Em 19 de janeiro, foi publicado no site da revista médica Lancet um artigo com os números do aborto no mundo entre 1995 e 2008. Os autores do texto declaram: "As leis restritivas ao aborto não estão associados a menores taxas de aborto". Não surpreende que a publicação tenha sido imediatamente adotada por vários grupos pró-aborto para apoiar a liberalização da prática em todas as nações.
A base das tentativas de liberalização é o assim chamado “aborto seguro”, para o qual a legalização completa seria um elemento essencial, embora não exaustivo. Trata-se de esforços para convencer os governos, particularmente os da América do Sul, de que uma possível descriminalização do aborto só poderia resultar em progresso, porque impediria as complicações dos aborto clandestinos sem elevar o número de abortos realizados.
Mas podemos perguntar se essa leitura é respeitosa da realidade ou apenas uma representação conveniente para uma perspectiva muito ideológica.
Um elemento de reflexão vem da constatação de quem são os autores: membros do Instituto Guttmacher, que é uma formidável máquina de propaganda do aborto, historicamente ligada à maior rede de clínicas de aborto dos Estados Unidos, a Planned Parenthood. O Instituto Guttmacher faz parte do lobby pró-aborto, que pede das instituições internacionais o reconhecimento da interrupção voluntária da gravidez como parte dos chamados “direitos reprodutivos”.
Os autores afirmam que processaram os dados de seu estudo a partir de uma variedade de fontes: outros estudos publicados, relatórios ocasionais, pareceres de peritos. Como uma tal miscelânea possa ter embasado as estimativas referidas no artigo é um mistério obscuro, que dista muito da transparência de métodos que deveria permitir a verificabilidade e a reprodutibilidade do método científico de Galileu. Já de outra coisa temos mais conhecimento: do enorme grau de variabilidade e de incerteza que sustenta todos os métodos usados para estimar os abortos clandestinos.
Basta comparar as estimativas do número de abortos antes da legalização em alguns países ocidentais.
Para a Itália, Grandolfo fornece o número de 350.000 abortos antes da legalização, enquanto Figà Talamanca dá estimativas que, com base em vários modelos matemáticos, vão de 220.000 até 3.640.000, enquanto o professor Colombo apresenta como dado mais provável o de 100.000 abortos por ano.
Na França, a agência nacional de estatística, Ined, avalia que, antes da lei do aborto, o número era de 250.000. Já Thierry Lefevre fala de 55.000 a 90.000. Na Inglaterra, citavam-se 100.000 abortos antes da abortion act de 1967, ao passo que outras publicações científicas estimavam o número entre 15.000 e 31.000.
Não pode ser subestimado, ainda, o testemunho direto do norte-americano Dr. Nathanson, fundador da NARAL (Associação Nacional para a Revogação das Leis de Aborto), convertido à causa pró-vida e ao catolicismo. Ele comprova que houve um exagero proposital na quantidade alegada de abortos nos Estados Unidos, como técnica para criar a impressão de que o aborto era muito difundido no país e precisava ser legalizado.
Resta uma consideração a ser feita sobre o uso de dados brutos a respeito de fatores paralelos, que podem modificar os próprios dados sobre o aborto em si. O mundo “pró-escolha” (favorável ao aborto) utiliza, por exemplo, todos os possíveis co-fatores a fim de tentar diminuir a probabilidade de que os problemas psicológicos nas mulheres que fizeram abortos se devam ao próprio fato de terem abortado.
Eles argumentam que a causa de tais problemas não é o aborto em si, mas toda uma série de fatores que predispõem as mulheres com problemas de saúde mental a abortarem com mais probabilidade. É de se perguntar por que os especialistas que publicaram o estudo na Lancet não corrigiram os dados sobre o aborto com base nos vários fatores que influenciam o recurso a essa prática: renda, religião, raça, fertilidade, escolaridade, para citar apenas alguns.
De uma coisa podemos estar certos: legalizar o aborto é aceitar que o número de abortos vai aumentar. Isto não é uma tese, mas um fato demonstrado na Itália, na Romênia, nos Estados Unidos, no Peru. E mostra claramente que lutar por leis restritivas significa lutar pela vida.
Renzo Puccetti, professor na Faculdade de Bioética do Ateneu Regina Apostolorum
Fonte: Zenit.
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