“Uma geração jovem, que tinha sido deixada de lado, que se familiarizou com os meios de comunicação modernos e se conectou à rede sem a mediação de partidos políticos ou religiosos. Eles têm fé, mas separam política e religião. Eles provocaram a revolução e são a garantia dos objetivos iniciais: justiça, dignidade e trabalho”.
É o cardeal Antonios Naguib, patriarca copta católico de Alexandria, quem descreve os jovens da praça Tahrir, protagonistas da revolução de janeiro que derrubou Hosni Mubarak da presidência egípcia, “pondo fim em 18 dias a 30 anos de um regime de aparência democrática, mas ditatorial na prática”.
Muito foi dito sobre a “primavera árabe” no encontro mundial “Bound to Live Together - Religões e culturas em diálogo”, em Munique, por iniciativa da Comunidade de Santo Egídio e daquela arquidiocese alemã. É evidente o vínculo entre o desenvolvimento das mudanças institucionais e políticas e a convivência entre os povos e as religiões nas áreas já “quentes” do Oriente Médio e norte africano.
Revolução sequestrada
A “queda do muro de medo que bloqueava a livre expressão de opiniões e críticas” e o “despertar da possibilidade de sonhar com um mundo melhor, baseado nos princípios de uma sociedade democrática” são, para Naguib, os efeitos principais da revolução egípcia. No tocante ao religioso, ele destaca ainda “a desaparição das barreiras confessionais psicológicas e sociais que separavam os muçulmanos dos cristãos e que causavam conflitos frequentes, muitas vezes dramáticos”.
Tudo isso ficou evidente nos primeiros momentos da reação. Mas, hoje, em que ponto estamos? Os objetivos iniciais estão “longe do alcance da mão”. A falta de segurança e o aumento dos preços condicionam muito esta fase e preocupam os cidadãos. “Movimentos islamistas como os Irmãos Muçulmanos, os salafitas e outros grupos mudaram a situação política a ponto de se falar de uma revolução 'sequestrada'. E reapareceram os conflitos entre muçulmanos e cristãos”, afirma Naguib.
O elemento tranquilizador é a Declaração de Al-Azhar e de uma elite intelectual sobre o futuro do Egito, de 19 de julho de 2011, uma “clara tomada de posição dentro da suprema autoridade religiosa sunita que rejeita o estado teocrático e apóia a instituição de um Estado nacional, constitucional, democrático, moderno”, completa o patriarca.
Primavera árabe?
Enquanto a ONU difunde o número de vítimas da repressão na Síria (2.600 desde março), a definição de “primavera árabe” é questionada por Gregórios III Laham, patriarca de Antioquia dos melquitas: “Não estamos diante de uma revolução, mas de manifestações de praça, manipuladas pelo exterior, que têm o objetivo de agredir e criar confusão. O governo reage para se defender”. E prossegue: “A Síria é um país com liberdade e democracia: não é à toa que nos últimos cinco anos abriram dez universidades europeias no país”.
Seria necessário “dar uma chance ao presidente Assad, já que a Síria pode ser um verdadeiro instrumento de paz para o Oriente Médio”. “Mais que uma revolução”, afirma Laham, “temos que falar de uma luta entre grupos sunitas e alauitas pelo poder: parece mais uma guerra civil”. “Os cristãos não se sentem em perigo, não houve hostilidades contra eles, mas tememos o caos que pode surgir da derrocada do governo se faltar uma verdadeira alternativa”.
Rota para a democracia
“Quarenta anos de abusos nos deram uma visão clara do nosso futuro”, afirma Fathi Mohammed Baja, responsável de Assuntos Políticos e Internacionais do Conselho de Transição Nacional da Líbia, o CNT. Ao falar de “Qual é o futuro para o mundo árabe?”, Baja descreveu para os jornalistas a situação do país. “Já que Gadaffi rejeitou qualquer tipo de solução pacífica, somos obrigados a usar a opção militar até que a Líbia seja libertada: depois vamos voltar a ser um movimento pacífico e trabalhar pela democracia”.
“Hoje”, prossegue Baja, “controlamos 70% da capital Trípoli. Quando libertarmos toda a cidade, levaremos para lá o governo de transição, que está em Bengasi. Na liderança do nosso movimento temos juízes, professores, peritos em direito, e o CNT tem uma rota para a democratização da Líbia, no militar, no jurídico e institucional, na justiça para evitar vinganças, na imprensa, nos tribunais civis”. A ação “deverá contar com um plano em prol das vastas faixas da nossa população que são afetadas pela pobreza”.
“Desde 1995, a Líbia registra 80 bilhões de dólares por ano com a venda de petróleo. Uma boa parte irá para a reconstrução e para a luta contra o desemprego e o analfabetismo”.
Quanto à possibilidade da afirmação de tendências fundamentalistas islâmicas, “isso é mais um temor ocidental, porque na Líbia não existe um movimento fundamentalista, e sim um movimento pela libertação e pela democracia. Temos em mente uma alternativa muito clara, rejeitar os movimentos violentos e unificar visões políticas diferentes. Queremos eleições livres. Acreditamos no respeito aos direitos humanos e não queremos o fundamentalismo e muito menos o terrorismo”.
“Para a Líbia moderna, queremos a paz”, acrescenta o representante do CNT. “E o povo está em consenso quanto ao 'depois de Gadaffi', porque quer participar de uma sociedade democrática”.
A propósito das relações da “nova Líbia” com o ex-rais, Baja precisa que “quando capturarmos Gadaffi, o processo contra ele será na Líbia, porque o Tribunal Penal Internacional de Haia só o processaria pelos crimes cometidos desde fevereiro deste ano, mas ele mata a nossa gente e nos rouba desde 1969. Se, depois da justiça líbia, o Tribunal de Haia também quiser processá-lo, não vejo problema em processá-lo duas vezes”.
Fonte: Zenit - (Chiara Santomiero)
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