a um cuidado cada vez mais atento do ars celebrandi. Esperemos também que as contribuições que se irão publicando pouco a pouco possam ajudar também o restante dos leitores – religiosos, religiosas, seminaristas, fiéis leigos – a reconsiderar com maior atenção e a venerar com profundo respeito religioso a grandeza do Mistério eucarístico e a dignidade do ministério sacerdotal, além de redescobrir sua centralidade na vida e na missão da Igreja.
Fonte: Zenit.
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